domingo, 15 de junho de 2014

A mulher do 1º Oficial...

A mulher do 1º Oficial...
(Entrevista com a esposa de um copiloto – Hong Kong, 1996)

1- Onde e quando você conheceu o seu marido?
Foi no Rio de Janeiro, quando eu tinha 18 anos. Ele tinha 20 anos e estava na escolinha de aviação, fazendo as primeiras aulas de voo. Tinha um emprego, mas o dinheiro que recebia era pouco. Eu também trabalhava. Nos finais de semana, ele ia de carro, emprestado da tia, até o Aeroclube de Maricá. Eu acompanhei a sua carreira desde o início. A vontade de voar era grande, mas o dinheiro era insuficiente. Às vezes, ele só conseguia pagar 10 minutos de aula de voo. Só dava para decolar e pousar. Os pais dele não podiam ajudar. Ele teve que trabalhar muito para se tornar o piloto que é hoje. E eu acompanhei tudo isso.
Nós deixávamos de fazer passeios normais que os jovens gostam de fazer, como sair para jantar fora, ir ao cinema. Às vezes, eu até emprestava algum dinheiro do meu salário, ou dava de presente num envelope, no aniversário dele ou em outras datas.

2- Você sente ciúmes do seu marido?
No início do nosso casamento eu era uma pessoa muito ciumenta. Meu marido me dizia que o ciúme é uma doença. Na fase de insegurança, eu não podia ficar ligando toda hora porque a conta de telefone ficava alta, então ligava mais tarde e ele não estava no quarto. Sendo domingo e batendo a solidão eu resolvia ligar e não o encontrava, mesmo sendo meia-noite, uma hora da madrugada... Aí eu começava a pensar: “O que será que ele está fazendo? Onde estará e com quem?”.
Com o tempo, aquela fase da paixão acabou e começou uma fase de amor, de mais segurança, de amizade e de respeito. Começam a valer todos aqueles anos de convivência e você vai se sentindo mais à vontade para falar de todas as coisas. Quando a mulher está bem no seu relacionamento com o marido, ela não tem razão para sentir ciúmes nem se preocupar. É também uma questão de ter ou não ter confiança. Apesar de que a gente não sabe de nada e o homem é homem e está aí para tudo. Além disso, hoje em dia, todo mundo canta todo mundo. Antigamente, a gente esperava que o homem tomasse a iniciativa, mas hoje não é mais assim.
Quando meu marido estava trabalhando no B-737, passei uma fase muito difícil. Ele vivia trabalhando e quase não parava em casa. Foi uma fase horrível, a gente quase se separou. Ele ficou muito tempo trabalhando nesse avião, como comandante e como instrutor. Teve oportunidade de subir na carreira, mas não aceitou porque achava que estava bem. Para o nosso relacionamento foi uma fase péssima, pois ele fazia um voo atrás do outro.
Foi nessa época que eu tive um problema sério com uma comissária. Ela andou ligando para a minha casa e insinuando muitas coisas. Depois, nós acabamos tendo uma discussão, porque através de uma amiga, que também é comissária, eu consegui o telefone dela. Liguei, conversei com ela e ela falou tudo. Foi uma situação horrível, pintou de tudo: ciúme, insegurança, dúvidas. Apesar de saber que o nosso casamento estava legal, eu não sabia até que ponto a outra história estava acontecendo. Ficou um clima muito ruim e meu marido resolveu dar um basta na situação, saindo do B-737 e indo trabalhar no DC-10.
A comissária, sendo uma pessoa livre, viajando, conhecendo tantos homens, comissários e pilotos solteiros (não são muitos, mas ainda há alguns), conhecendo o mundo inteiro, por que vai se envolver justamente com um homem casado? Isso é sofrimento para outras pessoas! É sofrimento para todos os envolvidos na história. Tirando aquele momento do bem bom, na hora que tudo desaba é muito ruim para todos. Acho muito difícil o homem deixar a esposa e a família por causa de um caso com uma comissária. Dependendo do relacionamento que ele tem com a esposa e com a família, é impossível ele sair de casa e ir viver com a amante. Na maioria das vezes, quando a bomba estoura, ele vai para o lado da família. Eu já fiz essa pergunta para a comissária que se envolveu com o meu marido e ela respondeu: “Infelizmente, a gente não escolhe por quem a gente se apaixona. As coisas vão acontecendo por intermédio de uma amizade e vão crescendo e quando menos se espera a gente se envolve e as coisas acontecem. A gente não se dá conta se é casado ou se é solteiro”.
Eu falei que concordava com ela e perguntei: “E depois que a poeira do entusiasmo se assentou, que aquele fogo se acalmou, depois das primeiras vezes, como ficam as coisas? Você nunca parou para pensar nisso? Quando você via a aliança no dedo dele você não pensava que ele era um homem casado?” Ela respondeu: “Não, eu via como um anel”. Na verdade, ela não queria aceitar que ele era casado. E até falou para mim: “Eu sempre o vi como se fosse meu, quando estávamos juntos.” E numa das nossas brigas pelo telefone, ela falou: “Olha, pare e pense uma coisa: o seu marido foi meu durante dois anos e quando ele deitava na cama era em mim que pensava e quando ele deitava comigo eu tenho certeza que ele não pensava em você”. Foi horrível ouvir tudo isso! Por isso que é muito difícil esquecer...

