sexta-feira, 20 de junho de 2014

Juju

Juju*

Meus pais são brasileiros. Minha mãe nasceu em Mato Grosso e meu pai no Rio Grande do Sul. Eles casaram e tiveram quatro filhos, dois rapazes e duas moças. Os meus irmãos tinham um ano de diferença entre eles. Eu fui temporã, sou oito anos mais nova que a minha irmã. Por isso fui muito mimada por todos, mas sempre fui amiga e muito ligada à minha mãe. Eu também nasci em Mato Grosso. Fui para o Rio Grande do Sul com quatro anos de idade. Nós vivíamos em uma fazenda.
Infância e adolescência
Dos seis aos 12 anos fiquei interna em um colégio de freiras. Quando saía do internato para passar as férias na fazenda eu ficava grudada na minha mãe e fazia tudo o que ela fazia. Se ela costurava eu costurava, se ela cozinhava eu cozinhava. Saí do internato quando minha mãe mudou conosco para Porto Alegre. Foi meu pai que induziu minha mãe a ir morar com os filhos em Porto Alegre. Ele permaneceu na fazenda. Meu irmão mais velho era piloto e nós fomos viver com ele.
Continuei meus estudos, mas naquele mesmo ano conheci um rapaz com quem mais tarde me casei. Apesar de só ter 12 anos, eu era bem desenvolvida fisicamente e comecei a namorar contra a vontade do meu irmão. Ele passou a desempenhar o papel de pai, já que o meu pai ia nos visitar muito pouco. Três anos depois meu pai se separou definitivamente da minha mãe. Foi um choque para todos nós.
Meu pai quis ficar livre, pois tinha se envolvido com outra pessoa, mas não tinha coragem de se separar da minha mãe. Foi por isso que ele a induziu a ir morar em Porto Alegre com os filhos. Meu irmão mais velho, muito amigo do meu pai, sentindo que a situação não estava boa, o ajudou e nos assumiu.
Minha mãe estava fazendo doces e esperando que ele chegasse para comemorar o aniversário dele, mas ele não apareceu nunca mais. Ele se envolveu com uma amiga de minha mãe. Eu sofri muito, mas superei. A partir daí, cortei o meu pai da minha vida e fiquei ainda mais ligada à minha mãe.
Passei minha infância comendo frutas, subindo em árvores, mas sempre muito comportada.  Minha mãe sempre dizia que minha irmã era um foguete e que eu era muito calma. No início, quando fui para o internato chorei muito. Mas como minha irmã também estava internada no mesmo colégio fui me acostumando. Ficava muito no colo das freiras e elas eram muito boas comigo. O internato ficava em Santa Maria e lá estudavam as meninas que moravam nas fazendas. A cidade mais próxima de onde morávamos ficava distante uma hora de carro. Santa Maria ficava a duas horas de distância.
Até hoje eu me surpreendo querendo comprar a mesma mobília, os mesmos talheres que a gente tinha lá na fazenda. Vejo que tenho muita saudade daquela época. Andava muito a cavalo e também era muito companheira do meu pai. Ele ia muito para rodeios e eu o acompanhava. A gente saia de madrugada e eu também usava bombacha. Meu pai me chamava carinhosamente de “guri”.
Casamento, maternidade
Quando meu pai se separou da minha mãe, eu quis terminar o namoro, mas meu namorado não aceitou. Então continuamos juntos. Ele foi meu primeiro e único namorado. Foram sete anos de namoro. Casei-me aos 19 anos. Um ano antes do casamento, novamente eu tentei romper o relacionamento. Achava que estávamos apenas acostumados um com o outro. Mas ele insistiu tantas vezes que cedi e acabei me casando. Nosso casamento durou apenas dois anos e nesse período nasceram as nossas duas filhas. A separação só aconteceu no quarto ano.
