Frey*
Nasci
em 1944, no interior do Rio Grande do Sul, em uma colônia alemã. Nosso vizinho
mais próximo morava a uns quatro quilômetros de distância. Minha família, além
dos meus pais, era composta de nove irmãos. Dois dos meus irmãos faleceram com desidratação.
Os outros sete estão vivos até hoje e eu sou a caçula. Mamãe ainda está viva,
mas papai faleceu faz uns 13 anos. Ele estava com quase 86 anos. Mamãe fez 90 anos e está firme e forte, com
32 netos e 26 bisnetos.
Saí
da colônia com oito anos de idade. Fui para o centro do município para estudar,
pois precisava completar o curso primário. Mudei de residência muitas vezes.
Fiquei um tempo com minha madrinha, que morava perto da escola. Depois fui para
casa de um tio, depois para a casa de um primo. Não sei por que mudava tanto!
Minhas irmãs dizem que eu chorava muito na hora de sair de casa. Depois fiquei
semi-interna e, por fim, fui estudar como interna, durante o curso ginasial, em
Passo Fundo. Completei o curso normal e me formei professora.
Primeiro trabalho
Com
18 anos, fui trabalhar como auxiliar de escritório, em Porto Alegre. Minha irmã
morava lá e convenceu minha mãe a me deixar morar com ela, para lhe fazer
companhia. No início nossa sobrevivência foi muito difícil; chegamos a matar a
fome com pão e água. Depois trabalhei como bancária. Era meio turno e ganhava
um pouquinho mais. Além disso, sobrava mais tempo e nesse outro meio turno fui
professora. Foi uma coisa muito boa na minha vida. Eu alfabetizava a criançada. Até setembro do
ano letivo ninguém estava lendo. Começava a dar uma aflição. Mas, de repente,
entre setembro e outubro, eles começavam a ler. É como uma panela de pipoca. Aí
vem o prazer da realização de todo aquele trabalho. É muito bonito! Gostei
muito de lecionar!
Aviação
Um
dia, uma colega do Banco onde eu trabalhava me disse: “Vamos nos inscrever para
Varig, as inscrições estão abertas!” Nunca tinha pensado nisso antes. Gostava
de viajar, mas não conhecia lugar nenhum a não ser onde já tinha morado.
Criei-me andando de charrete puxada por dois cavalos. Na minha época de
infância, onde morávamos, o que existia era o sistema de troca. Como eu era a
caçula, eu saia muito com meu pai e minha mãe. Eu adorava sair com eles para as
vilas próximas.
Na época em que minha colega me convidou para
ir à Varig, eu estava sendo pressionada a fazer a opção pelo Fundo de Garantia,
mas não optar seria mais vantajoso para mim porque depois de dez anos de
trabalho a gente se tornava efetiva ou, se nos demitissem, a cada ano teriam
que pagar por dois. Eu não queria pedir demissão e essa colega acabou indo para
a aviação três anos antes de mim. Quando estava com nove anos de Banco, a
pressão foi maior, mas eu não optei. Apesar de ser uma exímia datilógrafa e boa
profissional, entramos num acordo e eles me demitiram.
Enfim,
eu nunca havia pensado em ser Comissária nem sabia o que se fazia dentro do
avião. Muita gente entrou assim para a aviação. Nunca mais tive contato com a
colega do Banco, que migrou para a aviação, mas fiquei querendo trabalhar na
Varig. Imaginava que iria viajar muito e que seria um tipo de assistente
social, que daria informações aos passageiros, mas nunca me passou pela cabeça
que fosse servir refeições. E isso é o que mais se faz.
Eu
tinha 26 anos e o máximo da idade permitida para entrar como aeromoça era 27.
Antes de me inscrever na Varig fui fazer um cursinho de inglês. No teste de
inglês, na Varig, o professor me disse que eu devia estudar um pouco mais e
depois voltar a fazer outro teste. Então fiquei pensando que, na próxima vez,
não teria chance por causa da idade. E falei quase sem pensar: “Mas eu também
falo alemão!” Então, no mesmo dia, fiz um teste com outra pessoa e fui
admitida. Se não fosse pelo alemão eu não teria conseguido a oportunidade de
entrar para a aviação.
Primeiros voos
Começamos
a voar na Ponte Aérea, Rio de Janeiro–São Paulo. Voei Avro e Electra. Tínhamos
que fazer o balanceamento do avião, no famoso Boco Moco (Avro). O primeiro voo de linha eu lembro direitinho,
foi para Uberaba com pernoite. Lá, a tripulação saiu para jantar e aí começou
essa vida maravilhosa. Sempre gostei desses momentos de vida social com os
colegas. Sempre soube separar os problemas do avião, ou de casa, nos pernoites.
A gente precisa relaxar, sair, passear... Gosto de todos os lugares onde estou.
Cada lugar tem suas coisas interessantes.
Depois,
voei no B-727, para o interior de todo o Brasil. Também fazíamos voos para
Miami, Caracas, e Manaus. Ficávamos poucas horas em Miami e voltávamos para
Manaus. Fiquei nas linhas nacionais durante três anos. Depois fui trabalhar no
DC-10. Foi uma época maravilhosa, pois sempre gostei de sair com os colegas.