3- Deve ser difícil ser esposa de piloto de avião...
É verdade! Como mulher de piloto, eu acho que a gente tem que ter uma cabeça muito boa para enfrentar problemas desse tipo. Existem também problemas de fora, com amigos que não estão na profissão e que, de vez em quando, ficam dando umas beliscadas, até de brincadeira... As amigas mulheres mais do que os homens. Elas dizem: “Teu marido está fora, o que será que ele está fazendo?” Elas sempre falam: “Eu não sei se aguentaria viver com um marido que passa tanto tempo fora de casa, sem saber o que ele está fazendo, com quem está andando...”.
As coisas acontecem a qualquer hora e a “outra” pode não ser uma comissária, pode ser a esposa de um médico ou de um tripulante. Sem dúvida que a aviação proporciona mais chances às pessoas. Mas depende de cada um e há algumas comissárias que são aloucadas. Também existem muitos casos de homens, não só os tripulantes técnicos, mas os comissários, que chegam e se apresentam como solteiros. Eles tiram a aliança quando vão voar. Eu conheço um comandante que faz isso quando sai de casa. Ele é nosso amigo e eu até o sacaneio e pergunto: “Vem cá, onde está a aliança?” Ele responde: “Está aqui, no meu bolso.” E ainda diz para mim: “Quietinha, hein?!”. Isso acontece em todas as profissões. Mas na aviação é mais fácil reunir o útil com o agradável, por isso as pessoas de fora têm muita inveja.
A profissão de comissária proporciona mais chances para a mulher ter um caso, independente de ser com um tripulante ou não. Pode ser com um passageiro ou com qualquer outra pessoa. Sendo mãe e dona de casa, e trabalhando fora, quando saio tenho que dar satisfação às minhas filhas: “A mamãe vai sair e volta tal hora.” Você, que está aqui no seu quarto de hotel, do outro lado do mundo, se você não dormir sozinha, não tem que dar satisfação a ninguém. É esse lado que é mais fácil, do que nas outras profissões. Então, as pessoas de fora, ou até nós que convivemos um pouco mais de perto, pensamos nesse outro lado como uma possibilidade.
Se eu fosse esposa de um advogado ou de qualquer outro profissional, o marido ligaria dizendo: “Olha, eu vou chegar mais tarde porque vou resolver um problema aqui no trabalho.” Ele pode até sair com outra mulher, mas vai dormir em casa. Pode estar resolvendo um problema ou pode estar fazendo outras coisas. Pode dizer que tem que viajar para outra cidade. Ele vai e fica uma noite fora, e não duas ou três ou quatro noites seguidas. É diferente.
                                                                                             
4- O preconceito parece existir dos dois lados...
 Como mulher de piloto, eu sei que o preconceito existe dos dois lados. Tanto a mulher do tripulante técnico quanto a comissária de voo são preconceituosas. O preconceito da comissária em relação à mulher de um comandante existe quando ela tem interesse por ele. Só nessa área do relacionamento, porque a gente nunca sabe o que está realmente acontecendo, assim como nunca sabe o que vai acontecer. Então, o preconceito existe. Da mesma forma que eu admiro essa liberdade, essa mesma liberdade pode levar a muitas coisas e acabar interferindo na minha vida pessoal. Já sofri uma experiência muito amarga em relação a isso e meu casamento ficou abalado.
Conversando com outras mulheres de pilotos, todas pensam da mesma forma. Pensam na possibilidade de haver um caso entre a comissária e o seu marido. Nenhuma delas vê a comissária como uma mulher agradável. Sempre há um constrangimento entre ambas. É como se todas as comissárias fossem uma rival latente. Porque a gente nunca sabe quem pode ser, mesmo quando a gente faz um voo com o marido e vai cumprimentar a tripulação, vai rir e brincar junto. Nunca sabe se algumas daquelas que estão ali já tiveram um caso com o seu marido, ou se já deram em cima dele, ou se ele já deu em cima delas. 
Isso tudo pode ocorrer e talvez até com alguma frequência. Então você está sempre com um pé atrás. Mesmo assim, jamais tratei mal qualquer comissária, mas sei que há muitas mulheres que tratam mal as comissárias. Existem mulheres de tripulantes técnicos que dizem que não se misturam com comissárias. O preconceito existe. Não sei se seria uma forma de se defenderem da possibilidade de dar de cara com alguém que tenha se aproximado de seu marido.

