Alice Klausz
Uma história exemplar
Alice Klausz começou a trabalhar
na Varig em 1954, aos 26 anos. Ela fez parte da primeira turma de aeromoças
contratada pela empresa para trabalhar no Super Constellation, avião
recém-comprado para operar nas linhas internacionais.
Alice Editha Klausz nasceu em
1928, em Porto Alegre. Era descendente de húngaros, por parte do pai, e
alemães, por parte da mãe. Até os nove anos ela só falava alemão. Formada em
Biblioteconomia, começou a trabalhar aos 17 anos, no Departamento Autônomo de
Estradas de Rodagem (DAER) do Rio Grande do Sul, onde participou da organização
da biblioteca dessa instituição e também trabalhou na formação das primeiras
bibliotecas circulantes do SESI e do SESC.
Como muitas outras jovens, Alice
Klausz tomou conhecimento da seleção de candidatas ao trabalho de aeromoça
através de um anúncio. A empresa aérea procurava jovens do sexo feminino que
tivessem fluência em idiomas estrangeiros para trabalhar nas rotas
internacionais. Ela era estudante de Direito e decidiu interromper os estudos
(concluídos na década de 70) para entrar na aviação.
Fez sua inscrição e
passou por todos os procedimentos de seleção; familiarizou-se com as atividades
que iria realizar no despacho de passageiros e a bordo dos DC-3 e C-46, que
eram os aviões operados pela empresa naquela época. Apenas no ano seguinte,
começou a trabalhar no Super Constellation.
A experiência de Alice Klausz como bibliotecária foi muito
útil na nova empresa. Desde o início de suas atividades na aviação, ela chamou
a atenção dos colegas pelas anotações que fazia sobre os procedimentos e a
sequência do serviço relacionados ao atendimento dos passageiros. O próprio
presidente da empresa, Sr. Rubem Berta, solicitou-lhe a elaboração do primeiro
Manual para Comissárias e Balconistas, um trabalho que ela realizou com muita
competência e que lhe rendeu merecidos elogios.
Depois, Alice Klausz foi enviada à Europa para fazer
estágios em centros de formação de comissários e, antes de voltar ao Brasil,
fez uma viagem ao redor do mundo, na companhia da Chefe das Comissárias da
Swissair. Ao retornar ao país, ajudou a montar os cursos de treinamento e a
Escola de Comissários da Varig. Sua história de vida sempre esteve relacionada
à história da empresa.
O voo inaugural para Nova York, com o Super G
Constellation, em 1955, marcou o início das operações da Varig para os Estados
Unidos. Iniciado no Rio de Janeiro – com escalas em Belém, Port of Spain,
capital de Trinidad e Tobago, em Ciudad Trujillo, hoje Santo Domingo, capital
da República Dominicana – o voo foi realizado em julho de 1955 e teve a duração
de 21 horas.
Conforme publicado no folheto Smiles no ar
(julho-agosto de 1997), em uma entrevista concedida em 1989, ano de sua
aposentadoria, Alice Klausz relembrou fatos pitorescos daquele histórico voo:
O serviço de bordo que o Sr.
Rubem Berta idealizou não era para um avião, mas para um transatlântico, tal a
sua opulência e requinte. Afinal, ele convidara o Barão von Stuckart, dono do
lendário night club Vogue, no Rio, para criar os cardápios internacionais.
Junto com o aristocrata e auxiliares do calibre de Berenzanski, ex-chef de
cuisine do Tzar da Rússia, embarcamos numa inédita aventura de gastronomia
aérea.
A bordo, os 80 convidados tiveram
direito a um serviço imperial: caviar, foie gras, canapés frios e quentes
montados em bandejas de prata e até faisão. Bebidas! Tudo que um bar – não um
avião – deveria ter: oito variedades de uísque, conhaques raros, champanhes de
adegas especiais e drinques preparados à la carte pelo barman.
O que ninguém
suspeitava é que na minúscula cozinha do avião pulávamos por sobre caixas de
porcelanas, cristais, talheres, provisões... E que ao aterrissar, cabia a nós,
exaustos comissários, a tarefa de limpar o avião, desfazer os beliches, lavar e
embalar pratos, copos e talheres. Ah, o lixo! Onde colocar tanto refugo?
