Introdução
Este livro – Comissárias de Voo & suas histórias de vida – surgiu
com o objetivo de mostrar o lado real da profissão que tive a oportunidade de
escolher aos 20 anos. Naquela época, as jovens eram atraídas para esse trabalho
através de anúncios de jornais ou por influência de familiares e amigos. Como
muitas, eu tinha uma vaga ideia das possibilidades que o mundo da aviação nos
oferecia.
Comecei a trabalhar na Varig em 1972. O cenário na aviação era
totalmente diferente deste que conhecemos nos dias de hoje. Não foi fácil, mas
conquistei minha estabilidade financeira e autonomia de vida. E, ainda, o que
considero um importante diferencial: tive a possibilidade de viajar, ampliar
meus horizontes e adquirir uma visão de mundo que, provavelmente, não teria
conseguido em outras profissões.
Para mostrar esse amplo e colorido painel que ilustra o trabalho e a
vida das Comissárias de Voo, fiz uso de questionários, depoimentos e
entrevistas. As histórias relatadas neste livro foram registradas entre os anos
de 1995 e 1998. Os depoimentos, na sua maioria, são de 1996. O projeto, que deu
origem a tudo isso, surgiu no início de 1995, quando elaborei um questionário
que foi distribuído às comissárias de voo das seguintes empresas aéreas
brasileiras: Varig, Vasp, Transbrasil e Rio-Sul. Essas empresas não existem
mais e as comissárias que participam com suas histórias de vida, nas páginas
deste livro, estão todas aposentadas. Naquela época, o número de comissárias em
atividade, por empresa, era: Varig–1750, Vasp – 500, Transbrasil – 370, Rio-Sul
– 300.
O questionário serviria como subsídio para a elaboração deste trabalho
que visava mostrar a realidade da nossa profissão, interessante e charmosa, mas
também desgastante e penosa. A última pergunta era um convite para uma
entrevista pessoal. Dos quase 3.000 questionários distribuídos, o retorno foi
em torno de 10% e metade das comissárias que responderam à pesquisa aceitou
participar com uma entrevista pessoal. Tinham muito a dizer. Infelizmente, por
falta de tempo, não pude entrevistar todas elas. Neste livro estão registradas
apenas 18 histórias. Optei pelo registro das histórias das comissárias mais
antigas, aquelas que foram admitidas nos anos 60 e início dos anos 70. Por
falta de espaço, aquelas que entraram para o voo depois dessas datas ficaram
para um próximo livro...
A profissão surgiu no início do século passado e o trabalho foi se
adequando às mudanças constantes nos meios de transportes aéreos. De seus
primeiros adeptos, exigia-se pioneirismo, desprendimento e espírito de
aventura. Nas últimas décadas, exige-se dos tripulantes um desprendimento ainda
maior e espírito de sacrifício. Isto porque a lei que regulamenta a profissão
não acompanhou o dinamismo e a complexidade da aviação moderna. Não concede aos
tripulantes os avanços sociais obtidos por outros trabalhadores (que têm suas
profissões regidas pelo horário do dia civil) traduzidos num tempo maior de
folga, que lhes permite um convívio saudável com familiares e amigos e ainda um
tempo para estudos e lazer.
A dificuldade em administrar e conciliar a vida pessoal com a
profissional fica muito bem evidenciada no Resultado da Pesquisa, realizada em
1995 (a partir da página 71), especialmente quando se refere à “escala de voo”
(programação de trabalho que deve ser cumprida pelos tripulantes e que vai
muito além das horas máximas de voo que a regulamentação, em vigor,
estabelece).
Nas viagens aéreas, o exercício profissional dos tripulantes se
fundamenta em dois pilares: segurança e conforto daqueles que viajam. A
segurança envolve o próprio avião, os tripulantes, os passageiros, as bagagens.
