Aoi*
Nasci na cidade de Nagasaki, no Japão. Depois, minha família se mudou para Tóquio e foi lá que me criei. Meu avô era embaixador e minha família (pai, mãe e irmão) sempre foi muito unida. Minha infância foi marcada pelas dificuldades que meu país enfrentou depois da guerra. Até banana e chocolate eram importados e considerados artigos de luxo. Eu nunca imaginei que tudo ia mudar e que um dia o meu país viesse a se transformar na grande potência econômica que é hoje.
Estudos
Estudei
em escola pública até os 12 anos de idade. Depois passei a estudar em uma
escola particular. Era uma escola católica, administrada por freiras
espanholas. Foi lá que me familiarizei com a língua espanhola e com a religião
católica. No Japão, a maioria das famílias seguem os rituais xintoístas ou
budistas. Principalmente nas cerimônias de casamento e morte. Mas no dia-a-dia
a manifestação religiosa não é tão forte.
Cursei
a Faculdade de Letras. O ingresso à universidade no Japão é muito rigoroso, mas
eu não levava os estudos muito a sério. Como morava na praia, passei a maior
parte da minha juventude velejando e participando de competições. Aos 21 anos,
estava quase concluindo a faculdade quando conheci uma família americana que me
convidou para morar, temporariamente, e concluir meu curso nos Estados Unidos. Aproveitei
a oportunidade. Naquela época só pude sair do meu país com U$ 1.000,00 na
bolsa. Chegava a andar 40 minutos a pé até a escola para economizar alguns
centavos. Um ano depois, quando venceu meu visto de estudante, voltei para o
Japão.
Aviação
Quando
eu estava morando nos Estados Unidos conheci uma ex-aeromoça da Air France. Por
intermédio dela conheci a Hiroko, que trabalhava na Varig. Naquela época,
1960/1970, havia apenas uma frequência por semana de voos para o Japão. Então a
Hiroko viajava e ficava uma semana no Japão e outra nos Estados Unidos. Aquilo
me pareceu ser uma vida de sonho. Logo que voltei para o Japão escrevi para a
Varig pedindo emprego. Responderam dizendo que não havia vaga e eu fui procurar
emprego em outras empresas. Já estava quase começando a trabalhar na Paquistão
Linhas Aéreas quando recebi um chamado da Varig. Ao mesmo tempo em que me
chamava, a empresa estava oferecendo o emprego em anúncio no jornal. Decidi
trabalhar para a Varig.
Nos exames de seleção havia
muitas candidatas, mas apenas seis foram aprovadas. A entrevista foi feita em
japonês, inglês e espanhol. Isso aconteceu em agosto de 1971, mas só em
dezembro nós viemos para o Brasil fazer os exames médicos e os testes
psicotécnicos.
Curso de Comissários
O
curso durou quase três meses e a turma era de aproximadamente 25 alunos. As
aulas eram todas em português e eu não entendia quase nada. Passava as noites
estudando palavra por palavra. As colegas, vindas do sul do Brasil, ficaram
hospedadas no mesmo pensionato e ajudaram bastante. Desde essa época sou grata,
pois foi com elas que aprendi a falar bem o português.
Primeiro voo
Meu
primeiro voo de instrução foi do Rio de Janeiro para Miami. Ainda não entendia
o idioma e ficava atrás da instrutora todo o tempo. Ao voltar, estava tão
cansada que fui deitar na manhã daquele dia e só acordei no outro dia, ao meio
dia. Nunca esqueci essa experiência. Dormi quase 30 horas, tal era o meu
cansaço. Minha instrutora foi maravilhosa! Sou muito grata a ela.
Baseamento em Los Angeles
Fiquei
seis meses no Brasil, depois fui passar uma semana em Tóquio e rever minha
família. Do Japão fui para a Base de Los Angeles onde moro até hoje. Desde o
início senti uma forte sensação de independência econômica. Eu podia alugar um
apartamento para morar, entrar num supermercado e comprar o que precisava e
tinha vontade. Voava para o Japão e ainda podia ficar alguns dias com a
família. Era jovem, independente e levava a vida que queria. Vivia a sensação
do sonho realizado. Tudo era tão bom que nem vi o tempo passar.