A solução apresentada por
Berenzanski - escoar as sobras por um buraco aberto no piso – provocou uma ira
divina no Sr. Rubem Berta. Ele também quase foi à loucura com outro entusiasmo
gastronômico: Berenzanski queria atravessar o corredor do avião flambando um
suntuoso fettutini! Claro que a extravagância nunca foi ao ar, mas dá bem a
dimensão do nível de exigências que caracterizariam as viagens internacionais
da Varig.
A partir dessa experiência sui
generis, o serviço de bordo ganhou eficiência e luxos que conquistaram o
reconhecimento de concorrentes e passageiros. A Varig inaugurava uma nova era
na arte de voar...
Em meados da década de 60, a
Varig incorporou a Real Aerovias e também recebeu do governo a incumbência de
substituir a Panair do Brasil nas linhas para a Europa, África e Ásia. Foi um
momento importante e de grande expansão da companhia aérea rio-grandense.
Quando a Administração da Varig
foi transferida para o Rio de Janeiro, Alice Klausz ficou encarregada de
fiscalizar os hotéis da Rede Tropical que faziam parte da Real Aerovias. E
quando a Varig assumiu as operações da Panair do Brasil, ela foi designada, pelo
próprio Rubem Berta, para acompanhar e organizar os despachos da empresa na
Europa. Mas isso acabou não acontecendo, em função de um problema de saúde que
a afastou do trabalho por algum tempo. Problema detectado justamente nos exames
que fez antes de ir para a Europa.
Ao retornar para a empresa, Alice Klausz encontrou na
presidência o Sr. Erik de Carvalho, antes vice-presidente, substituindo o Sr.
Rubem Berta que havia falecido. O grande empresário brasileiro, Rubem Berta,
faleceu aos 59 anos, vítima de um infarto, em 1966. Foi um momento de comoção
dentro da empresa e na sociedade, pois ele era uma personalidade de destaque no
cenário nacional e muito estimado por todos os seus funcionários, amigos e
conhecidos.
Em 1967, Alice Klausz foi convocada pelo novo presidente
para reorganizar e dirigir a Escola de Comissários no Rio de Janeiro. Durante
22 anos, dedicou-se à formação exemplar daqueles que representariam a empresa
dentro dos aviões da Varig, nas rotas nacionais e internacionais, atuando em
consonância com a Diretoria do Serviço de Bordo, cujo diretor era o Sr. Sérgio
Prates. “Dona Alice”, como era conhecida, aposentou-se aos 60 anos.
Em uma entrevista
para o Jetsite.com, em 2009, ela falou de sua metodologia como Diretora
de Ensino na Escola de Comissários:
Ser exigente não era um capricho.
Era um método. Melhor que nós reparássemos em cada detalhe, pois é isso que o
passageiro faz. Então, melhor que nós corrigíssemos tudo ou quase tudo antes
que os passageiros o fizessem. Eu lhe digo: só assim é que a Varig poderia
competir contra as gigantes Air France, Lufthansa, Panam.
Sendo uma pessoa muito ativa, no mesmo ano de sua
aposentadoria, Alice Klausz já estava pronta para novas aventuras aéreas. Ao
tomar conhecimento do Proantar (um programa de pesquisa científica realizado
pelo Brasil no continente gelado da Antártica, no qual a Varig colaborava
fornecendo lanches para a tripulação), ela manifestou interesse em participar
de uma daquelas viagens. Alguns meses depois, com muita emoção, recebeu o
convite e o aceitou prontamente. Sobre sua primeira viagem no Proantar, ela
relembra:
No dia do voo, apresentei-me no
Correio Aéreo Nacional e embarquei no Hércules C-130, assim como embarquei
também em uma nova e emocionante etapa da minha vida. Ao chegar à Base Chilena
Eduardo Frei, nosso ponto de aterrissagem na Antártica, não me contive de tanta
emoção: todo aquele branco lindo, um cenário que não cabe em palavras para ser
descrito!
Experiente e observadora, já na
primeira viagem que fez no Hércules C-130, Alice Klausz percebeu que o
lanchinho frio servido aos passageiros e à tripulação deixava muito a desejar.
