domingo, 17 de agosto de 2014

ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE O LIVRO

ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE O LIVRO:

1) MARLI LAUX,
Em 28 de junho de 2013:
Li teu livro em pleno Pantanal, me refugiei no ar condicionado para fugir dos mosquitos... Fiquei impressionada com a grande carga de tensão emocional com que as comissárias, que têm filhos trabalham. Você conseguiu, e muito bem passar isto e mais a grande "culpa" que as mães carregam por não estarem perto dos filhos. Não pensei que fosse tão conflitante ser mãe Comissária, talvez inconscientemente eu soubesse e por isso optei por não ser. Parabéns pela iniciativa de escrever sobre a vida e a história das comissárias! Agora vou ler o outro livro que me destes. Bjs.

Minha resposta:
Muito grata, Marli Laux, pelo seu depoimento! Fico contente em saber que o resultado do trabalho valeu! O livro mostra a realidade da vida e da profissão das Comissárias, por trás do "glamour" que também entra como parte do salário... Embora seja um trabalho que muito enriquece, em termos de experiência de vida e em conhecimento, é um trabalho muito desgastante! Merece muito respeito e, principalmente, uma escala de voo mais humana!

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2) LINA ALVES,
Em 4 de julho de 2013:
Querida Rosa, estou na página 133. Fiquei impressionada com a dedicação e o amor de Alice Clausz à Varig. Não tive o privilégio de conhecê-la, mas sempre ouvi elogios a seu respeito. Estou adorando seu livro, tem informações relevantes que acredito que muitos nem tenham conhecimento, assim como eu não tinha antes de lê-lo, como, por exemplo, o nome da 1ª empresa de transporte aéreo (DELAG) fundada em 1912 na Alemanha. Assim que terminar a leitura, sem dúvida postarei muitos elogios ao seu belíssimo trabalho. Abraços.

LINA ALVES,
Em 29 de agosto de 2013:
Querida Rosa Maria Custodio, terminei de ler seu livro e quero parabenizá-la pela linda obra. Recomendo a todos que leiam, pois além de você ser uma exímia escritora é também uma pessoa dotada de tamanha sensibilidade. Escrever bem é uma arte, um dom, uma inspiração, um talento natural. A arte de bem escrever exige rasgo e inspiração, mas exige também raciocínio lógico, disciplina mental, domínio pleno de algumas regras essenciais e dedicação numa base de prática diária. Escrever é fruto de um grande esforço e a habilidade técnica. Escrever bem é ser um artista que manuseia as palavras e as ideias com a mesma destreza que um pintor manuseia as cores e as suas infinitas combinações. Escrever bem é transmitir de forma simples ideias consistentes. É elaborar para simplificar. É depurar. É construir sem pena de destruir tudo outra vez. É ilustrar, criar sabores, exalar aromas e transmitir imagens ao associar as palavras. É saber descrever o ordinário de um modo extraordinário. É gerar empatia e saber traduzir o dia-a-dia. É ver o mundo de dentro para fora e depois de fora para dentro para melhor distanciamento. E, é nessa lida diária de registro, na paixão que toma e possui quem escreve, nesse voo livre em viagem mental liberta e desprendida, onde os sentidos coexistem com as vivências e as apetências que os verdadeiros escritores de talento e gênio se transcendem e se revelam. Parabéns não só pela maneira como escreve, mas tb pelo conteúdo do livro. Se hoje a profissão exige renúncias e muitos sacrifícios imagina naquela época (1912).Lendo a história de cada uma delas, percebo que nenhuma dificuldade deixou de ser transposta quando a força de vontade fez prevalecer sua natureza. Sem dúvida conciliar a carreira com a maternidade e o casamento é o maior desafio embora a aviação nos faça amadurecer, nos abra os horizontes e nos torna independentes. A lição que tirei após lê-lo foi a seguinte: Não obstante a todos os percalços que a vida nos impõe jamais devemos esperar que tudo caia do céu, temos que ir a campo em busca da concretização dos nossos objetivos. A força de vontade combinada a ação vem a ser, portanto, uma mágica chave que abre todas as portas a quem dela tiver posse. Antes de ler o livro não tinha conhecimento do amor e dedicação de Alice Clausz a VARIG e o quanto ela foi importante para toda a aviação. Minha homenagem a essas mulheres guerreiras que com seus relatos contribuíram para engrandecer seu trabalho.

Minha resposta:
Você escreve muito bem, Lina Alves! Parabéns! Estou muito grata, por suas elogiosas palavras! Guardarei a lição que tirou: "Não obstante a todos os percalços que a vida nos impõe jamais devemos esperar que tudo caia do céu, temos que ir a campo em busca da concretização dos nossos objetivos. A força de vontade combinada a ação vem a ser, portanto, uma mágica chave que abre todas as portas a quem dela tiver posse". Você tem se destacado por estar sempre procurando informar, orientar e ajudar os colegas que vivem o drama imposto pelo AERUS. Somos gratos a você, por isso também! Aceite meu afetuoso abraço!
 
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3) MIRNA FRACALOSSI,
Em 24 de setembro de 2013:
Lendo os depoimentos das Comissárias de voo...Ella, Suzy, Ana, Frey, Fernanda e agora vem a Juju. Todas as histórias bem interessantes, prendem a atenção porque cada uma tem suas particularidades, começos e necessidades diferentes, algumas delas jamais tinham pensado em ser "aeromoças"... muito legal!

Minha resposta:
São histórias de vida e eu me emocionei com todas elas, principalmente porque eram minhas colegas e, de uniforme, a gente não sabia o outro lado, humano, criativo, diferente...


MIRNA FRACALOSSI,
Em 27 de setembro de 2013:
Além da demonstração de força, determinação e perseverança, achei bem interessante e surpreendente o relato de "Bibiana" sobre a sua morte clínica e como essa experiência influenciou suas decisões futuras... (pag. 233).
Aos 50 anos, terminando a faculdade de Pedagogia e já se programando para estudar Psicologia no intuito de poder cada vez mais ajudar a quem precisa.
Deste relato, guardo uma frase bonita e verdadeira sobre o ser humano:
...e quanto mais ele sobe a montanha, mais ele vê que a paisagem é muito maior...

Minha resposta:
Querida Mirna Fracalossi, você é muito generosa em compartilhar sua leitura e o que mais lhe chamou a atenção. Eu também senti muito forte a energia da "Bibiana". Uma linda história de amor à vida e ao servir ao próximo!

MIRNA FRACALOSSI,
Em 14 de outubro de 2013:
Encerro a minha leitura do livro “Comissárias de Voo & suas histórias de vida”  fazendo alusão ao relato de LILA, que mostrou ser uma mulher de fibra, garra e muita determinação para alcançar seus objetivos sem perder a ternura e com um olhar voltado para a espiritualidade também. Muito crítica e antenada, ela registrou as suas impressões com muita clareza e objetividade, gostei muito. Destaco uma peculiaridade nesse relato quando ela fala de tratamentos alternativos para seu marido...

Rosa Maria Custodio respondeu:
Muito grata, Mirna Fracalossi, por suas palavras! Seu comentário muito me sensibiliza, pois você captou o sentido das histórias e soube expressar com muita objetividade e clareza o que leu. Afinal, você também é uma escritora e eu sou sua fã e leitora!
Vou copiar e colar na minha página, com a sua permissão!

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 4) ROSANGELA GUARANI KAIOWÁ NUNES,
Escreveu em 3 de fevereiro de 2014:
Querida amiga, Rosa Maria Custodio. Estou orgulhosa de seu trabalho, de sua imparcialidade e generosidade ao se por como expectadora, dando liberdade e voz para que todos pudessem se expressar. Um verdadeiro documentário de nossos sonhos e frustrações, de nossos ganhos e perdas. Testemunhos sinceros e verdadeiros de quem viveu ou interpretou a árdua profissão de aviador em suas respectivas funções. Muito obrigada por seu desvelo e dedicação indisfarçável, nesse verdadeiro trabalho rendado com linha e agulha finas. Verdadeiro e precioso compendio da aviação nua e crua. Parabéns !!! Parabéns !!!

Minha resposta:

Rosangela Guarani Kaiowá Nunes! Que apreciação, amiga! Surpreendeu-me! Palavras fortes, sinceras, de quem compreendeu, de fato, o meu trabalho! Foi um árduo trabalho e ficou pela metade... Se tudo correr bem, darei conta do restante. Tenho outros depoimentos, outras lindas histórias de vida, das colegas mais jovens, ou seja, que entraram para a aviação depois dos anos 70. Agradeço, de coração, seu comentário. 

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Uma amiga me sugeriu dar uma olhada no bloghttp://izavoadora.com/2013/07/08/herois-do-dia-a-dia/ .  Atendi sua sugestão e deixei o seguinte comentário sobre o assunto em pauta e a profissão de Comissária de Voo, em 9 de julho de 2013:
Parabéns Izavoadora!
Ao ler seu texto, fiquei emocionada e revi muitas fases da minha vida profissional: foram 32 anos de voo! Entrei para a aviação em 1972 e me aposentei em 2004. Por muitos anos, vivemos a fase do glamour... éramos vistas como cinderelas, mas trabalhávamos como gatas borralheiras! Passávamos a maior parte do tempo carregando bandejas pesadas e cheias de comida, com louças, copos de vidros, talheres de metal... duas bandejas de cada vez, sem o auxílio dos carrinhos que só chegaram muitos anos depois! Um trabalho árduo, tanto nos voos nacionais como nos internacionais! Mal tínhamos tempo para conversar com os passageiros, mas mesmo assim os tratávamos com simpatia e sorrisos. Éramos mais respeitadas por eles, que eram muito mais educados que a maioria dos "pax" de hoje em dia. A preocupação com a segurança sempre existiu e eram constantes os nossos treinamentos, mas o desgaste físico e emocional nos voos "normais" com o serviço de bordo era enorme! Finalmente, com a expansão do sistema de transportes aéreos e com a competição das empresas, onde os custos falavam mais alto, chegou-se à conclusão de que avião não é restaurante! Muitas foram as mudanças que ocorreram para se chegar aos conceitos que norteiam, nos dias de hoje, o trabalho dos comissários de voo! As próprias empresas não fazem questão de valorizar seus profissionais e as escalas de voo são desumanas porque não permitem uma vida social organizada, com tempo para a família, os estudos ou lazer... Ainda se exige que o tripulante esteja a serviço da empresa muito mais tempo que todas as outras categorias profissionais que eu conheço! Embora o trabalho, dentro dos aviões seja bem mais leve nos dias de hoje, a profissão continua sendo muito desgastante por causa da pressurização, altitude e outros fatores, inclusive a preocupação com a segurança e possíveis emergências. Além, é claro, daquilo que você relata no seu emocionante texto, que tem a ver com o relacionamento humano! Não é fácil trabalhar e atender as expectativas de todos os usuários. Muitas vezes não é fácil trabalhar com determinados colegas... é o lado humano de cada um que entra em jogo... Sem dúvida que é preciso valorizar a profissão e o profissional e não é só no momento do heroísmo! Felizmente os acidentes aéreos são raros! Mas a vida, no dia a dia, em qualquer profissão, precisa ser respeitada!
A sociedade, e os usuários em geral, ainda conhecem muito pouco dos meandros da profissão dos "Comissários e Comissárias de voo". Eu já escrevi muita coisa sobre a profissão, em momentos diversos dos 32 anos que vivi na aviação, que não foi publicado. Na década de 90, quando nossa empresa (VARIG) já estava passando por uma grande crise, distribuí questionários, colhi depoimentos, fiz entrevistas... Por razões várias, inclusive problemas de stress e familiares, deixei este material de lado. Voltei a ele dois anos atrás e recentemente publiquei um livro de 350 páginas ("Comissárias de Voo & suas histórias de vida") com a intenção de mostrar o lado real da profissão e o lado humano das profissionais. É apenas uma primeira abordagem, inclusive para dar um retorno a todas as pessoas que foram envolvidas e participaram com seus depoimentos. Este livro não fala de glamour, nem de atos de heroísmo, mas enfoca a realidade vivida naquelas décadas do século passado... e muita coisa não mudou!
Se você estiver interessada, escreva para o e-mail: livro.comissariasdevoo@gmail.com
Não é publicidade! É uma necessidade de compartilhar um trabalho que fiz, que exigiu muitas horas do pouco tempo de folga que eu tinha e que aponta para muitas reflexões sobre a nossa profissão e a vida que vivemos, com muita dignidade, entre o céu e a terra, enquanto buscamos a nossa possível realização e felicidade!
Abraços e muito sucesso na sua carreira e na sua vida!