Relacionamento com os
colegas
Meu
relacionamento com os colegas, a bordo, sempre foi muito bom. Sou grata a eles,
sou grata à empresa, por tudo o que tenho. Acho que recebo mais do que dou. Até
a filosofia de vida dos brasileiros eu aprendi. Vivo com mais alegria e
contentamento.
Serviço de bordo,
passageiros
Trabalhei
na primeira classe praticamente a vida inteira. Lá é o meu lugar, conheço todos
os detalhes. Os passageiros da minha cabine, na maioria, são orientais e, nesse
aspecto, acho que sempre cumpri o meu papel, mantendo a boa imagem da empresa.
Muitos passageiros já viajaram comigo inúmeras vezes. Por isso consigo criar um
clima de família e aconchego durante as viagens. Sempre prestei atenção às
questões econômicas envolvendo o Japão e o Brasil. E consigo conversar com os
passageiros sobre esses assuntos. O que se passa no avião é um espelho do que
acontece no mundo.
Os passageiros brasileiros são mais
informais. Eles demonstram o que sentem, dizem do que gostam ou do que não
gostam. Os japoneses são mais reservados. Acho que eles não sabem demonstrar o
sentimento, da maneira como fazem os brasileiros. Aos poucos fui absorvendo a
cultura brasileira e também aprendi a dizer o que gosto, demonstrar o que
sinto. Mas quando estou com minha família, no Japão, retorno às minhas origens.
Sou mais franca, mais direta, mas não tanto quanto gostaria. O entendimento,
entre nós japoneses, é silencioso. Não é tão espontâneo como entre os
brasileiros, em manifestar sentimentos ou opiniões. É bom poder variar no
atendimento a bordo, isso me faz sentir internacional. E esse sentimento é muito bom!
Vida profissional
Gosto
muito do que faço. Este foi meu primeiro emprego e vai ser o último. Para mim é
um privilégio estar na Base de Los Angeles, na condição de japonesa. Os tempos
já foram melhores, a época do sonho já passou. Agora é a realidade, mas não dá
para reclamar. Para mim foi uma sorte, sendo estrangeira, ter começado a
trabalhar numa empresa brasileira. Aqui não existe discriminação de idade, sexo
ou raça. No Japão, depois dos 30 anos de idade, eles começam a apontar o dedo.
Existe pressão e um desestímulo para quem quer continuar na profissão.
A
promoção para o cargo de Supervisora de Cabine é uma consequência do trabalho
que tenho realizado. Durante esses anos todos, aprendi muitas coisas e cresci.
Ao mesmo tempo, também vi o meu país crescer. A sensação é muito boa, apesar de
que o futuro do meu país seja preocupante. O país é pequeno, falta espaço para
produzir riqueza e o povo tem que trabalhar muito para produzir coisas de
qualidade, se quiser continuar competindo no mercado internacional.
Vida afetiva, realização
pessoal
Tive
um namorado americano, com quem podia ter me casado se não houvesse o
preconceito por eu ser “oriental”. Tive também outros relacionamentos, mas acho
que a minha independência atrapalhou muito. Ser uma mulher, ter liberdade e ser
forte, ainda atrapalha os relacionamentos com os homens.
Fiz
a minha escolha, dentro de tudo o que estava ao meu alcance. De certa forma,
sinto-me realizada. Parte do sonho fica para a próxima encarnação. Vou ter uma
vida bem diferente, casar, ter filhos e ser feliz. Se não for para ser feliz, é
melhor ficar só.
*Aoi (pseudônimo)
começou a trabalhar na Varig aos 22 anos, em 1971. Foi entrevistada no Rio de
Janeiro, em 1995, quando veio ao Brasil para fazer o curso de Supervisão.
Estava com 46 anos, tinha 24 de voo, morava em Los Angeles (USA), de onde fazia
a rota para o Japão.
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