Não havia forno a bordo para aquecer os lanches, nem outras coisas que ela
considerava necessárias para um bom atendimento. Decidida a resolver aquela
situação, ela usou seu prestígio e conseguiu junto ao presidente da Varig a
autorização para melhorar a qualidade do serviço de refeições oferecido aos
passageiros do Proantar, sem custos extras. Também conseguiu, depois de muito esforço,
alguns equipamentos para a galley (espécie de cozinha do avião), incluindo o
forno para aquecer a comida. Sem receber qualquer remuneração, ela passou a
fazer parte da tripulação, como comissária voluntária.
Durante
20 anos de viagens na rota do Polo Sul (1989 até 2009), ela foi a responsável
pelo serviço de bordo e atendimento nos voos, com a ajuda de alguns rapazes da
Marinha e da FAB. Foram mais de 160 voos servindo tripulantes, pesquisadores,
militares, políticos e civis, sempre com a preocupação de lhes proporcionar um
bom atendimento. Durante os voos, ela preferia beber apenas água e deixava para
fazer suas refeições nos aeroportos ou cidades de pernoite (Pelotas, no Rio
Grande do Sul e Punta Arenas, no Chile). Despesas que, nos primeiros anos, ela
pagava com seu salário de aposentada. Depois, a Marinha assumiu esses custos.
O Programa Antártico Brasileiro,
criado em 1983, é coordenado pela Marinha do Brasil e conta com o apoio da FAB
(Força Aérea Brasileira). O Esquadrão da FAB, que opera um Hércules C-130
(avião de carga adaptado para transportar passageiros), transporta
pesquisadores, equipamentos, alimentos e militares para guarnecer a Estação
Brasileira Comandante Ferraz. Os pousos são realizados na Base Aérea chilena
Eduardo Frei Montalva.
Em 2008, a FAB comemorou 25 anos
de apoio à pesquisa científica do país e operação na Antártica. Na ocasião, a
primeira tripulação que realizou o pouso no continente antártico foi
homenageada. A frota ganhou um adesivo com o selo comemorativo dos 25 anos,
pela história de abnegação e patriotismo. E Alice Klausz, a “Comissária do
Hércules”, recebeu uma placa de bronze por seu dedicado trabalho realizado em
mais de 140 voos no Hércules C-130.
Alice Klausz gostava de ostentar
as rosetas das medalhas que recebeu: Mérito Santos Dummont, Mérito Tamandaré,
Ordem do Mérito Aeronáutico e da Vitória. Também usava uma asa recebida da
aeronáutica e o pinguim de ouro recebido da Marinha, quando completou seu
centésimo voo. Em cada voo à Antártica, ela ganhava como lembrança um
pinguinzinho de metal em formato de broche. Todos eles foram pregados no boné
que ela guarda com carinho como lembrança de suas venturosas viagens, coroação
dos seus 55 anos de atividades na aviação.
Durante muitos anos, quando
trabalhava na Varig, Alice Klausz postergou o quanto pode sua transferência
para o Rio de Janeiro. Ela conseguia se deslocar com facilidade para os lugares
onde exercia suas atividades, como administradora dos hotéis da Rede Tropical
(Manaus, Bahia) e direção da Escola de Comissários (Rio de Janeiro). Mas sempre
que podia voltava para sua residência, em Porto Alegre.
A partir de 1980, Alice Klausz
fixou residência no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro. Fez de seu apartamento
um templo sagrado e lá guardou as lembranças que recolheu em suas viagens ao
redor do mundo: os troféus e medalhas que ganhou por merecimento, e tudo mais
que fazia parte de sua aventurosa e profícua existência.
Em uma entrevista concedida à
revista digital TPM, em 2008, Alice Klausz disse que usava o computador
depois da meia-noite porque não podia pagar banda larga... O que ela ganhava do
INSS mal dava para pagar o plano de saúde. E acrescentou: “Vendi o que podia e
aperto o cinto”.
Como todos os
funcionários aposentados da Varig, depois de 2006, foi deixando de receber a
sua aposentadoria suplementar do AERUS (Instituto de previdência complementar).