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quinta-feira, 10 de julho de 2014

Palavras finais...

Palavras finais...

As viagens são o grande atrativo da profissão dos Comissários e Comissárias de Voo. Acredito que seria muito reduzido o número de jovens a se interessar por este trabalho se ele ficasse circunscrito ao ambiente interno de um avião (ambiente fechado, pressurizado, com ar seco e baixa temperatura) em voos que podem durar mais de 10 horas seguidas, com dezenas e mesmo centenas de passageiros que esperam ser atendidos com exclusividade! Também não seriam atraídos por esta profissão se ela se restringisse a cuidar exclusivamente de situações de emergência... Quem aguentaria ficar o tempo todo “focado” em combater incêndios a bordo ou fazer pousos forçados no mar ou em terra?!
Além de gostar de viajar e lidar com o público, têm outras razões que levam os jovens a escolher esta profissão: a sensação de fazer parte de um mundo sem fronteiras; a sensação (nem sempre verdadeira) de ter maior liberdade e mais tempo livre; a possibilidade de visitar familiares e amigos que moram longe, ficar em bons hotéis... E o salário, é claro! Embora as exigências das empresas sejam muitas (no sentido do “ser”), não é preciso ter frequentado uma universidade ou concluído um curso de pós-graduação, que exige anos de estudo e esforço, para ser admitido nesta profissão.
Passados os primeiros tempos, onde tudo é novidade, o trabalho começa a mostrar o seu lado repetitivo e cansativo. Nos voos curtos, com muitas escalas, ou nos voos internacionais, quase sempre lotados, os comissários e comissárias, na realização de suas obrigações, se desdobram para que os passageiros tenham uma viagem boa, segura e confortável. Mas, os pequenos incidentes e imprevistos também acontecem.
Após longas jornadas de trabalho, que vão muito além das horas voadas, se a escala de voo não permitir um tempo adequado para o descanso e o convívio familiar, a vida particular vai ficando difícil e surgem desequilíbrios físicos e emocionais. O organismo se ressente e as reações aparecem: insônia, irritabilidade, ansiedade, facilidade para contrair gripes e resfriados, além de outros problemas de saúde.
A necessidade de trabalhar, de se sentir útil e ganhar o seu próprio sustento, em uma atividade charmosa que permite conhecer muitos lugares, absorver novas culturas, fazer novos amigos, são razões que prendem as pessoas nesta profissão, apesar do constante desgaste que ela produz.
Os aspectos vantajosos da profissão todo mundo conhece. Mas os aspectos negativos são desconhecidos do público e desconsiderados pelas empresas de transporte aéreo. Eles existem e tem um peso muito grande na relação custo-benefício vivida por esses profissionais. Com o passar dos anos, a situação tende a piorar, como já foi visto no Resultado da Pesquisa (páginas 71 até 129).
Na admissão, a empresa exige juventude, saúde, boa aparência, e inúmeras habilidades comportamentais, como: boa postura, boa comunicação, boa educação, sociabilidade, amabilidade etc. Mas as condições de trabalho (incluindo, principalmente, a sobrecarga da escala de voo) e a falta de reconhecimento das chefias, vão minando o lado emocional que comanda o potencial do funcionário.  Nesses  últimos anos, as condições de trabalho dos Comissários de Voo ficaram ainda mais difíceis...
Não é minha intenção desmotivar as jovens que desejam escolher esta profissão, por qualquer que seja o motivo. Muito ao contrário. Para elas, cito uma frase do poeta Fernando Pessoa que ouvi aos onze anos e nunca mais esqueci: “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”! Sim, quando trabalhamos com amor e dedicação, engrandecemos a nossa alma! Trabalhar e servir as pessoas enobrece o ser humano. A profissão de Comissário e Comissária de Voo é muito digna e bonita. Mas o trabalho pode se tornar muito desgastante e frustrante, se as condições oferecidas pelas empresas forem abusivas e se a lei que regulamenta a profissão estiver desconectada da realidade.
Espero que as informações registradas neste livro sirvam para mostrar o lado real da atividade dos Comissários e Comissárias de Voo – profissionais que a sociedade e a mídia continuam a focalizar de forma superficial e estereotipada. Espero, também, que as jovens que sonham exercer essa profissão encontrem aqui as respostas para muitas de suas perguntas e façam suas escolhas com bastante consciência da realidade que vão enfrentar.
Acima de tudo, espero que este livro possa lançar uma luz mais forte sobre a verdadeira condição de vida da mulher Comissária de Voo e desperte reflexões mais profundas sobre a necessidade de adequação das leis que regulamentam essa profissão. Que as jovens mulheres, cheias de vida e de sonhos, possam buscar e encontrar a sua realização pessoal e profissional. Que elas possam fazer o que gostam e cumprir seus papéis com competência e consciência, sem pagar um preço elevado e injusto. Que possam voar na realidade e no sonho, com harmonia e alegria!

(Palavras finais? - A nossa história continua...)

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VARIG (aposentadoria) AERUS

VARIG (aposentadoria) AERUS

A época glamorosa da aviação, vivida na Varig, é coisa do passado. A melhor e mais sólida empresa aérea que existiu neste país e que representou o Brasil com excelência, durante décadas, nas rotas nacionais e internacionais, não existe mais! A empresa foi vítima de má administração e de uma conjuntura político-econômica adversa. O descaso do governo, que ignorou a sua condição de prestadora de serviços essenciais, apressou sua falência, deixando um vácuo no sistema brasileiro de transportes aéreos que dificilmente será preenchido.
Outra questão, que afeta particularmente os ex-funcionários da Varig, entre eles os Comissários e Comissárias de Voo, é a do AERUS - fundo de previdência privada, criado em 1982 com a finalidade de gerir a aposentadoria complementar dos funcionários de empresas aéreas brasileiras - aeroviários e aeronautas.
Quando o AERUS foi criado, eram três as suas fontes de sustentação: 1- pagamento dos funcionários, 2- pagamento das empresas, 3- taxa de 3% sobre o valor das vendas de passagens nacionais. Mas as regras mudaram e irregularidades ocorreram, sem o conhecimento dos aeroviários e aeronautas que continuaram contribuindo para o Fundo (com valores muito superiores àqueles que pagavam ao INSS, na época). A contribuição mensal era regiamente descontada em seus contracheques.
A partir de 2006, quando a Varig entrou em Recuperação Judicial, houve também uma intervenção no AERUS e este Instituto de Previdência Privada foi deixando de pagar o que era direito dos aposentados e pensionistas. Para quem acompanhou o desenrolar dos fatos, ficou muito clara a insensibilidade do governo federal em relação aos problemas vividos por todos os ex-funcionários da Varig. Na questão dos planos de aposentadoria desses funcionários (Plano I e II) que estão em fase de liquidação, os estudiosos da lei são taxativos:
“A lei complementar 109/2001 da antiga lei federal 6.435/1977, foi aplicada incorretamente, pois não há previsão de liquidação de planos de benefícios. Apenas a entidade pode ser liquidada.” Ou seja, é indevida e ilegal a liquidação dos planos de aposentadoria dos aposentados e pensionistas! Isso só poderia ser feito se o próprio AERUS fosse liquidado!
A questão ainda se desenrola em processos judiciais e a esperança é a última que morre. Mas como aceitar tamanha injustiça e insensibilidade estando a pessoa aposentada e em idade avançada? Alice Clausz, citada nas primeiras páginas deste livro, a quem presto a minha mais sincera homenagem, está com 85 anos! Depois de uma bela carreira na aviação e com uma rica história de vida, a partir de 2006 foi obrigada a se desfazer de tudo o que amealhou durante toda sua vida de trabalho e viagens! Hoje, em consequência de um derrame, vive de forma muito restrita, em total dependência dos parentes...
A realidade de muitas Comissárias de Voo, que passaram suas vidas cumprindo uma rigorosa escala de trabalho e esperavam desfrutar uma fase de vida mais tranquila após a aposentadoria, também não é das mais risonhas. Entre elas estão algumas que, neste livro, nos contemplaram com suas belas histórias de vida. Depositaram suas economias no plano de aposentadoria complementar que lhes proporcionaria dignidade na velhice e ainda esperam que a Justiça brasileira possa lhes restituir a dignidade e um direito que estão sendo negados... 
Isto tudo sem falar nos funcionários, do voo e de terra, que perderam seus empregos, em 2006, quando a empresa entrou em “Recuperação Judicial”... Perderam seus empregos, sem qualquer direito trabalhista: sem aviso prévio, sem qualquer salário, sem FGTS!
Registro aqui a minha indignação diante de um governo que se diz representante dos trabalhadores...