Tivemos uma época de tripulação fixa e eu sempre me relacionei bem com todos.
Vida pessoal X vida
profissional
Fui
muito namoradeira dos 18 aos 25, antes de entrar para o voo. Queria me
divertir, passear, mas nada de namoro sério.
Na aviação, namorei uma pessoa, mas nunca
quis misturar trabalho com namoro. Foi assim desde o meu primeiro emprego.
Achava que perderia a liberdade. Acredito que conciliei bem a vida profissional
com a particular. Quando eu estava no Rio de Janeiro, estava tudo bem. Quando
estava fora, não me preocupava com o que se passava no Rio.
Embora
alimentasse o sonho de casar no civil e religioso e ter filhos, eu não casei.
Tive um relacionamento com um rapaz, durante 14 anos. Ele já tinha sido casado.
Quando decidimos morar juntos foi um período de dedicação total. Foi então que
aprendi a amar e me dedicar a alguém. Não tive filhos, mas isso não foi
problema. Aprendi que a minha felicidade depende de mim, mas já a busquei fora
de mim. Não sei se é a aviação ou se somos nós que nos preenchemos. Sei que a
aviação nos ocupa bastante.
Baseamento em Los Angeles
Fui
para o baseamento de Los Angeles nos Estados Unidos e me adaptei muito bem. O
meu maior interesse era conhecer o Japão e também ganhar um dinheirinho a mais.
Morei em Torrance (Califórnia-USA) sozinha. Não tinha carro. Só alugava carro
quando recebia parentes. Andava de ônibus, andava de bicicleta, ou fazia tudo
perto de casa. Aproveitei ao máximo todas as oportunidades ao meu alcance.
Fazia muitas coisas: estudava inglês, ginástica, aeróbica, natação. Foi o
período em que vivi mais para mim, dentro da aviação. Antes fazia caminhadas e
exercícios por minha conta. Também fiz amizade com uma oriental que tinha um
filho de sete anos e fizemos muitos passeios juntas.
Em
1987, com 42 anos, eu quebrei o pé. Foi acidente de trabalho. Estava indo para
o aeroporto, já no final do baseamento. Na recuperação, eu andava de muleta, ou
ficava a maior parte do tempo sentada. Uma sobrinha veio do sul para me ajudar.
Foi quando fiz um balanço da minha vida e li muitos livros espirituais. Relaxei
totalmente. Nunca tinha sido assim, antes. Foi então que procurei viver para
mim. Eu vivia mais para os outros. Agora
estou procurando fazer o que quero e gosto.
Imagem da Comissária
Antigamente eu nem fazia ideia do que era ser
aeromoça. Para mim era uma pessoa aberta, dinâmica, dedicada aos passageiros
durante a viagem, alguém que fazia o trabalho com satisfação e entusiasmo. É
assim que eu procuro ser e fazer. Ao vestir o uniforme, procuro manter o mesmo
entusiasmo dos primeiros anos, apesar do desgaste com o avançar da idade.
Muitas vezes eu sinto que estou cansada, que meu corpo já não se anima, pois é
hora de ir dormir e eu estou saindo para trabalhar. É isso que é difícil. Procuro
sempre descansar antes do voo e também no avião, na hora do nosso descanso.
Sinto que o uniforme me torna mais forte e que meu ego fica mais satisfeito.
Planos para o futuro
Sinto-me
realizada! Cheguei ao topo da carreira, apesar de ter demorado muito para ser
promovida a Chefe de Equipe. Agora quero concluir este tempo que me falta para
chegar à aposentadoria, procurando fazer o melhor e deixar mensagens positivas
aos meus colegas. Acho que a aposentadoria vai ser uma coisa boa em minha vida,
pois ainda quero continuar meus estudos. Quero cursar a faculdade de turismo,
aumentar meus conhecimentos para eu mesma fazer turismo de qualidade. Quando me
aposentar, quero viajar e aproveitar para conhecer o que for possível.
Faria tudo de novo
A
Varig foi uma escola. Minha mãe, que está com 90 anos, me falou, há muitos anos
atrás, que se ela tivesse tido a oportunidade de fazer o que eu faço ela teria
tomado a mesma decisão. Ela curte demais a minha vida. Levei-a para Los Angeles
e ela aproveitou tudo o que pôde, foi até para a Disneylândia e nos deixou
cansadas: queria ver tudo!
Se
não fosse a aviação, talvez eu nem tivesse conhecido o Rio de Janeiro. Teria
ficado lá no Sul, teria casado e tido oito filhos. Tenho irmãs que têm muitos
filhos. Se voltasse no tempo e tivesse que escolher, eu faria tudo de novo.
Gosto do que faço. Entrei para a aviação sem saber como seria o meu trabalho e
a minha vida. E deu tudo certo. Acho que vou continuar morando em Copacabana, o
melhor lugar do Rio de Janeiro para se viver e envelhecer. A gente anda na
praia, faz compras, e tem por perto tudo de que se precisa. Nunca estamos
sós.
*Frey (pseudônimo) tinha 53 anos e 27 de voo, quando concedeu
esta entrevista, em um pernoite na cidade de Nova York, em 1997.
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