Casei-me com a intenção de ter uma filha, mas quando ela nasceu nosso relacionamento estava tumultuado porque ele já tinha outra mulher. Ela era apenas um ano mais nova do que eu, mas era mais experiente. Eu casei e me dediquei ao lar. Fiz cursos de bordado e cheguei a dar aulas de bordados com pedrarias. Era com essas aulas que ganhava o dinheiro do sustento da casa porque meu marido não parava no emprego.  Meu irmão sabia que a minha situação não era boa e me chamou para voltar a morar com ele e a família dele. Disse que ajudaria a cuidar da minha filha, mas não aceitei. Também poderia ficar na casa dos meus sogros, mas não era isso que eu queria. Então, depois de um momento de reconciliação, nasceu a segunda filha. Coisas que acontecem na vida de um casal.
Soube que estava grávida no terceiro mês de gravidez. Saí do consultório médico sem saber o que fazer. Só me restou ir preparando o enxoval. Essa é a minha doce Valéria. No entanto, na época em que ela estava para nascer, cheguei a pedir para morrer porque só eu sabia que o meu casamento tinha fracassado. Foi horrível! Só depois é que minha mãe e minha família descobriram que o casamento não ia bem. Meu marido era muito bonito, mas era uma pessoa muito vazia e assim é até hoje. Minha mãe achava que era um ótimo casamento porque a família dele era muito boa. Mas ele, depois, ficou completamente alheio à vida de família e não assumiu responsabilidade alguma. Era com as minhas aulas de bordado que eu mantinha a casa.
Eu não tinha nenhuma experiência de vida. Fui criada com tudo. Até nos mudarmos para Porto Alegre, meu pai não nos deixava faltar nada. Estudei até o segundo ano do Clássico. Interrompi os estudos porque optei por me casar e ser dona de casa. Casei e tive que começar a viver com bastante economia. A minha sogra percebeu que eu estava usando quase sempre as mesmas roupas e isso nunca tinha acontecido antes de me casar. Mas, aos poucos, fui me adaptando. Só desisti quando vi que não dava mais.
Descobri, pessoalmente, que ele me traía.  Ele dizia que fazia serões e eu fui ao emprego dele, mas ele não estava. Queria ver com meus próprios olhos para tomar uma atitude.  Depois, fui ao advogado, que era amigo do meu marido e expliquei toda a situação. Eu não queria conselhos, queria a separação. Ele chamou meu marido e disse: “Como advogado e amigo de vocês, tenho que tentar uma reconciliação.” O advogado chegou a me dizer que meu marido estava à beira de um abismo. Respondi que não podia fazer nada, pois não queria cair junto e tinha duas filhas para criar.
Mudança para o Rio de Janeiro
Decidi ir embora. Fui para o Rio de Janeiro, para a casa da minha irmã. Não sabia o que fazer da minha vida. Meu marido chorou muito. Acompanhou-me até o aeroporto e disse: “Vou encarar a tua viagem como um passeio”.  Eu também chorava, com uma filha no colo e outra segurando pela mão. Chorava sabendo que não queria voltar. Estava com 23 anos e ele com 28.  Fui para a casa da minha irmã e, algum tempo depois, ele foi lá me procurar. Minha família me pressionava para voltar com ele, por causa das meninas. Mas eu não voltei. Então ele se mudou para o Rio de Janeiro, alugou um quitinete e arrumou um emprego. E ficou procurando um apartamento de dois quartos para irmos morar todos juntos. Nesse meio tempo,  concordei em voltar e ir morar com ele. Foi então que ele deu uma sumida.
Para complicar a situação, a minha irmã descobriu, através do rascunho de uma carta, que ele tinha outra mulher. Na carta, ele pedia para ela vir do Rio Grande do Sul para se encontrar com ele no Rio de Janeiro, pois estava morrendo de saudades. Também ficamos sabendo que a televisão que o meu irmão me deu, ele tinha dado à família dela. Eu tinha saído para visitar a tia dele e quando voltei a minha irmã não tinha coragem de me falar.  Finalmente me deu a carta para ler. Comecei a rir. Já não chorava mais. Só então a minha família percebeu que tipo de homem ele era. Para mim não era nenhuma surpresa. “E agora, o que mais vocês querem que eu  faça?” Não houve resposta.