Lila

Lila*

Minha mãe é descendente de austríacos. Eles vieram durante a primeira guerra mundial quando a cidade de Trieste, onde moravam, foi tomada pelos italianos. A família de meu pai era portuguesa e tem um sobrenome que é um termo náutico e quer dizer “nuvens negras que vêm antes das tempestades”. Meu avô paterno era jornalista.  Comprou um jornal de esportes e tinha uma vida folgada.
Nasci no Rio, mas eu vivia indo e voltando para a Europa. Estudava na Inglaterra em colégio interno, enquanto ficava aos cuidados da minha avó materna que morava na França. Fui alfabetizada em português, inglês e francês. Nasci nove meses depois do casamento de meus pais. Minha mãe tinha 23 anos e meu pai 26. O apartamento deles ainda não estava pronto e eles tiveram que ficar morando uma temporada com os meus avós. Fiquei morando com minha avó até os 13 anos, quando ela faleceu.
Relação difícil com os pais
Depois da morte da minha avó, vim morar com meus pais. Sempre fui diferente, quase não tinha amigos, por causa dessa história de ficar pra lá e pra cá. Como eu era grandona, todos os meus amigos eram mais velhos e minha mãe não me deixava sair com eles. Eu achava aquilo um absurdo! Aos 15 anos eu saí de casa e fui morar com uma tia, pois a minha convivência com meus pais estava muito difícil. Antes de ir morar com minha tia eu já tinha saído de casa e tinha morado com uma amiga num apartamento alugado em Ipanema. A mãe dela é que alugava o apartamento. Ela era bem mais velha do que eu, devia ter uns 19 anos. Passei uns quatro meses fora de casa. Mas morar com minha amiga deu certo até acabar o meu dinheiro.
Primeiros trabalhos, amigos
Comecei a trabalhar aos 15 anos como secretária da América Fabril, uma fábrica de tecidos. Foi então que comecei a ter vida social, porque antes tudo era temporário e passageiro: Em Londres, onde estudava, eram as questões ligadas ao colégio e coleguinhas. Em Paris, onde minha avó morava, eram os passeios, as festas, o teatro. No Brasil eram as férias, onde eu passava o verão e tudo era uma maravilha. Tive uma vida ativa, mas sem deixar rastros. Eu tinha amigas estrangeiras, cujos pais tinham uma vida meio nômade e elas moravam aqui no Brasil. Só comecei a ter amigos brasileiros depois que entrei na aviação.
Trabalhei em Congressos e como modelo, trabalhei em filmes publicitários e em recepção de hospital. Fui disk- jóquei, trabalhei em rádio. Cheguei a ter um programa na rádio Continental, com músicas americanas, blue, jazz. Na rádio eu ganhava pouco, mas era um bom trabalho porque gravava dois programas num dia e o programa passava de madrugada. E ganhava convites, discos...
Aviação
Com 17 anos me inscrevi na Varig. Eu já estava morando novamente com os meus pais. Meu pai disse que jamais assinaria a autorização para eu entrar na aviação, então ameacei sair de casa de novo. Ainda era muito arteira e gostava de sair à noite, ir à discotecas... Meus pais pensavam que eu ia dormir, mas eu dava um jeito de sair pela porta de serviço, sem que eles percebessem. O dono da discoteca Girau era meu amigo e por intermédio dele conheci um rapaz que trabalhava na aviação. Achei interessante o trabalho dele e foi assim que vim para a Varig.
Curso de Comissários
Entrei para a Varig com 18 anos. Minha turma foi a primeira de 1970 e o cursinho foi ministrado na Associação Cristã de Moços, na Lapa. Lembro que no início do curso o meu pai mandava o motorista me buscar pra gente almoçar junto no Museu de Arte Moderna, que era lá perto. O tititi entre os colegas era que eu tinha um coronel. Durante os três meses de cursinho, o pessoal dizia que eu estava tirando o emprego de quem precisava dele para comer. Eles achavam que eu estava apenas curtindo com a cara deles. Depois, tive que comer no “cai duro” (restaurante dos funcionários da Varig) e tive até uma infecção intestinal. Comi feijão, abóbora e carne seca. Nunca tinha comido essas coisas!
Meus colegas achavam engraçado o meu jeito de ser e falar. Naquela época eu tinha um pouco de dificuldade para falar o português. Uma vez, quando não soube falar “maçaneta”, eu disse “aquilo que abre a porta”. Também se falava muito sobre maconha e eu dizia “E o que tem demais?”. Então, no dia seguinte, falavam que eu fumava maconha.
No final do curso soubemos que nossa turma tinha que ir para a base de São Paulo. Quando entrei na empresa, apresentei uma carta de recomendação do Ministro da Aeronáutica (através de meu pai) e até isso meus colegas souberam. Não queria pedir ajuda ao meu pai, novamente, mas cheguei a pedir que ele fizesse alguma coisa porque eu queria ficar no Rio. Acabei tendo que ir para São Paulo.
Primeiro voo, amor à primeira vista
Em São Paulo, fui registrar a carteira de habilitação técnica no Departamento de Aeronáutica Civil. Lá encontrei um rapaz muito simpático, muito sorridente, que olhou para mim e disse: “Ah, comissária nova!”. Então ele disse que ia fazer o primeiro voo como comandante. Fiquei meio constrangida. Quando fui fazer meu primeiro voo, lá estava ele. Era o comandante do meu primeiro voo e de todos os outros que fiz naquele mês. Depois eu soube que foi ele que pediu para fazer os voos que eu tinha na minha escala.
No mês seguinte eu voltei para o Rio de Janeiro. Estava justamente no voo dele quando recebi a informação de que voltaria para o Rio e vi que ele ficou meio surpreso com a notícia. Falou que eu não podia voltar para o Rio sem conhecer São Paulo e assim me convidou para dar uma volta no Ibirapuera e depois jantar. Sabia que ele era casado e achei que ia jantar na casa dele.
Saímos e então fiquei sabendo que a mulher estava no Rio, esperando neném. Lembro que eu estava com um vestido da Mary Queen e que ele botou a mão na minha perna. Então eu falei: “Olha, eu tenho 18 anos e não vou ser amante de um homem casado”. Aí ele perguntou: “Se eu fosse solteiro você casaria comigo?” Eu respondi que sim.
Naquela época, o pessoal de São Paulo voava no Avro e o pessoal do Rio voava no Electra. Quando voltei para o Rio comecei a voar Electra, direto. Ele me telefonava toda vez que ia para o Rio. Um dia eu estava em Fortaleza e recebi um telegrama com a seguinte mensagem: “Vencemos, venha comigo”! Eu não entendi nada e quando cheguei ao Rio ele falou: “Olha, eu estou levando a Sônia para casa e já estou tratando do desquite. Quero saber quando você vem para São Paulo comigo”.
Ele era uma pessoa muito interessante, foi uma espécie de pai e amigo que eu não tive. Era uma pessoa muito carismática, um gentleman. Ele foi uma pessoa muito importante na minha vida e eu acho que tive a oportunidade de ter essa vivência porque também era uma pessoa diferente. A Liane, que foi de uma turma antes da minha e com quem morei (e sempre acompanhou esse meu relacionamento), me disse: “Se eu fosse você nunca teria coragem de fazer isso”.
Nunca me passou pela ideia casar com um homem que estava largando a mulher. O casamento deles já não devia estar dando certo. Um ano depois nós nos casamos porque a minha mãe insistiu. Acho que foi uma belíssima história de amor e acho que foi amor à primeira vista. A nossa relação foi ótima, foi um presente do céu. Foi uma fase muito boa na minha vida. Se amadurecei e cresci foi graças a ele. Eu não tinha o básico. Ele foi fundamental na minha vida e acho que se sou o que eu sou, devo a ele.
Existem coisas na vida que estão além de nosso controle. Ele morreu de câncer, quando a Samanta tinha cinco anos e a Bianca, um ano e meio. Tive a primeira filha com 20 anos. Não tomei cuidado nenhum e só fui saber que estava grávida no terceiro mês. Foi uma surpresa e ele ficou radiante! Então entrei na água dele. Nunca na minha vida eu tinha pensado em casar e ter filhos. Até pela minha própria história de vida. Lembro que nem sabia segurar a minha filha, logo que ela nasceu. Nunca tinha segurado uma criança antes. Foi ele que me ensinou a trocar fralda.
Primeira grávida oficial na empresa
Fui a primeira grávida assumida, na Varig. Tive uma colega que namorou um comandante, ficou grávida e não quis abortar por motivos religiosos. Pediu licença na Varig e foi vender enciclopédias Barsa para se sustentar. O comandante não assumiu a criança e nós acompanhamos toda aquela história e a ajudamos a fazer o enxoval; isso nos meus primeiros meses de voo.
Quando fui ao Dr. Dias Campos, médico da empresa, ele disse que ia arranjar uma licença, por qualquer outro motivo. Falei que não, que eu estava grávida. Eu podia falar assim porque não tinha que batalhar pelo dinheiro. Se a empresa me mandasse embora, tudo bem, eu ia brigar na justiça. Então falei com o nosso diretor, Sérgio Prates. Ele ficou meio espantado e disse que ia ver como fazer em relação a isso.
Oficialmente, fui a primeira grávida assumida e o Chefe dos Comissários, Sr. Norton, nunca se conformou com isso. Ele dizia: “Sabe quantas grávidas tem aqui?” Até então a empresa não admitia nem queria admitir o problema. As comissárias entravam de licença médica por outros motivos e recebiam aquela miséria do INPS. A partir do meu caso a empresa começou a complementar o salário das que se afastavam por gravidez.
Isso causava um ônus grande para a empresa. Além de ter que suprir o quadro de voo com outra comissária. Quando elas retornassem para o trabalho, o que fazer com elas? Era caro para a empresa. Eles precisavam admitir as mulheres, mas não podiam esterilizá-las. Depois do nascimento da minha filha, pedi licença sem vencimentos por mais um ano.
Nova gravidez, questões domésticas, doenças
Quando eu ia voltar ao trabalho, fiquei grávida da segunda filha. Aí pedi demissão, pois não achei justo com a empresa. Naquela época a gente tinha condições, eu tinha uma governanta que tomava conta de tudo na minha casa. Eu era uma espécie de filha dela. Então era ótimo! Depois ela teve câncer, sofreu cirurgia e nós cuidamos dela.
Colocamos a irmã para trabalhar no lugar, até ela ficar boa. Durante dois anos vivemos essa história. Quando meu marido soube que tinha câncer, ela quis ir embora, disse que não tinha condições de aguentar tudo aquilo. Quando mais precisei, ela foi embora.
Meu marido teve metástase no pulmão. Nós não sabíamos e a doença teve uma disseminação muito rápida. Eu estava representando a Varig num Congresso na Bélgica – a cidade de Liège convidou diversas aeromoças para um evento relacionado com a aviação. A Chefe das Comissárias, Dona Lílian, me chamou e disse: “Estou enviando você porque é única que pode ir desacompanhada”. Então, antes da minha viagem, meu marido reclamou que estava com uma dor estranha. Ele já andava estressado sem motivo especial.
Quando voltei, soube que ele estava fora do voo. Cheguei a pensar que ele queria me fazer uma surpresa. Quando abri a porta de casa, vi que ele tinha emagrecido muito. Estava com um gânglio imenso no pescoço. Ele já sabia o que tinha e disse para eu me preparar para o pior. Foi uma coisa muito louca. No dia seguinte, fomos fazer uma biopsia no Instituto do Câncer e depois do exame os médicos me chamaram e disseram que ele teria uns 10 dias de vida. “Vamos começar a fazer quimioterapia, mas é melhor não falar nada para ele”. Na hora eu achei que ia morrer junto. Aí me dei conta da responsabilidade que tinha com ele. Quando entramos no quarto e ele quis saber o resultado do exame, eu falei: “Esqueça o resultado. Milagre existe e vai acontecer um agora”.
Eu já tinha conhecimento de terapias alternativas e pretendia colocá-las em prática. Ele ainda teve três meses de sobrevida, mas faleceu em 1979. Aqueles três meses foram uma loucura. Eu estava no meio da Faculdade de Direito e interrompi o curso, que só consegui concluir anos depois.
Sempre fiz cursos alternativos. Desde os treze anos, depois da morte da minha avó, eu me interessei pelo estudo da parapsicologia. Também estudei Shiatsu, que é uma terapia um pouco mística que nos joga além do aqui e do agora. Estudei hipnose (reescrita por Erikson, psiquiatra norte americano) e programação neurolinguística. Fiz uma série de cursos, fui aluna do Padre Quevedo, da Maria Lídia Gomes de Mattos. Estava fazendo aulas com Flávio Zanata, que era macrobiótico. Esses estudos me ajudaram a cuidar melhor de meu marido na fase mais difícil da doença.
No final, a situação econômica foi ficando mais difícil e a família dele começou a dizer que ele devia ter um tratamento normal. Eu achava que não, que seria mais traumatizante. Ele concordou com a família e acabou falecendo uma semana depois, com hemorragia interna. Mas eu achava que se havia uma chance de cura ela tinha que vir de dentro...
Lembro-me da situação que vivi no dia em que meu marido faleceu. Ele estava internado e eu saí para fazer um voo. Cheguei ao aeroporto e liguei para ele no hospital, mas foi a minha sogra quem atendeu. Ela disse que ele estava dormindo, mas eu insisti em falar com ele. Ele não estava dormindo e quando me atendeu disse que estava esperando eu ligar. Ele falou que ia dormir porque estava com muito sono, eu mandei um beijo e disse que a gente se falaria quando eu voltasse.
Fiz um voo para Belo Horizonte, que ia e voltava duas vezes, mas no meio da programação me avisaram que ele tinha falecido. Fui ao enterro dele ainda de uniforme. Nesse dia eu percebi que são pouquíssimas as pessoas que aparecem para ajudar. Quando você se defronta com a morte, você vê que é totalmente impotente para lidar com a situação.
Mistérios da vida e da morte
Muito cedo, na minha vida, comecei a me interessar por essas questões ligadas ao mistério da vida e da morte. Um dia, eu ia a uma festa e quis usar um vestido preto. Minha mãe achou que ele era muito decotado e queria que eu vestisse outro, mas eu não concordei. Então surgiu mais uma discussão entre nós, pois eu era considerada a ovelha negra da família. Minha mãe sempre dizia, em tudo, que a culpa era minha, que eu fui criada pela minha avó porque era uma criança insuportável. Então, quando minha avó faleceu, com problemas cardíacos, chegaram a dizer que a culpa era minha. Ouvir aquilo foi horrível!