Para sobreviver, aos poucos, foi se desfazendo do patrimônio que construiu ao
longo de sua vida de trabalho.
Em 2009, em outra entrevista
concedida ao Jetsite.com, ao falar da saudosa Varig, Alice Klausz,
emocionada, disse:
A Varig foi a melhor universidade
que eu cursei e sei que falo por muita gente. Praticamente tudo o que aprendi
na vida foi na Varig. Ela não foi apenas uma universidade, foi uma verdadeira
mãe para todos nós. A companhia cuidava do bem-estar de seus funcionários, que
sabiam retribuir à altura. Foi um sonho, um sonho que se desmanchou.
Todos nós, que trabalhamos na Varig, antes da crise que se
instalou na empresa (na década de 90), vivemos esse sonho. Com muita tristeza,
ainda o acalentamos em nossas memórias.
Em 2010, aos 82 anos, Alice Klausz foi hospitalizada em
consequência de um derrame. Alguns meses depois, retornou a Porto Alegre para
morar junto de seus familiares. Apesar das viagens no Hércules C-130, que deram
tanto sentido à sua existência, seus últimos anos no Rio de Janeiro não foram
fáceis.
Neste ano de 2013 Alice Klausz comemorou seus 85 anos. Sua
história merece um livro inteiro, só assim poderemos conhecer melhor os sonhos,
as experiências e as realizações desta mulher brasileira, que se tornou um
exemplo e uma inspiração para todos aqueles que se dedicam à arte de bem
atender.
I COMCOV - 1976
Participação de Alice Klausz
O Primeiro Congresso Mundial de Comissárias e
Comissários de Voo foi realizado no Rio de Janeiro, em maio de 1976. Na
ocasião foi criada a IFFAA (International Federation of Flight Attendants
Association – Federação Internacional das Associações de Comissários de Voo).
Como Diretora da Escola de Comissários da Varig, Alice
Klausz participou do evento com uma palestra cujo tema foi Treinamento de
Comissários de Voo. Durante sua apresentação foram utilizadas projeções de
slides e gravações de voz. Transcrevo sua mensagem dirigida ao público presente
ao evento, por considerar interessante a maneira como ela própria via o
treinamento e o trabalho dos comissários naquela época:
Meus colegas,
É com grande prazer que participo
deste grande conclave que
reúne
os comissários de todo o mundo. É para mim uma grande honra poder dirigir-lhes
a palavra e falar-lhes a respeito de Treinamento, embora esteja consciente que
nas vossas Empresas existam pessoas mais capazes e que se desincumbiriam muito
melhor desta missão trazendo-lhes talvez algo de novo sobre o assunto.
[Uma fita é ligada e ouve-se o anúncio de bordo]
Quando este anúncio é feito a
bordo de um avião, podemos dizer que ninguém, ou quase ninguém sabe ou se
preocupa em saber o que foi necessário, em matéria de treinamento, para que um
comissário estivesse apto a fazer o anúncio, ou fazer com que a viagem do
passageiro se tornasse a mais agradável possível convencendo-o a voltar a
viajar na Empresa que representa o seu “pão nosso de cada dia”.
Sabem os passageiros que os
comissários que os atendem devem ter passado por um curso, por um treinamento,
mas saberão eles a extensão desse treinamento e da importância do mesmo? Sabem
eles que desse treinamento dependerá a vida deles em caso de emergência? Terão
eles a ideia de quantas matérias fazem parte do currículo de um curso de
treinamento para comissários? Não creio.
Como estou me dirigindo
justamente àqueles que já foram treinados, não vou tentar ensinar-lhes
técnicas, programas, aplicações, pois caso contrário teria que remontar a
Sócrates e sua escola. Teria que falar primeiro em Recrutamento, Seleção,
Política Empresarial etc. e passaríamos aqui o dia inteiro sem exaurir o tema.
Vou falar sobre o treinamento que
é dado aos comissários da VARIG que, de certa forma, é suis generis, e pelo
qual fui responsável em sua primeira fase. E da minha preocupação, diria
melhor, da preocupação de todos aqueles que são responsáveis pelo treinamento
de comissários e comissárias, pois atualmente não estamos preparando nossos
comissários para o que lhes é exigido a bordo pelas empresas.