Traição, separação
Naquela noite eu não dormi e chorei muito. Pedi a Deus para me iluminar, pois queria sair daquela situação. Passei a noite toda rezando e pedindo que Deus me mostrasse o caminho que devia seguir. Meu marido tinha comprado sapatos para as filhas, à prestação, e deixou o carnê de pagamento comigo. No dia seguinte, através do carnê, encontrei o endereço dele, em Copacabana.
Peguei a filha mais velha pela mão, peguei um táxi e fui até o prédio em que ele estava morando. Perguntei ao porteiro: “É aqui que mora um rapaz gaúcho?” Ele respondeu: “Ah, sim! A senhora é a esposa dele, não é? A outra chegou ontem”.  E me deixou entrar.
Depois de muito tocar a campainha ele abriu a porta. E, evidentemente, não estava sozinho. Eu disse a ela, que estava seminua: “Se o amor é tão lindo, como estou vendo, fique com ele pra ti. Só quero que ele pague a pensão para as filhas e me largue de vez!” Meu marido, agarrado na filha, só fazia chorar. Nesse mesmo dia fui falar com meu irmão. Ele era piloto e morava na Ilha do Governador. Sabia que meu marido voltaria a pedir para eu ficar com ele, mas eu não queria mais. Queria viver a minha vida e criar as minhas filhas. Felizmente recebi o apoio da minha família.
Emprego na aviação
Um dia, a minha irmã viu um anúncio para Comissários de Voo no jornal. Mostrou-me e disse: “Olha um emprego pra ti”. Nunca tinha pensado em entrar para a aviação, mas ela, que queria ter sido comissária, insistiu. Assim, fui me informar e soube que não podia me inscrever porque não tinha a certidão de desquite. Isso foi em 1969. Eu já sabia que mulher casada não podia entrar para o voo, pois meu irmão e meu cunhado eram pilotos e tinham avisado. Mas fui apresentada ao Diretor do Serviço de Bordo por um comandante, amigo deles. O Diretor repetiu que sem a certidão de desquite eu não poderia entrar.
Meu irmão pagou o desquite e o advogado foi muito hábil porque, apesar das dificuldades, conseguiu uma separação amigável. Meu irmão não queria que eu entrasse para a aviação porque achava que eu não tinha estrutura. E, quando consentiu que entrasse, disse que eu não aguentaria seis meses. A minha maior preocupação era evitar fazer qualquer coisa que pudesse chateá-lo. Felizmente deu tudo certo.
Fui fazer os testes e era tão inibida que na ficha que preenchi na aeronáutica deixei algumas questões em branco. Elas diziam respeito à vida sexual. A pessoa que estava aplicando os testes me pediu para completar a ficha. Eu já tinha sido casada e mesmo assim morria de vergonha. O psicólogo não queria me deixar entrar de jeito nenhum. Eu disse que precisava do emprego. Ele me chamou para uma segunda entrevista. Perguntei se era porque eu tinha duas filhas pequenas. Ele respondeu que não e acrescentou: “É porque a aviação é para você, mas você não é para a aviação”. Explicou que era por causa da minha história de vida, eu tinha sido mimada, nunca tinha trabalhado até me casar. Ele achava que eu não tinha vivência suficiente para trabalhar no voo. Então eu falei: “Eu sei que fui criada de maneira diferente, mas deixe-me tentar, eu preciso deste emprego”. Eu queria me tornar independente do meu irmão e criar minhas filhas. Meu irmão já estava casado e tinha sua própria família para sustentar.
Fui admitida em fevereiro de 1970, aos 24 anos. Eu morava na Ilha do Governador com minha família. A gerente do Ensino da Varig, Dona Alice Clausz, me deu autorização para ficar hospedada no hotel, junto com os outros candidatos de fora do Rio de Janeiro, dizendo que não toleraria atraso às aulas, nem de cinco nem de um minuto. Então eu fui falar com ela. Expliquei a minha situação e acabamos chorando juntas quando eu disse que tinha me desquitado e tinha duas filhas pequenas. Disse a ela: “Como posso ficar longe delas à noite se elas já passam o dia todo sem ver?”.