Minha avó era alucinada por rosas vermelhas e eu nunca gostei de rosas vermelhas. Então eu disse para mim mesma: se eu não tiver nada com a morte dela, eu quero ganhar uma rosa vermelha. E o que aconteceu? Eu lembro até hoje: estava andando, na esquina de N. S. de Copacabana com a República do Peru quando um engraxate me deu uma rosa vermelha! Ele deve ter encontrado aquela flor em algum lugar, eu passei e ele simplesmente me deu a rosa. A partir daquele dia me libertei daquele peso e procurei entender o mistério que envolve nossas vidas. Quando alguém diz que fala com Deus, eu acredito piamente. É possível. Eu não consigo falar com Ele, mas as respostas aparecem. Encontrar meu marido foi a coisa mais bonita que me aconteceu na vida, depois da minha avó.
Um amigo na aviação
Nós tínhamos um amigo, na aviação, que sempre nos visitava e eu o conhecia desde garota porque ele morava na mesma rua da casa da minha mãe. Ele foi muito importante neste período mais difícil porque era da Associação dos Pilotos da VARIG e, por intermédio dele, a Associação nos deu muita força. Câncer é uma doença que faz a gente gastar o que tem e o que não tem. Meu pai também me ajudou muito. Só com o enfermeiro eu gastava três vezes o que ganhava.
Acabei me envolvendo com esse piloto que nos deu muita força. Ele sempre foi uma pessoa muito badalada, foi chefe de todos os equipamentos na empresa. Quando fiquei viúva, ele meio que quis assumir a personalidade do meu marido. Tinha trânsito livre lá em casa e assumiu o papel de pai das crianças. E me disse que já se interessava por mim antes de eu me casar. Nosso envolvimento durou apenas uns três meses. Chegamos a falar em casamento, pois ele já estava separado da esposa.
Foi uma relação muito forte. Mas, num belo dia, eu acordei e disse para mim mesma: “O que é isso? Ele não é a pessoa que eu quero colocar no lugar do meu marido!” Isso aconteceu num dia em que cheguei e o encontrei usando o cachimbo do meu marido. Ele já estava usando os óculos e o compasso... Então, naquele momento em que o vi fumando, achei que ele estava ali querendo substituir o meu marido. E não era nada disso que eu queria! Depois ele voltou para a mulher e agora está casado com outra. Nunca pedi nada para ele, embora algumas vezes ele tenha facilitado a minha vida.
Relacionamento mãe e filha
Com a morte do meu marido, o meu mundo ruiu. Para piorar a situação, a minha mãe, quando estava com as minhas filhas, falava mal de mim o tempo inteiro. Dizia que em vez de cuidar delas eu vivia passeando. Para ela, o meu trabalho era passeio. Isso não era nada bom para a cabecinha das meninas. Minha mãe queria que eu saísse da Varig e fosse morar com eles. Até fizeram um apartamento para mim lá na casa deles. Não tinha o menor cabimento, ainda mais para mim que saí de casa aos 15 anos. Nossa relação sempre foi muito difícil. Quando eu fiquei grávida da Samantha e falei para ela, ela disse: “Que ótimo, agora você vai pagar por tudo o que me fez!” O maior trauma dela é que tenho um relacionamento muito bom com as minhas duas filhas. Por isso, ela diz que devo ser muito bruxa.
Uns seis meses depois de ficar viúva, disse para a minha mãe: “Já que você é uma avó exemplar, embora não tenha conseguido ser uma mãe exemplar, você vai tomar conta das meninas, porque eu estou sem estrutura para ficar com elas no momento”. Arrumei as malas das meninas e disse para elas: “De hoje em diante vocês vão morar com a avó e eu vou ser mãe de final de semana”. Eu precisava de um tempo para lamber as minhas feridas. Liguei para minha tia, expliquei a situação e ela me deu total apoio. Ela disse que eu não podia abraçar o mundo, que precisava me reestruturar e que minha mãe tinha condições de cuidar das crianças.
Viuvez, discriminação
Eu estava vestindo manequim 38 e ninguém nunca me viu chorar e dizer: “E agora o que eu vou fazer?” Estava totalmente fragmentada por dentro, mas nunca deixei a peteca cair. Meu marido já tinha falecido e eu fui convidada para uma festa do grupo dos pilotos e achei ótimo. Pensei: “Eu vou voltar à vida normal.” Quando cheguei lá, todo mundo parou de falar. Entrei e sentei ao lado da pessoa que hoje faz teste de inglês na empresa. Não lembro o nome dela, mas lembro-me que ela se virou de costas. Então eu perguntei: “Como vai? Tudo bem? Você não me conhece mais?” Ela respondeu: “Tudo bem, você está muito bem!” Senti a ironia e falei: “Pena que não posso dizer a mesma coisa de você, porque piorou muito desde a última vez que a vi”. O problema é que eu não desmoronei, não assumi o papel de mulher sofredora. Então, começaram a me chamar de “viúva negra”.
Quando me casei pela segunda vez, minha mãe deu uma recepção lá na casa dela e apareceram lá a minha ex-sogra, o irmão do meu falecido marido e a esposa dele. No final, a mulher do irmão dele falou: “Agora que você já mostrou o que queria mostrar, não precisa mais ligar para nós, porque já não faz mais parte da nossa família”. O que eu acho engraçado em tudo isso é que sempre fui muito quixotesca. Sempre lutei por algum ideal. E assim é, até hoje.
                                Segundo casamento, terceiro filho                               
Conheci o Salvador num voo e ele foi a paixão da minha vida. Se eu não estivesse tão apaixonada, ia ver que a gente tinha diferenças gritantes. Casamos em novembro de 1980. Durante um tempo, moramos sozinhos em Ipanema. Depois mudamos para perto da casa da minha mãe e então fui, aos poucos, trazendo as minhas filhas. No segundo semestre elas já estavam morando conosco. Ele quis ter um filho e em 1982 nasceu o Conrado. 
Salvador criou uma firma de promoção de eventos. Naquele tempo, a aviação estava difícil para mim, eu não estava mais querendo voar, queria ficar em terra. Tentamos trabalhar juntos, mas não deu certo. É uma longa história. Nosso relacionamento foi de altos e baixos até acabar. Ele voltou para o Chile, mas ficou me ligando e assim ficamos namorando por telefone durante dois anos. Um dia eu resolvi pedir licença na Varig e fui para o Chile com o Conrado. Lá, fiquei sabendo que ele estava morando com outra mulher. Para se explicar, ele me disse que não podia ficar sozinho. Deveria ter dito isso antes...
Enfim, muitas coisas aconteceram. Posso dizer que a minha vida é cinematográfica. Já passei por muita coisa e agora só falta um happy end! Eu não pedi pra nascer, mas já que estou aqui, então a minha vingança é ser feliz!
Varig, questões administrativas
Hoje em dia, a administração da Varig existe para mandar a você, que está aqui no baseamento de Hong Kong, uma circular dizendo que mudou o lacre de não sei o quê. Por que não faz um manual com todas essas porcarias que se alguém tiver vontade de saber vai lá consultar?! Existem normas de procedimentos que são mais importantes para você fazer e outras tantas insignificantes que não têm nem sentido saber. Se o carrinho de comida e bebida estiver com defeito, coloque a etiqueta “está com defeito”, mas cadê a etiqueta? Então não mande circular nenhuma!
O bom senso na administração da empresa acabou. A gente devia se prender no seguinte: Qual é o perfil da empresa? A Varig é o quê? Gaúcha Air Lines? Brasilian air lines? A Varig chegou ao que ela é porque tinha um perfil: treinava melhor os funcionários, principalmente os Chefes de Equipe. Tinha um serviço de classe, diferenciado. Era um show viajar pela Varig, eu lembro bem! Era uma espécie de teatro e nenhuma companhia fazia isso. Tudo na vida a gente colhe depois que planta. Por que a Singapura Air Lines chegou ao que ela é? Porque faz relações públicas com o passageiro!
Enquanto a Varig não desenvolver uma personalidade, não criar um perfil, ela não tem chance. Antigamente, em relação aos comissários de voo, a empresa tinha até uma uniformidade física. Tinha um padrão, dava preferência para as louras, tipo gaúcha; depois ela começou a admitir todos os tipos. Há muita gente que, em termos de aparência física, não tem o perfil que a profissão exige. A Varig está parecendo uma empresa de fundo de quintal que inchou. As pessoas aqui não estão acostumadas a conversar, discutir, dialogar. Elas são contidas, mas quando falam, falam o que querem, e não estão prontas para escutar. É assim que eu vejo.
Para mudar, a Varig precisa primeiro mudar as pessoas que estão nos cargos administrativos. Mudaram no topo, mas e no meio da pirâmide? A Varig conta com uma posição de total vantagem, a qual está perdendo. Ela é “Varig - Brasilian Air Lines” e teve uma visão quando escolheu esse slogan. O que o Brasil representa no mercado mundial? Duas coisas totalmente ambíguas: miséria, carnaval e música. Tem cabimento você servir na primeira classe uma torta chamada “floresta negra”? Faça uma torta de sorvetes tropicais, faça um camarão com leite de coco!
Contrato de trabalho, questões profissionais
Se eu tivesse que fazer um trabalho de consultoria para uma empresa aérea, eu diria o seguinte: tem que haver uma modificação no contrato de trabalho, não pode ser assim do jeito que é. Tem que ter um contrato de dois, três, quatro, ou seis anos e a possibilidade de renovação. Ou, então, que nós fossemos aproveitadas dentro da estrutura administrativa da empresa, depois de alguns anos, porque o nosso trabalho, além de ser mecânico, é muito cansativo e improdutivo e a companhia não nos absorve. Muito ao contrário, ela nos segrega.
Essa história de que sendo comissária você tem que morrer como comissária é um absurdo! Você fica estacionada. Existem “N” coisas que poderíamos fazer dentro da própria empresa. Mas o maior problema está na empresa. Não existe uma liderança na Varig, não existe uma dinâmica! Por exemplo: a maioria do pessoal tem pouca fluência em idiomas estrangeiros. E o inglês, que é o idioma mais usado, poucos falam corretamente. Se a empresa tivesse um laboratório de línguas e investisse neste aspecto, muita coisa ficaria melhor. O CTC deveria atuar nesse sentido, também!
Há companhias aéreas que contratam comissários de voo nas altas temporadas, quando os voos estão mais lotados. Isso contagia os outros funcionários. Aqui na Varig, a gente não pode inovar em nada. Em termos de dinâmica, até a água, que é a substância vital mais necessária, se estiver parada, apodrece. É assim que o nosso grupo está, parado, estagnado. Existem duas alternativas para a empresa sair desta situação: ou ela despede todos os mais antigos, porque desse mato não sai mais cachorro, ou cria uma Diretoria de Ensino que atue no sentido de formar bons profissionais e atualizar os mais antigos. Mas o maior problema é que a empresa está parada no tempo e no espaço.
Falta de criatividade
O que é ser Chefe de Equipe? Para mim não é uma posição de faz de conta! Uma das coisas que mais me impressiona, ainda hoje, é que as pessoas estão tão escondidas atrás de uma coisa chamada “padrão”, que não passa de um escudo, uma ancora. É mais ou menos assim: “Eu sei fazer isso e faço automaticamente”. Digo “Bom dia, senhor, aceita um cafezinho?” e nem olho para o passageiro. Ou seja, o passageiro não é gente, é um número, uma coisa, e nós estamos ali para servi-lo. Não existe pessoa no mundo, por mais idiota que seja, que consiga viver sem usar a criatividade. Sem criatividade, qualquer um enlouquece.
A melhor maneira de se lembrar da Varig é fora do avião. Dentro do avião não existe espaço. À medida que você se prende a um determinado comportamento, como o do nosso grupo, que está doente já há algum tempo, fica mais difícil. Como Supervisora de Cabine e com os problemas que estou enfrentando na classe econômica, eu me vejo como alguém que não tem a quem recorrer. Não existe uma pessoa imparcial para me dizer no que estou errando ou acertando. O que a companhia não quer, em hipótese alguma, é problema.
Como Supervisora, procuro ter empatia com os colegas e sou o que sou em qualquer circunstância. Poderia usar mais a empatia, para perceber o que a pessoa quer ouvir, ser mais condescendente, por tudo o que já aprendi da condição humana...
Planos para o futuro
Gosto de viajar, de estar em muitos lugares. Um dia aqui, no outro lá. Mas vou sair da aviação aos 50 anos e trabalhar com Massoterapia. A ideia de compromisso ainda me incomoda um pouco. Temos um colega, o Pedro, que é psicanalista e atende, mesmo voando. Então como ele faz? Espera sair a escala de voo e liga para as pessoas, para dizer os dias em que pode atender. Mas ele não diz que trabalha na aviação. Eu jamais conseguiria fazer isso. Pretendo ser terapeuta e trabalhar com minha filha que está estudando psicologia.
Desenvolvi uma técnica que é muito legal, mas complexa. Somos energia, então, para o nosso motor funcionar legal é preciso um bom combustível, um bom óleo. Eu uso muitas coisas místicas, trabalho com os elementos terra, fogo, água e ar; cada dia uso uma cor, uma nota musical. E assim eu crio um ambiente vibratório para que a pessoa possa entrar dentro daquela viagem, digamos assim.
O corpo é o nosso passaporte. Todas as coisas estão gravadas no corpo. O corpo é que dá o primeiro sinal de que a pessoa está bem ou não está. Trabalho com água e uma série de toques, para que a pessoa tenha a sensação de integridade. A ideia é sentir as próprias fontes de poder, de desgaste e o equilíbrio. Saber identificar o que é eficiente e o que não é. O contato inicial é usado para criar um ambiente totalmente harmônico. Isso é apenas um esboço do que quero fazer como terapeuta, para ajudar as pessoas na harmonização de suas energias e, consequentemente, de suas vidas.
Os filhos e a profissão
A minha filha mais velha é a Samanta, que está com 22 anos. A Bianca tem 19 e o Conrado,13. A Samanta é Relações Públicas por excelência. Consegue conquistar as pessoas o tempo inteiro. A Bianca também é muito simpática, mas não fica agradando o tempo todo. Estava tirando brevê, fazendo curso de piloto, mas desistiu. Agora está cursando Psicologia. O Conrado é do signo de Áries, é a personificação do “não” o tempo todo.
Existe uma máxima no budismo que diz que o bom pai e a boa mãe são aqueles que ensinam o filho a passar fome e sede, pois é o que ele vai passar na vida.
A aviação é uma coisa boa, apesar de árida, pois a nossa profissão é muito desgastante. Então, tento conciliar todas essas coisas, cuidar de meus filhos e voar. Nesse sentido, acho que a empresa deveria facilitar nossa vida e que as nossas escalas de voo nos dessem melhores alternativas...