5- Como você vê a mulher Comissária de Voo?
Eu via a comissária como uma mulher linda, educada, e livre. Ela fica muito alinhada de uniforme. É como se estivesse usando uma roupa social, com maquiagem, sapato de salto alto, cabelo arrumadinho. Não são todas que se arrumam assim, mas a maioria é muito elegante. Nos pernoites, porém, quando estão sem o uniforme, mudam muito. Nem parecem as mesmas quando saem para jantar, de calça jeans e tênis desbotado, do jeito que são naturalmente.
Tenho amigas que acham que as comissárias se prostituem. Eu digo que algumas são aloucadas, mas não são todas, porque eu viajo e convivo com muitas delas. Eu não tenho o que falar, pois sempre tive bom relacionamento com todas. Mas também escuto muito aquela história de que a situação das comissárias é diferente da situação das secretárias, porque estas vão para casa todo dia e seus patrões também, mas a comissária não, ela fica fora muitos dias, junto com a tripulação, sem ter que dar satisfação a ninguém. Eu respondo que não é por aí, que depende de cada pessoa e da formação que ela tem.

6- O que você acha da profissão de Comissária de Voo?
Sempre achei uma linda profissão e já quis muito ser Comissária de Voo. Inclusive, na época em que meu marido começou a trabalhar na Rio-Sul, eu até pensei em trabalhar na empresa. Naquele tempo os voos eram curtos e eu achei que podia entrar para o voo e conciliar com a vida familiar. Mas meu marido não foi favorável e pouco tempo depois ele foi transferido para uma base em outro estado, por seis meses. Quando nós voltamos do baseamento eu fiquei grávida da minha primeira filha e como não tínhamos familiares morando perto, as coisas ficaram mais difíceis. Hoje, eu não sei se daria conta de ser mãe, mulher e viajar pelo mundo inteiro. Com meu marido eu já viajei muito, para vários lugares.
A profissão é muito bonita e as comissárias parecem conseguir conciliar várias coisas. Mas não deve ser fácil o papel que desempenham porque há os passageiros chatos e exigentes que as tratam como garçonetes. Não admito esse tipo de coisa, pois elas estão ali para nos ajudar numa emergência, além de nos servir e proporcionar conforto.
Confesso que invejo as comissárias pela liberdade que elas têm. Podem sair de casa e ficar um tempo longe dos filhos, do marido, da empregada, dos problemas do dia a dia, longe de casa, onde nunca se tem sossego. Ficar sem ouvir a empregada dizendo: “O que vou cozinhar hoje? Acabou o feijão, acabou o arroz”. Sim, eu gostaria muito de ter essa liberdade que a comissária de voo tem. É isso o que eu mais invejo na vida delas. Ter liberdade de se afastar do cotidiano, até para fazer uma higiene mental do relacionamento com o marido, com os filhos, coisa que não se tem em casa porque somos acionadas o tempo inteiro.
Mesmo quando trabalhamos fora, não paramos. Sinto inveja, pois gostaria de passar dois dias fora, fazer o que bem entendesse nesse tempo. Usar essa liberdade para refletir, para conhecer o mundo, para fazer compras, ou até mesmo para escrever um livro, como você está planejando fazer. Esse tempo, em casa, você nunca vai ter. Estará sempre sendo acionada para outras coisas. Você até pode dar uma parada, sair e refrescar a cabeça, mas ao voltar começa tudo de novo. Se eu quiser ter essa liberdade, preciso pagar e elas estão sendo pagas para ter essa liberdade.

Eu costumo dizer que é uma profissão maravilhosa porque permite que você conheça o mundo e ainda ganhe dinheiro. As comissárias ganham o salário, a diária e o hotel. Nos pernoites, normalmente, têm 1, 2 ou 3 dias para fazer o que bem entendem. Não têm hora certa para voltar e quando voltam não têm que dar satisfação a ninguém, absolutamente a ninguém. Isso tudo faz parte do seu trabalho e é o que todas as mulheres gostariam de ter.

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