Durante o curso eu era completamente à parte do grupo. Para mim a aviação era apenas trabalho. Nunca fui deslumbrada. Eles faziam festas, mas eu não ia. E ninguém sabia da minha situação, pois naquela época as comissárias não podiam nem casar. Só quando comecei a voar é que falei das minhas filhas. Depois do curso, toda a turma iria para a Base de São Paulo, exceto aqueles que tirassem os dois primeiros lugares no curso. Eu me esforcei muito, mas como já estava há muitos anos sem estudar, só consegui tirar o terceiro lugar. Fui falar com o Diretor do Serviço de Bordo e pedir que me deixasse na Base Rio, mas ele respondeu: “Você não sabia quais eram as regras?”
Fui morar numa pensão em São Paulo, com duas colegas. A dona da casa era um amor, mas eu me senti muito mal nos primeiros dias longe de minhas filhas. Antes de fazer meu primeiro voo fui visitar a mãe de uma conhecida que tinha se acidentado. E enquanto eles trocavam o curativo eu desmaiei. Eu não podia ver sangue. Ao cair,  me machuquei e acabei não fazendo o meu primeiro voo, que era para Porto Alegre. Senti-me arrasada! Fiquei apenas dois meses em São Paulo. Quando a chefe da base soube que eu tinha duas filhas pequenas, me mandou de volta para o Rio de Janeiro.
Nesses dois meses, sempre que tinha uma folga maior eu ia de ônibus até o Rio ver minhas filhas. Minha família me ajudou muito no início e eu me agarrei ao emprego com unhas e dentes. Fiquei na casa da minha irmã, com minhas filhinhas e meu irmão foi um pai para mim. Mais tarde ele me ajudou a comprar um apartamento. A metade do valor ele deu para as minhas filhas e a outra metade eu fiquei de pagar quando pudesse. Quando já estava voando nas linhas internacionais, fiz um empréstimo no banco e pude pagar a parte que lhe devia.
Primeiros voos
Meus primeiros voos foram de Avro e Electra. Comecei na ponte aérea. Era muito tímida e tremi muito quando servi a primeira bandeja de suco diante daquela plateia toda. Procurava parecer natural e eles achavam que eu já era antiga na profissão. Também tinha muita vergonha de atender a cabine de comando. Era falta de hábito porque nunca tinha trabalhado fora antes.  Tremi muito, mas gostava do que fazia e me dava bem com todos. Também tinha muito medo de que os passageiros pudessem escrever carta de reclamação. Na primeira vez que fui chamada na Chefia levei um susto. Pensei que alguém tinha me reportado, mas eles queriam apenas me convidar para ser instrutora no B-727. Como instrutora, fiquei voando no mesmo equipamento durante dois anos.
Com relação aos colegas, no início eu me chocava com algumas coisas. Depois do curso, antes de começar a voar, meu irmão veio falar comigo e disse: “Não se esqueça do que vou te dizer agora: convite para jantar, depois tem a sobremesa”. Nunca esqueci e fiquei com pavor de receber convites para jantar. No meu primeiro voo com pernoite, fui jantar com um colega comissário. Quando o comandante ligou para me convidar para o jantar, eu agradeci: “Obrigada comandante, mas já combinei com meu colega.” Fui jantar na beira da praia, lá em Fortaleza, e a primeira pergunta que meu colega me fez foi: “O que você acha do homossexualismo?” Aquilo foi um balde de água fria na minha cabeça, pois eu não convivia com esse tipo de coisa. Depois fui me adaptando. Deixava de lado o que não me interessava e procurava respeitar as outras pessoas. Sem puritanismos, pois cada um vive como quer.
Equipamentos, promoções
No Boeinguinho (B-727) éramos como uma família; trabalhamos com tripulação fixa. No B-707, fiz poucos voos. A chegada do DC-10 foi um espetáculo! Foi a melhor fase. Os primeiros voos de B-747 foram para Manaus e México. Para nós tudo era festa! Meu primeiro voo, para Miami, foi ótimo, com Pio, Terezinha, Ivonice e outros colegas maravilhosos. A Terezinha sempre foi minha instrutora.