Depoimento de Bianca (19 anos):
Acho que ter uma mãe trabalhando como Comissária de Voo é bom porque nos faz amadurecer, pois temos que resolver muitas coisas sem a presença dela. Desde cedo aprendemos que na vida vamos estar quase sempre sozinhos. O lado bom é o da responsabilidade e o lado ruim é o da solidão. Meu pai morreu quando eu tinha menos de dois anos. Eu tive um padrasto, mas ele não estava sempre por perto. Senti a falta de alguém em casa regulando as coisas. Mas essa falta é superada por outros aspectos positivos da profissão da minha mãe.
As minhas amigas, da minha idade, não têm a experiência que eu tenho por ter aprendido a me virar sozinha. Tenho iniciativa, sei tomar decisões. É preciso saber o que é certo e o que é errado, para tomar uma decisão por você mesma, já que não tem a mãe ali do lado orientando a toda hora. Minha mãe já era comissária quando eu nasci e desde pequena fui criada assim. Aprendi o que na visão dela era certo e errado e ela nos permitia uma escolha. Ela me mostrou o caminho e eu pude escolher o que queria. A nossa casa funciona de modo diferente das outras, mas não tenho o que reclamar. É apenas diferente, não é ruim. Nós sempre tivemos uma empregada, mas quando eu era menor sentia muito não ter ninguém para me levar e buscar na escola. Queria que ela me levasse e me buscasse na escola, que fosse passear comigo, que me levasse nas festinhas.
Quando ela chegava de viagem estava sempre muito cansada e não podia fazer essas coisas. E também precisava fazer as coisas da vida dela. Via que ela estava cansada, mas não entendia e achava que se ela era mãe tinha que fazer o que eu queria. Eu sentia mais do que cobrava de minha mãe. Meus irmãos cobravam e cobram mais. Com o tempo fui vendo que existe também o lado bom, pois no final tudo deu certo. Meu irmão tem 14 anos e já se vira sozinho. Ele tem independência, mas ainda cobra muito da mãe.
Eu não pretendo ser Comissária de Voo. Além de achar que a profissão é muito cansativa, acho que a remuneração não é boa. Não está valendo o esforço e o desgaste que o organismo sofre. É uma vida muito estressante! Vejo minha mãe chegar sempre exausta depois de cada viagem. Não acho que valha a pena, nem mesmo a profissão de piloto. Eu estava fazendo um curso de piloto, depois fiquei doente e interrompi. Se eu achasse que vale a pena teria concluído o curso. Ainda não sei exatamente o que quero, mas estou cursando o quarto período de Psicologia.
A vida de viagens tem seus atrativos, mas por outro lado gostaria de ter minha casa, ser mais presente, dar mais atenção à família. Nunca seria uma dona de casa apenas, ainda mais porque não conheci esse modelo em minha vida, pois minha mãe nunca foi uma dona de casa. Nem sei como é!
Penso em ter filhos. Sem querer elogiar minha mãe, ela teve uma sensibilidade fora do comum para educar a gente, porque na maior parte do tempo sozinha e ainda viajando, conseguiu fazer tudo direito. Não sei se eu teria essa capacidade. Acho que teria um pouco de medo.
 Trabalho desde os 14 anos. E como modelo desde os 16. Comecei trabalhando em eventos, fazendo tradução de eventos esportivos internacionais. Isso aconteceu porque tive uma pessoa que confiou em mim, que me deu força e abriu essa porta e nem foi porque eu falava inglês muito bem.
Comecei a estudar inglês aos sete anos. E por viajar muito com minha mãe fui aperfeiçoando o idioma. Esse é o lado ótimo da profissão de minha mãe, que eu aproveito bem. Tenho passagem de graça e como já trabalho há muitos anos, posso viajar com frequência. Não preciso pedir dinheiro para ela. Só dependo de companhia. Então, quando a oportunidade aparece, eu aproveito. No ano passado fui para Londres e adorei! Fiquei no apartamento de umas amigas e foi ótimo!
Viajar é uma chance que poucos têm, a não ser que os pais tenham muito dinheiro. Mesmo assim, as pessoas não viajam com tanta frequência. Ainda mais pelos gastos com hotéis, alimentação, etc. Quando viajo com minha mãe, fico com ela e os gastos são muito menores.
Não sinto que a profissão de minha mãe seja discriminada pelas mães de minhas amigas. As pessoas são muito curiosas a respeito e acham muito legal. Quando eu era menor, não sei se discriminavam, pois quando as minha amigas estavam na minha casa, as mães ficavam chamando e quando eu estava na casa delas ninguém me chamava. Eu é que decidia quando devia voltar para casa. Acho que elas achavam que eu era meio largada, mas por isso mesmo eu me policiava e aprendia a ter limites. Nunca ficava até muito tarde, nem ficava telefonando em horas que não devia. Agia como se sempre tivesse alguém por trás disso, mas era eu quem decidia.
Eu sou a do meio. Tenho uma irmã quatro anos mais velha e um irmão seis anos mais novo, do segundo casamento de minha mãe. Minha irmã mais velha virou nossa segunda mãe; ela sempre olhava por nós e é respeitada por isso. Nem tanto por amizade, mas mais como autoridade. Com meu irmão mais novo não aconteceu o mesmo. Ele pensa diferente, não aceita autoridade e acha que é o dono da própria vida.