O nosso
treinamento se divide em duas partes bem distintas: na primeira fase dedicamos
os nossos esforços para preparar os alunos para a obtenção da licença de voo,
junto ao Ministério da Aeronáutica, sem a qual nenhum brasileiro nato ou
naturalizado poderá desempenhar suas funções a bordo. Estão subordinados à
Diretoria do Ensino e seu curso tem a duração aproximada de seis a sete
semanas, sempre dependendo do número de alunos. Desta primeira fase as
seguintes matérias são relacionadas:
[Os nomes das
matérias são projetados em um painel]
Conhecimento de aeronaves,
Segurança de voo,
Uso de máscaras de oxigênio
Combate ao fogo
Sobrevivência na selva e no mar
Primeiros Socorros
Puericultura
Teoria de Voo
Tráfego Aéreo
Tráfego Comercial
Regulamento da Profissão
Obstetrícia
Medicina de Aviação
Relações Humanas
Exercício prático de acidente simulado
Introdução à Empresa
História da Aviação
Aparência pessoal
Etiqueta
Equipamentos
Após o exame no Departamento de
Aeronáutica Civil (DAC) e tendo sido o candidato aprovado, passa ele então para
a segunda fase e é transferido para a Diretoria do Serviço de Bordo que
complementa seus conhecimentos com mais as seguintes matérias:
Drinks
Gastronomia
Sequência de Serviço de bordo
Normas do serviço de bordo
Documentação
Relações sociais
Todas essas matérias projetadas
no painel são em geral as matérias abordadas em todas as escolas de
comissários. Vamos agora falar sobre o que julgamos ser diferente dos demais
centros de treinamento:
O nosso aluno
recebe da Empresa um uniforme e assiste às aulas impecavelmente uniformizado.
Se ele é proveniente de outra cidade ou Estado, é hospedado em hotel. Desde o
primeiro dia de aula, os nossos alunos são conscientizados para a sua futura
função. Dividimos os mesmos em grupos pequenos sob a supervisão de um deles,
como se já fossem comissários a bordo de uma aeronave. A cada um deles é dada
uma tarefa que, em síntese, representaria a tarefa que eles teriam a bordo. Desde
o momento em que começamos o curso, são os próprios alunos que se
responsabilizam pela supervisão da limpeza das salas de aula, pela abertura e
fechamento das mesmas, luz, etc.
O material didático é
providenciado com antecedência para que o professor, ao chegar à sala, já
encontre tudo pronto para iniciar a aula. A limpeza dos banheiros e todas as
irregularidades referentes a horários de professores e alunos são relatadas num
formulário especial para que se acostumem a fazer seus futuros relatórios de voo.
Na hora do “break” já aprendem a servir o cafezinho aos seus colegas, aos
professores e à administração da Escola.
No hotel, temos sempre um
responsável para providenciar junto à direção, as falhas que se apresentam
referentes às refeições, limpeza e ordem dos quartos. Disciplina e obediência
aos regulamentos da Empresa e do hotel são incutidos nos futuros comissários.
Procuramos, diariamente, antes do
início da primeira aula ou após o término da última, conversar pessoalmente com
os alunos para sentir seus problemas, suas preocupações. Incentivamos que
toquem violão, cantem ou usem toca-fitas ou toca-discos no intervalo do almoço.
Acreditamos que, por mais perfeitas que sejam as técnicas de treinamento, de
nada adiantam se ao aluno não for dada uma assistência pessoal, uma
demonstração de que ele não é simplesmente mais um número no computador da
Empresa, mas um ser humano cheio de problemas e preocupações que nós procuramos
solucionar, aliviar, compreender e ajudá-lo a superar.
As nossas instalações são as mais
modestas possíveis, principalmente agora, após a fusão de nossa Empresa com a
Cruzeiro do Sul, mas temos certeza de que o êxito de nosso treinamento sob
certo aspecto se deve ao alto grau de capacidade dos instrutores e à
preocupação que temos com o aluno como ser humano.
Uma vez terminada a nossa tarefa
e a da Diretoria do Serviço de Bordo, o novo comissário começa os seus voos,
ocasião então que, creio, começa a preocupação de todo aquele corpo de
instrutores que o acompanham naquele momento.