O conforto envolve muitas outras questões ligadas aos fatores físicos e
emocionais, não apenas dos passageiros, mas também da tripulação. Os
tripulantes técnicos (pilotos, engenheiros de voo) zelam pela segurança da
aeronave e dos passageiros como um todo. Os tripulantes de cabine (comissários)
zelam pela segurança (procedimentos de emergência) e conforto de cada
passageiro dentro da aeronave.
Juventude, saúde, boa aparência,
boa postura, boa comunicação, boa educação, domínio de idiomas estrangeiros,
domínio emocional, sociabilidade, amabilidade e tantos outros requisitos são
exigidos pela empresa aérea quando quer contratar novos comissários.
Dificilmente ela encontra um jovem que reúna todas essas condições... Então, a
empresa contrata aqueles que melhor se saíram nos testes. E depois? Depois,
entra em jogo o lado humano: as expectativas, os sonhos e as histórias de cada
um. É sobre isso que trata este livro.
Inicio com um breve histórico, pois são poucos os que conhecem os
primórdios da profissão dos Comissários de Voo, que surgiu com a primeira
empresa de transportes aéreos (DELAG, fundada na Alemanha em 1909). Os
dirigíveis Zeppelin, antes dos aviões, é que transportavam os passageiros
pioneiros e acolheram os primeiros “aeromoços” para o atendimento a bordo. A
profissão iniciou-se na Europa, depois se estabeleceu na América do Norte, nos
anos 20 do século passado. No Brasil, nos anos 30, foi acolhida pela Varig,
empresa de aviação pioneira no país.
Não vou tratar das leis que hoje regulam a profissão. Apenas registro
que o trabalho dos aeromoços brasileiros foi regulamentado pelo Departamento de
Aeronáutica Civil em 1938, mas só em 1960 teve suas atribuições oficiais
definidas como parte da tripulação do voo. Nessa época, as “aeromoças” já
ocupavam, com destaque, o seu lugar nas aeronaves.
Na sequência, reservo um espaço para falar das mulheres pioneiras:
Ellen Church, a responsável pelo ingresso da mulher na profissão e pela
distinção do papel da aeromoça; Alice Editha Clausz, a jovem gaúcha que
construiu uma bela carreira na Varig, empresa que abraçou durante muitas
décadas, com amor e total dedicação. Também menciono alguns nomes de
comissárias mais antigas que tive a oportunidade e o prazer de conhecer nos meus
primeiros anos de aviação.
Registro o depoimento de pessoas da aviação ou relacionadas com os
profissionais do voo. De forma sucinta, cada uma nos oferece a sua visão do
trabalho e da vida dos Comissários de Voo – com ênfase no papel da mulher que
voa em busca da sua independência e felicidade, enquanto é útil à sociedade. As
entrevistas com um comandante e com mulheres de pilotos nos situa na delicada
relação triangular, que a vida profissional da Comissária de Voo pode suscitar
nos caminhos e descaminhos de seu trabalho – também fonte de sonhos, ilusões e
solidão.
Apresento o resultado da pesquisa realizada em 1995: um painel colorido
que nos mostra, de forma resumida, o perfil, o pensamento e o sentimento das
profissionais que já viviam o reflexo da crise que se abatia sobre a aviação
brasileira. Esse quadro apenas se acentuou com o passar do tempo. Por isso,
acredito que as informações contidas neste livro podem nos ajudar a ver, com
mais clareza, o drama vivido pelos profissionais da aviação brasileira, que se
reflete, inclusive, nos dias de hoje.
Finalmente, chegamos às histórias de vida das Comissárias de Voo,
protagonistas deste mundo ainda misterioso das viagens que libertam e
aprisionam, simultaneamente. Em busca da realização pessoal, elas procuram
conciliar situações e interesses quase inconciliáveis: ser comissária de voo e
ser mãe. Em suas jornadas, entre a terra e o céu, num tempo que voa na
velocidade dos jatos, elas voam em busca da satisfação de seus anseios, da
realização de seus sonhos e da felicidade possível!
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