*Lila (pseudônimo) estava com 44 anos e tinha 25 de voo quando concedeu esta entrevista no baseamento de Hong Kong (China), em 1996. Seus filhos a acompanhavam. Bianca deu seu depoimento na mesma ocasião.  

sábado, 5 de julho de 2014

Helen

Helen*

Nasci no interior de Santa Rosa, no Rio grande do Sul. Meu pai era professor de escola primária. Dava aulas na parte da manhã para as turmas do terceiro, o quarto e o quinto anos. Na parte da tarde ele dava aula para o primeiro e o segundo. Com cinco anos de idade eu já queria ir para a escola com ele. E fui, mas ele me fez fazer duas vezes o primeiro ano. Também fiz duas vezes o quinto ano porque eu era muito nova e não tinha para onde ir, para continuar os estudos. Ele não queria que eu parasse e esse foi um quinto ano especial para mim e outros coleguinhas. Depois, no exame de admissão eu passei muito bem.
Minha mãe é um doce de pessoa, sempre foi muito dedicada ao lar, muito prendada e nos criou com pouco dinheiro, pois meu pai ganhava pouco. Nós comíamos sempre comida de boa qualidade porque ela mesma plantava e colhia. A nossa horta era muito grande, tinha muitas verduras e legumes. Minha mãe costurava, fazia pão e biscoito em casa. Sou a mais velha de seis filhos.
Estudos e trabalho
 Saí de casa com 13 anos de idade para continuar meus estudos. Fui morar com uns tios em Três Passos, que ficava distante algumas horas de ônibus de nossa casa. Eles eram proprietários de um hotel e eu trabalhava com eles e assim tinha casa e comida. Logo no início, por ser muito nova, eles me protegiam bastante. Eu ajudava em tudo o que precisavam, fazia de tudo um pouco. Mas a minha maior função era ajudar a servir as mesas durante as refeições. Mais tarde eu passei a trabalhar na recepção.
Fiquei morando com eles durante sete anos. Nesse meio tempo eles venderam o hotel e foram para Ijuí, que era uma cidade maior e melhor. Sentia muita saudade de casa porque minha família era muito unida e meu pai e minha mãe eram muito carinhosos. Eu sentia saudade dos meus irmãos e alguns deles nasceram depois que saí de casa. Aquilo apertava muito meu coração. Por outro lado, minha tia era muito severa e não fazia muita distinção entre eu e as empregadas. Isso me doía muito, pois me sentia parte da família.
Mudança para os Estados Unidos
Um dia chegou a minha prima que morava nos Estados Unidos e disse que eu merecia uma vida melhor e quis me levar para morar com ela. Eu estava terminando o segundo grau, mas fui assim mesmo. Fui com visto de turista, depois voltei para renovar o visto. Também viajei para o Japão, para renovar o visto novamente. Minha prima e o marido trabalhavam na Varig e eu comecei a viver naquele clima de aviação.
Viajei e comecei a gostar de andar de avião.
Morar nos Estados Unidos foi como entrar em uma escola e começar a aprender a partir do zero. Tudo era diferente e moderno. Foi um grande aprendizado. Eu falava alemão e isso me ajudou muito. Inglês eu sabia um pouco, mas no início fiquei muda.
Três meses depois comecei a frequentar uma escola e fiquei no terceiro ano em um curso de inglês para estrangeiros. Fiz o curso todo. Eu cuidava da casa e dos filhos da minha prima. Ela também precisava de mim e foi a união do útil ao agradável. Ela fez para mim tudo o que pôde. Tive oportunidade de conhecer um mundo diferente. Amadureci cercada de muito carinho. Fiquei morando com eles durante quatro anos.
Aviação
Quando comecei a falar que queria entrar para a aviação, minha prima me disse que só me liberaria aos 21 anos. Ela já tinha sido Comissária. Meu primo era tripulante e voava para o Japão. Eles sempre falaram bem do trabalho. Fui muito incentivada. Depois do curso de inglês, fiz um curso de agente de viagens. Já estava no meio do caminho.
A aviação era a única coisa que eu via; parecia que ela tinha sido feita para mim e eu para ela. A experiência que eu já tinha - relacionamento com o público em hotel, em restaurante, a vivência do dia a dia lidando com pessoas diferentes - era a experiência de que eu precisava para trabalhar na aviação. Quando entrei, não pensei que ia ficar tanto tempo. Já estou aqui há 24 anos e não penso em parar.
Voltei ao Brasil decidida a entrar para a aviação. Morar longe dos meus pais não foi problema. O problema foi falar para eles que eu ia entrar para a aviação. Eu já estava com 21 anos e tinha medo de que eles não aprovassem. Fui para a casa deles e fiquei três dias doente.  Não sabia como falar com eles.
Na realidade eu já tinha feito a inscrição na Varig, em Porto Alegre, e estava com a entrevista marcada. Até então, eles sabiam de tudo o que eu fazia, pois sempre trocamos correspondência e isso preenchia o vazio da distância e a saudade. Cada carta que eu recebia era como se estivesse vivendo com eles.
Finalmente minha mãe me colocou contra a parede e perguntou: “Você viveu tanto tempo lá fora, o que você quer fazer aqui no interior? Quais são seus planos? Seu pai está tentando arranjar uma escola para você lecionar inglês. Que podemos fazer por você?” Aí eu falei que queria entrar na aviação e queria a aprovação deles.  Em vez de ficarem chocados eles ficaram contentes.
Em Porto Alegre passei na entrevista e nos testes. Eu estava preocupada com a minha altura: tinha 1m59cm e eles exigiam 1m60cm. Mas deu tudo certo e no dia 15 de junho de 1973 eu já estava no Rio de Janeiro, com carteira assinada, como aluna comissária.
Curso de Comissários
Durante o cursinho, ficamos hospedados num Hotel próximo ao Aeroporto Santos Dumont. A experiência foi marcante, pois Dona Alice é uma figura inesquecível. Ela era muito severa, muito exigente em relação à postura e ao comportamento. Quando ela apontava no corredor, todo mundo estremecia. Na minha turma 14 alunos eram de Porto Alegre e 14 do Rio de Janeiro. Éramos um grupo muito unido. Tenho muitas lembranças de bons momentos.  
Primeiros voos, elogios
O primeiro voo foi muito bom, com um instrutor de quem não esqueço. Ele não era bem instrutor, mas tinha muita gente nova e ele fez o meu acompanhamento. Depois tive outro voo com uma instrutora que já se aposentou. Nas linhas internacionais a minha instrução foi com uma moça que depois voltou para Israel, para viver no Kibutz. Sempre fui elogiada. Eu estava no mundo da lua e demonstrava que gostava do que estava fazendo. Recebi muitos elogios de passageiros, até do Hélio Schmidt, presidente da Varig.
Moradia
No Rio de Janeiro, fui morar com mais duas colegas no bairro da Glória numa pensão que incluía café da manhã e jantar. Era perto do aeroporto e lá ficamos durante uns sete ou oito meses. Depois, uma colega que morava conosco brigou com a dona da pensão porque ela era rigorosa e queria os quartos sempre limpos. Não podia ter biscoitinhos no quarto etc.
Procuramos um apartamento para alugar e aí começaram as dificuldades. Já não tínhamos mais o jantar ou o café prontinho. Tivemos que nos mobilizar para ter uma cozinha e dividimos as tarefas domésticas. Eu preferi cuidar da cozinha e começamos a cozinhar numa única panela. Outra preferia limpar o apartamento e fazia isso quando chegava de voo, pois chegava elétrica e não conseguia relaxar.
Com o aluguel do apartamento surgiram outros problemas. Eu era a única que tinha dinheiro guardado. Enquanto eu poupava, minhas colegas gastavam com roupas, bolsas e sapatos novos. Na hora de alugar um apartamento tivemos que pagar três meses adiantado porque não tínhamos fiador. Eu era única que tinha esse dinheiro, elas me pediram e eu acabei cedendo. Ficamos morando junto durante uns dois anos.
Acho que consegui administrar melhor a minha vida do que muitos colegas porque saí de casa muito nova. Quando as colegas choravam com saudades de casa, ou se envolviam com problemas com namorados e não sabiam como lidar, vinham chorar no meu ombro. Eu já tinha me desprendido da família e sempre tentei fazer o melhor em tudo.
Vida profissional, promoções
Fiquei pouco tempo nas linhas nacionais porque a Varig estava recebendo os DC-10 e selecionando as pessoas para voar nele. Os comissários que falavam mais idiomas, incluindo o alemão, foram promovidos para as linhas internacionais e logo começaram a fazer os voos diretos para Frankfurt, Zurique e outros. Em junho de 1974, com um ano de companhia, eu já tinha feito o curso do DC-10. Fui uma das mais novas e por isso senti desconforto no grupo de voo. Aqueles que não passaram ficaram nas linhas nacionais e reclamaram muito. Eu tentava explicar que a escolha não era minha.
Relacionamento com os colegas, cantadas
Acho que sou maleável, fácil de lidar. Tive uma vida simples no interior e tudo o que tive a mais é muito positivo. Mas, no início, eu ficava chocada com o comportamento de algumas pessoas que jogavam lixo no chão ou não tinham educação nem respeito com a natureza e com as outras pessoas. Aprendi tudo isso enquanto morei nos Estados Unidos. 
Com relação à cantadas, sofri muita pressão de colegas e de passageiros. Teve um passageiro que me seguiu no aeroporto em Brasília. Foi atrás de nós, me ligou no hotel, contratou um fotógrafo e tirou fotos minhas. Fiquei apavorada e encabulada perante meus colegas. Ele era uma pessoa bem vestida, de terno e gravata. Depois, através da chefia da Varig, mandou a foto para mim. A foto foi tirada no momento em que a gente estava pegando a condução. Eu era ingênua mas me fazia de mais ingênua para não enfrentar a situação.
 Uma vez, estávamos reunidos no quarto de um colega e ele começou a fazer sinal para os outros saírem. Quando levantei para ir embora ele disse: “Não, você fica”. Eu fiquei arrasada, saí do quarto muito chateada em ver que os próprios colegas estavam armando em cima de mim. Se fosse algo que eu também quisesse... Mas eles armaram sem eu saber e me senti traída. Aconteceram muitas coisas desse tipo, mas nada grave.
Envolvimento amoroso
Nunca me apaixonei por passageiro. Já gostei muito de alguém da aviação. Um colega comissário. Era uma pessoa comprometida e eu enfrentei uma luta muito grande por causa da minha formação de família. Eu tinha um sentimento de culpa muito grande e não podia ser feliz com a consciência pesada. Não admitia isso acontecer comigo, nem com  outras pessoas e consegui me afastar. Esse é o mal das tripulações fixas. As pessoas começam a se envolver.