As aeronaves, a
cada dia que passa, levam um maior número de passageiros e o tempo de voo entre
uma escala e outra é cada vez mais reduzido. O serviço de bordo é cada vez mais
sofisticado e complexo, e as galleys não são adequadas funcionalmente para o
tipo de serviço que a Empresa quer oferecer e oferece aos seus passageiros.
Agora, gostaria que ouvissem o
que li na revista Passenger & Flight Service, num dos últimos números do
ano passado e que reflete fielmente o que acontece em muitas Companhias Aéreas.
É um artigo escrito por Miss Natalia Corich, que nos honra com a sua presença
neste Congresso.
[A seguir, é ligada uma fita com a gravação do relatório de
Miss Corich, sobre o trabalho incessante e corrido de uma comissária durante o
voo.]
Miss Corich teve a felicidade de
ver mudado o serviço de bordo de sua Empresa, dispondo agora de mais tempo para
os seus comissários se dedicarem aos passageiros. Pergunto eu, quantas
Empresas, entretanto, fazem ouvidos moucos aos relatórios de seus comissários,
idênticos ao de Miss Corich? Sabemos que são muitas.
Os nossos Centros de Treinamento
não estão aparelhados para preparar os seus alunos para estas maratonas como a
descrita no relatório que acabamos de ouvir. Enquanto continuarmos a receber,
em nossos centros de treinamento, seres humanos, não super-homens ou
super-mulheres, ou figuras da mitologia grega com mais de dois braços e duas
pernas, eu me permitiria fazer algumas sugestões que seria interessante fossem
levadas pelos Sindicatos de Classe às Empresas como reivindicações:
1) Simplificação dos Serviços de
Bordo, permitindo, assim, aos comissários um maior contato com os passageiros,
dando-lhes mais atenção. Os futuros comissários são selecionados principalmente
porque gostam de lidar com gente, porque são relações públicas natos. Pois bem,
será que ninguém se deu conta de que, atualmente, os comissários mal têm tempo
para dar BOM DIA, BOA NOITE ou ATÉ LOGO?
Onde está o tempo para acomodar uma criança para dormir, alcançar o travesseiro
e reclinar a poltrona de uma pessoa mais idosa, cobri-la com um cobertor? Tempo
para conversar com os passageiros mais nervosos? Onde está a oportunidade de
reconhecer um passageiro-problema logo no início do voo se os comissários nem
têm tempo de se sentar para a decolagem?
2) Exigir uma maior participação dos
comissários no planejamento das galleys para que as mesmas deixem de ser
simples depósito de material, sem funcionabilidade. Pedir aos fabricantes das
mesmas a construção de fechaduras que não se abram na primeira decolagem ou
aterrisagem trazendo uma grave ameaça à segurança pessoal do comissário. Que a
força de um levantador de peso não seja exigida para abrir uma gaveta de liquor-kit.
Por que os hot-cups e hot-jugse fornos queimam tão
frequentemente? Por que as lixeiras vazam com tanta facilidade?
3) Não transformar os corredores
dos aviões em passarelas de desfile de moda, exigindo dos comissários a troca
de uniforme várias vezes durante o voo. Tempo precioso se perde nessas
mudanças, além da exiguidade de espaço nos guarda-roupas que já são
insuficientes para os passageiros.
Seria bom lembrar às Empresas que
o passageiro viaja pela primeira vez em uma determinada Companhia aérea, graças
ao trabalho incansável de nossos colegas de terra, de todas as categorias, que
tudo fazem para lotar os aviões; mas se estes passageiros não receberem a
devida atenção e consideração a bordo nunca mais voltarão a voar nessa
Companhia. É para atender bem os passageiros, é para a sua segurança que os
centros de Treinamento preparam os alunos comissários.
Finalizando a nossa palestra, eu
diria que, se estas reivindicações sugeridas não forem atendidas, não vamos nos
admirar se os nossos comissários continuarem, após algum tempo de voo, a ser
candidatos a clínicas psiquiátricas e pacientes de ortopedistas. E nós, dos
Centros de Treinamento, continuaremos de mãos e pés atados sem nada poder
fazer.
Muito obrigada
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