As pessoas também precisam ter boa cabeça. A aviação já é um trabalho que deixa as pessoas carentes. Um dia você não está bem de saúde, ou está com problemas e acaba procurando alguém para desabafar, para ter atenção e acaba se envolvendo. As pessoas num outro tipo de trabalho também estão sujeitas a isso. Mas na aviação, pelo fato de estarem tão longe de casa, as pessoas almoçam e jantam ou enfrentam dificuldades juntas e isso as aproxima. É importante ter a segurança de voltar para casa e ter uma família. Cada um tem o direito de ser feliz, mas não à custa da infelicidade de outros.
Baseamento em Los Angeles
Eu era nova na aviação e as chances de ir trabalhar na rota de Los Angeles eram remotas, a não ser que eu estudasse japonês. Naquela época os equipamentos que faziam voos para o Japão eram o B-707 e o DC-8.
A tripulação de cabine era composta por oito comissários, quatro na primeira classe, incluindo o Chefe de Equipe, e quatro na cabine econômica. Só a comissária auxiliar da primeira classe, o supervisor na cabine econômica e o Chefe de Equipe iam para o baseamento sem ter o idioma oriental. Os outros comissários auxiliares eram japoneses ou nisseis. Comissários auxiliares brasileiros conseguiam ir apenas com nota em algum idioma oriental, que podia ser japonês, chinês ou coreano. Como eu tinha morado em Los Angeles e ainda tinha familiares por lá, fiquei muito interessada e resolvi estudar japonês.
Já falava alemão, inglês e português, porque não poderia falar japonês?  Então procurei o Instituto Cultural Brasil Japão e fui estudar lá. Estudei um ano e pouco nesse lugar. Um dia, a Dona Lilian, Chefe das Comissárias, estava viajando conosco e foi fazer uma visita na cabine econômica na hora do plantão e me viu escrevendo os caracteres japoneses. Ela ficou encantada, achou aquilo uma das sete maravilhas.
Pouco tempo depois recebi um telegrama em casa, pedindo para comparecer à Chefia. Fui preocupada, achando que talvez tivesse feito alguma coisa errada, mas eles queriam me consultar sobre a possibilidade  de eu ir para a base de Los Angeles. Eu tinha apenas dois anos e pouco de voo. Respondi que sim, mas seria muita pretensão da minha parte. Aí eles disseram que gostariam que eu fosse e me fizeram outra proposta: “Continue estudando, contrate  professor particular, precisamos que você faça uma prova, porque os colegas vão querer satisfação”. 
Acho que acendeu uma luz neles, pois se mais pessoas se interessassem em estudar o idioma, seria fantástico e eles não iriam depender apenas dos orientais. E foi isso que aconteceu. Depois que fui para a base LAX, muitos colegas foram na chefia pedir satisfação e outros começaram a estudar japonês. Hoje temos muitos colegas brasileiros falando japonês, chinês, coreano.
Um ano depois recebi uma cartinha da Chefia pedindo que fizesse outro exame de japonês para renovar o baseamento por mais um ano. Logo que cheguei ao Japão eu me matriculei num cursinho. Passava os pernoites no Japão, três vezes por mês, indo para o curso. Tive a vantagem de poder fazer o meu horário. Assim que recebia a escala com a minha programação de voos, eu ligava para a escola e marcava as aulas do mês seguinte. Foi uma experiência muito boa, pois já podia me comunicar em japonês por telefone. Hoje, esqueci muita coisa de tudo o que aprendi, por falta de prática.
Em Los Angeles voltei a morar com meus primos. Foi uma alegria e as crianças já estavam crescidas. Não precisei gastar com aluguel e outras despesas. Essa experiência, que foi muito boa para mim e para a empresa, trouxe mudanças e incentivos para que outros comissários estudassem idiomas orientais. Mas passou a ser usada contra mim: agora não posso mais ir para o baseamento porque já estive lá uma vez. Fiz a inscrição mas não consigo ir com minha família. Criaram um novo regulamento e só vai para o baseamento quem ainda não foi. Mas há muitos colegas que já foram duas ou três vezes.
Retorno ao Brasil, casamento
O retorno ao Brasil significou abrir mão de muitas coisas, pois a nossa realidade é outra. Tive que me conscientizar de que iniciava outra fase de vida. Pude comprar o meu apartamento e como não quis morar sozinha, um irmão veio morar comigo. Foi bom para nós dois.
Algum tempo depois conheci o meu marido. Eu era comissária, quatro anos mais velha, independente, já tinha uma vida profissional bem definida. Ele era um jovem estudante de Teologia num seminário. Nosso primeiro contato foi no próprio seminário, em Porto alegre, onde ele estudava. Minha mãe ficava hospedada lá, enquanto meu pai estava no hospital fazendo tratamento. Meu pai era professor da igreja paroquial durante muitos anos e a igreja nos amparou naqueles momentos difíceis. Quando eu ia visitar meu pai, ficava junto com minha mãe no seminário.
Foi numa dessas visitas, durante um jantar, que conheci esse rapaz, se oferecendo para ajudar no que fosse necessário. Ele foi muito atencioso. Ficamos encantados um com o outro e ao mesmo tempo tínhamos um medo muito grande, até de deixar esse sentimento desabrochar e algo mais acontecer. Os nossos mundos eram muito diferentes. Acabei tirando férias para ficar junto dos meus pais, pois eu era a filha mais velha. Naquele mês, nós tivemos um maior contato e ele foi me conquistando aos poucos. Uns dois meses depois das férias, nos encontramos novamente, pois meu pai retornava com frequência ao hospital, onde fazia hemodiálise. Nas minhas folgas, quando meus pais estavam em Porto Alegre, eu ia para lá, por dois motivos: ver meu pai e o estudante de teologia!
O coração batia mais forte e nós resolvemos conversar sobre o assunto, colocar nossas dúvidas, falar sobre as possibilidades de namorar e se haveria possibilidade de administrarmos essa relação. Conversamos seriamente antes de achar que o mundo era lindo e maravilhoso. Ele não tinha nada contra o meu trabalho, isso não era impedimento e teve tempo e oportunidade de me conhecer realmente.
Sempre foi uma pessoa muito adulta, amadurecida. Namoramos durante dois anos. Ele ia para o Rio de Janeiro nas férias e eu ia para Porto Alegre nas folgas. Conheci a família dele e sabia que eles estavam preocupados com o fato de eu ser comissária de voo, uma mulher independente, morando no Rio de Janeiro, trabalhando num avião e viajando pelo mundo.
Eu me coloquei à disposição para mudar os meus planos, ficar com ele e ir para onde ele tivesse que ir. Depois de três anos de estudos, ele se formou, mas ainda precisava fazer um ano de estágio. Foi nessa época que nos casamos. Ele conseguiu fazer esse estágio no Rio de Janeiro. Para nós foi ótimo! Quando ele voltou, eu estava grávida. Então fui junto para Porto Alegre onde nasceu nossa primeira filha. Em 1983, na formatura do pai ela tinha dois meses de idade. Voltei a trabalhar quando minha filha estava com cinco meses, depois de tirar férias acumuladas.
Maternidade, conciliação com a vida profissional
Deixar minha filhinha em casa e ir trabalhar foi uma experiência chocante. É como se tivesse cortado outra vez o cordão umbilical. Já na primeira vez, ao voltar do voo, soube que ela tinha passado mal. Teve febre forte à noite e a levaram ao médico. Ele não conseguia descobrir qual era o problema e perguntou onde estava a mãe do bebê. Responderam que estava viajando, que tinha ido trabalhar. Ele então perguntou se era a primeira vez. Responderam que sim e ele acrescentou: “Então, amanhã ela estará melhor”. A febre era de fundo emocional.
E assim prosseguimos nossa vida com a neném. Depois vieram as  outras. Meu marido sempre participou muito da criação das crianças. A mais velha tinha um ano e sete meses quando a segunda nasceu. Já tinha voado alguns meses, quando engravidei. As crianças sempre tiveram boa saúde e nós tínhamos uma pessoa muito especial nos ajudando. Tive uma única babá para os meus filhos - uma amiga e uma mãe para os meus filhos. Foi uma bênção ter uma pessoa tão maravilhosa assim na minha casa porque ela me ajudou muito.
Ela também tem uma formação cristã, é uma pessoa que veio do sul, teve a mesma formação que eu tive. Minha sogra a trouxe. No começo sentia saudade de casa, chorava muito, mas depois se adaptou. Ela já tinha certa idade e alguns problemas de saúde e nós a ajudamos no que precisava e ela nos ajudou no que nós precisávamos. Agora, há dois anos, ela acabou se casando. Não aceitava a possibilidade de namorar, mas acabou namorando e casando. Casou aos 42 anos com um rapaz de 38 anos. Exatamente a mesma diferença de idade que existe entre eu e meu marido. Ela casou e continuou vindo à nossa casa todos os dias. 
Nunca perdi um voo por causa dos meus filhos. Só quando engravidei pela terceira vez é que fiquei meio abalada nas estruturas. Fazia apenas dois meses que tinha retornado ao voo, fui revalidar a carteira de saúde e ela ficou retida porque constataram que eu estava grávida.  Eu tinha um bebê de seis meses em casa e já estava grávida novamente.
As coisas na aviação estavam mudando. Muitas comissárias estavam casando e tendo filhos. O papo entre elas já era outro: questões de família, o marido e as crianças em casa esperando, os pais carregando fraldas na bagagem. Aos poucos tudo foi ficando diferente. O meu grupo de voo, com quem eu mais convivia, era composto por pessoas que voavam há mais de 10 anos. Eram experientes, com famílias constituídas e levavam o trabalho a sério.  Não havia choque nesse sentido, não viam problema em sair de casa e ir trabalhar. 
De vez em quando eu me questionava: Será que sou uma mãe desnaturada, será que é normal deixar os filhos? Sempre procurei refletir sobre isso e chegar a uma conclusão pessoal. Tentei me convencer de que era mais importante ter um relacionamento de boa qualidade, do que de quantidade. Procurei administrar bem isso e quando estava em casa com a família, vivia exclusivamente para eles. Quando vestia o uniforme e ia trabalhar, a aviação passava a ser prioridade. O meu marido sempre me apoiou, pois ele admira o meu trabalho. Quando as crianças eram pequenas ele não viajava comigo, mas agora, que estão um pouco mais independentes, passou a viajar, quando tem tempo.
Mudanças
Depois da formatura, no início do nosso casamento, meu marido recebeu uma proposta de trabalho em Natal, no Rio Grande do Norte.  Isso foi um drama para nós, pois eu teria que deixar a aviação para acompanhá-lo. Estava disposta a fazer isto, mas acabamos entendendo que a própria igreja queria me afastar do meu trabalho, pois não era muito interessante um pastor casado com uma Comissária de Voo. Então, nós optamos por não aceitar a proposta e logo ele teve a oportunidade de cursar Jornalismo no Rio de Janeiro. Depois, me coloquei à disposição da igreja e tenho tido a oportunidade de fazer coisas boas para as pessoas. Trago remédios que aqui no Brasil ainda não fabricam, já hospedei muitas pessoas da igreja na minha casa e posso ajudar de muitas maneiras.
Meu marido recebeu muitas propostas de trabalho e aceitou essa de São Paulo, depois que tivemos uma reunião em família e examinamos os prós e contras. Conversamos com os filhos, mostramos o lado positivo, que era importante para a carreira profissional do pai e que todos deveríamos fazer o máximo para que ele se realizasse profissionalmente.
Ele desempenha a função de capelão em uma escola de 1500 alunos. É um trabalho muito bonito e lida diretamente com o ser humano, com o sofrimento das pessoas. Concordei e as crianças também. Nós achamos que valia a pena! A Empresa achou ótima a transferência, desde que eu assinasse que era sem ônus para ela. Para nós foi muito fácil.
Em São Paulo nos ofereceram casa, mas nós ficamos encarregados de procurá-la. Tirei férias e fomos procurar a casa. Encontramos uma para alugar bem perto da escola onde ele ia trabalhar. Era o que queríamos. A vaga das crianças na escola já estava garantida. É uma escola confessional, evangélica luterana - tem ensino religioso obrigatório. O interessante é que só 26 alunos da escola são de famílias luterana, mas todos têm aula de religião. Foi feita uma pesquisa com os pais, por qual razão eles procuravam a escola: disseram que sentiam a necessidade do ensino religioso para os filhos.  É bom para a formação das crianças.
Estamos começando uma nova etapa na nossa vida, com os pés no chão, com muita tranquilidade e sem traumas para ninguém. Tudo foi muito bem estruturado. A aceitação das crianças na escola foi excelente e das pessoas que trabalham com meu marido também. Não dá mais para separar a Helen da aviação da Helen da igreja, uma faz parte da outra.
Estamos todos felizes e tudo depende de nós como família. Lá em casa há uma divisão de tarefas. Quando não estou, a nossa filha mais velha já se encarrega de esquentar a comida para todo mundo. Ela tem 14 anos e meio. Eu procuro orientá-la nos cuidados que deve ter quando está na cozinha. Às vezes, deixo comida pronta no congelador, outras na geladeira mesmo. Sou eu quem cozinha. 
Importância do trabalho
Acho que o meu trabalho na aviação é muito importante. Com ele também ajudei muito a minha família. Uma vez, pensando em parar de voar, cheguei à conclusão de que seria uma atitude egoísta da minha parte. Se eu deixasse de fazer o que estou fazendo, muitas pessoas sofreriam as consequências. Tenho condições de continuar trabalhando e devo trabalhar porque só faço o bem. Não estou trabalhando para enriquecer, aumentar meu patrimônio ou para achar que sou mais importante que os outros. Estou aqui para servir, para ajudar. É uma forma de ver as coisas.
Hoje eu tenho três filhos e uma preocupação especial com eles, que precisam muito de mim. Mas também, através do meu trabalho, posso ajudá-los muito. Meus filhos têm o maior orgulho de mim e falam de boca cheia que eu sou “Comissária de Voo”. As meninas, volta e meia, falam que um dia querem ser comissárias. Eu, por enquanto, dou a maior força para elas e digo: “Ótimo!”
Sempre mostrei o lado bom das coisas e nunca falei mal do meu ambiente de trabalho. O máximo que posso fazer é reclamar que estou cansada, mas com um bom repouso eu me refaço. Quando chego, procuro descansar primeiro, para depois poder desempenhar melhor as minhas funções de dona de casa e de mãe.
Já recebi bilhete de meu marido dizendo o que ele pensa do meu trabalho: “Ser comissária de voo é arte, elegância, trabalho, saudade, segurança, alegria, cultura e realização.” E de minhas  filhas: “Mãe, eu senti muita saudade de você, eu te amo”.  
Com relação à Empresa, a gente sempre sonha e tem expectativas de melhorar um pouco no sentido de desenvolver o lado profissional e ver o nosso trabalho mais valorizado. Acho que é isso que todo mundo espera. Antes de parar de voar espero sentir mais essa valorização profissional.
Preparação para viajar
Sinto que no dia em que vou viajar fico um pouco alterada, com um pouco de ansiedade. Isso acontece apenas no dia do voo. Não sofro por antecipação. Procuro não ficar obcecada, viver em função da escala de voo, apesar de nossa vida ser direcionada pela escala. Mas não deixo essa escala atrapalhar minha vida em casa. Sei que vou viajar, mas não vou ficar todo dia pensando na próxima viagem. Só no dia eu me preocupo com a aquele voo e arrumo as malas rapidinho, pouco antes de sair de casa. Levo uma hora para me arrumar. Nesse tempo fico pensando nas recomendações que tenho que deixar em casa, as ordens que têm que ser cumpridas, o que eles têm que fazer na minha ausência. Na hora em que estou indo para o aeroporto, meu marido me pergunta se tenho alguma recomendação especial. Sempre que possível, ele me leva para o aeroporto. Quando morávamos no Rio de Janeiro ele sempre me levava, mas agora que moramos em São Paulo nem sempre o horário de trabalho dele permite. Carrego livros para ler e alguma coisa de casa que lembre a minha família, como fotografias, por exemplo.
Pernoites
Em alguns pernoites procuro descansar. Em outros, mais longos, procuro me ocupar, leio jornais, revistas, livros, tenho meus momentos de oração e conversa com Deus. Não fico pensando nas coisas em casa. Sempre tenho coisas na mala para fazer. Não considero os meus pernoites como perda de tempo. Acho que estou aqui por uma razão especial, pois tudo tem sua razão de ser. Mesmo tendo muitas coisas para fazer em casa e tendo que ficar aqui parada dois dias, procuro aproveitar, fazer algum passeio, levar alguma coisa daqui para casa, nem que seja do supermercado. Sempre levo coisas para casa, mas meus filhos não perguntam o que eu trouxe, na minha chegada. Fui acostumando-os: se um precisa de tênis é para ele que vou levar. Os outros não podem chorar porque não ganharam. Às vezes, só abro a mala no dia seguinte. Eles não ficam me cobrando.
Problemas de saúde
 A nossa saúde é muito importante e precisamos nos cuidar porque a aviação mexe muito com nosso organismo. Acho que somos muito expostos, que corremos riscos de complicar nossa  saúde em função das oscilações de temperatura, fusos horários, alimentação, noites sem dormir. Sem dúvida, nossas condições de trabalho são prejudiciais à nossa saúde. E há também a questão do desgaste familiar.
Às vezes, penso que sou diferente das outras mulheres da aviação porque procuro não tornar as coisas mais difíceis. Procuro sempre ver o lado bom e positivo das coisas, procuro não me estressar. E isso me faz bem. Acho que ter uma estrutura familiar estável é muito importante. Deve ser uma vida bem difícil a da mulher da aviação que tem filhos e tem de administrar tudo sozinha. Mal chega em casa e logo precisa sair correndo para pagar contas, resolver outros problemas  etc.
Em relação às pessoas que enfrentam o trânsito todo dia, como mulheres que trabalham fora ou aquela profissional que está fazendo carreira, acho que nós não estamos em desvantagem. Talvez ela ganhe porque tem as noites bem dormidas. Neste sentido, o nosso desgaste é maior.
Imagem da Comissária de Voo
Acho que a Comissária de Voo é uma heroína, por conseguir administrar essa vida, deixar a família para trás, cumprir a sua escala de voo até o fim.  Enfrentar atrasos e passar para o passageiro a ideia de que isso é a coisa mais natural, embora também esteja muito ansiosa para chegar à sua casa. Não é qualquer um que aguenta isso. Acho que somos diferentes e mesmo as pessoas nos olham de uma forma diferente. Ou com admiração, ou cheios de indagações, com vontade de descobrir nossos segredos. Mas acho que somos realmente pessoas especiais.
Na hora em que as portas do avião se fecham, tenho consciência de que me foi confiada muita responsabilidade e que devo desempenhar a minha função da melhor forma possível. Considero o meu trabalho muito importante e procuro passar para o passageiro essa imagem de segurança, ou faço-o saber que estou ali para cuidar da sua segurança e do seu bem-estar.
Benefícios da profissão
A aviação nos faz amadurecer, nos abre os horizontes e nos torna independentes. O meu mundo era muito pequeno e aos poucos foi crescendo. Fui conhecendo lugares os quais eu nunca tinha imaginado conhecer. Não sonhava conhecer o Japão e, de repente, eu estava indo para lá, tirando um fininho da Rússia, fazendo escala no Alasca, em Anchorage, para abastecer. Foi uma experiência incrível! A própria experiência com a cultura japonesa  acrescentou muita coisa em minha vida. Isso sem falar nos voos  para a Europa e Estados Unidos. Hoje esse mundo maior faz parte da minha realidade.
As pessoas geralmente vibram quando vou viajar. É como se viajassem comigo. Participo quando me perguntam. Não digo que vou viajar (sugestão do meu marido), digo que vou trabalhar. Mas o meu destino é Paris, Nova York, e isso faz a diferença. As pessoas que conhecem meu trabalho, minhas idas e vindas, vibram comigo, ficam felizes em saber das coisas. De vez em quando, divido algumas experiências com elas, conto com quem eu tive a oportunidade de estar, de conversar. Quando são pessoas famosas, elas se alegram.
Penso muito no que a minha filha falou da professora de história: “ela me faz viajar”.  Fiquei pensando sobre isso! Como ela consegue viajar nas aulas de história?! A professora que nunca foi à Grécia, nunca viajou, mas gosta do que faz, consegue transmitir isso às crianças. Então, eu que viajo, quero passar isso para as pessoas, permitir que elas viajem comigo, mesmo que seja só na imaginação. Sentir por onde andei, as coisas que vi, falar da minha experiência.  Não fiquei apenas trabalhando a noite toda ou dormindo no quarto do hotel. Eu andei pela cidade, vi coisas diferentes.
Expectativas, planos para o futuro
Até pouco tempo atrás eu não tinha muita expectativa em relação ao futuro. Acho que não deixei de fazer nada em função da aviação. Mas também penso que me acomodei, que deveria ter continuado a estudar e fazer outras coisas. Sempre participei muito da igreja, na parte da assistência social, até mesmo antes de casar. Tenho três irmãos que se formaram em Teologia, que trabalham como pastores. De uma forma ou outra eu os ajudei, dando apoio financeiro. Tenho um irmão que fez administração de empresa e hoje é gerente de banco, mas é muito ativo dentro da igreja. Toda a família é muito voltada para a igreja e essas afinidades ajudaram muito no meu casamento e na minha vida.
             
*Helen, (pseudônimo) estava com 45 anos e tinha 24 de voo, quando concedeu esta entrevista em um pernoite na cidade de Copenhague, (Dinamarca), em 1997.