Fiquei pouco tempo no B-707. Em 1974, com a chegada dos DC-10, fui promovida para as linhas internacionais e fiquei trabalhando nessa aeronave. Naquele mesmo ano, quando chegaram mais aviões, fui pegar a minha escala de voo e soube que tinha sido promovida à Primeira Comissária. Nos primeiros voos, quando ia assinar a folha de apresentação, eu tremia muito. Ia trabalhar com colegas mais velhas que eram minhas auxiliares.
Pouco tempo depois nós tivemos um jantar de confraternização em Nova York. Eu tinha menos de cinco anos de voo, já era a Primeira Comissária e usava uniforme diferente das outras. Na tripulação tinha uma colega, minha auxiliar, que tinha 18 anos de voo. Naquela época eram os Chefes de Equipe que indicavam as auxiliares para a função de Primeiras Comissárias. E eram os Chefes de Cabine, hoje Supervisores de Cabine, que indicavam os colegas para o cargo de Chefe de Equipe. Eu sempre procurei fazer tudo da melhor maneira possível.
Na minha época também foram promovidas a Jô, a Stela, a Nilde e a Eliza. Elas eram mais novas, pois naquela época ainda não existia o quadro de acesso. Depois, com as mudanças, eu nunca mais fui promovida. Fiquei quase 20 anos como supervisora. Só há dois anos fui promovida a Chefe de Equipe. Nessa época eu já estava sem empolgação. Também já estava na fase regressiva porque de uns tempos para cá eu perdi a vontade de voar.
Trabalho na chefia, solidão e problemas pessoais dos colegas
Também trabalhei em terra, na chefia, e compreendi que não dou para isso. Voltava para casa todas as noites bastante cansada. Havia muita falta de comunicação de um setor para o outro na empresa. Era difícil trabalhar. O grupo tem muitos problemas, principalmente pessoais, ligados à solidão e carência afetiva. Muita gente sem ninguém para recorrer nos momentos difíceis. Problemas de relacionamento, pessoas se envolvendo com pessoas erradas, sem saber como segurar a barra. Às vezes, eu ficava até mais de duas horas ouvindo desabafos. Todos os problemas começavam na solidão, na falta de estrutura emocional. Tem gente não tão nova, mas ainda imatura e perdida. E colegas que não têm com quem deixar os filhos. 
Qual a experiência que nós temos para lidar com esses problemas? O jeito era encaminhar para o serviço médico da empresa. Eu sofria  junto com meus colegas. Até o telefone da minha casa não parava de tocar. Nós vivemos no meio de tantas pessoas e, no entanto, existem muitos problemas de solidão. Vivemos no meio de muita gente e vivemos só. As pessoas se procuram e os grupinhos vão se formando. Sempre tive pessoas para conversar e elas nunca me levaram a fazer o que eu não queria. Nunca experimentei drogas, nunca senti essa necessidade. E peço a Deus que minhas filhas não tenham essa necessidade. Nunca vieram me convidar para esse tipo de coisa, sabem que não sou disso. Sempre soube aonde ir e com quem ir. 
A empresa ainda não tem a devida assistência direcionada para o tripulante. Muitos vivem na irrealidade. Eu sempre tive os meus pés no chão, mas tem gente aqui dentro que passa a vida sonhando. Fazem castelos de areia , não têm nenhuma estrutura para enfrentar a realidade. E não se abrem com os outros. Fora da chefia muita gente já se abriu comigo, cada um com cada problemão! No que posso eu dou atenção. As pessoas me dizem que passo muita segurança, que passo muita tranquilidade, mas não estão sabendo que dentro de mim, muitas vezes, meu coração também está apertado.
Viagens, shoppings
Estar aqui ou ali, para nós tudo passa a ser tão natural! Acho difícil dizer qual o lugar de que gosto mais, pois aprecio todos os lugares. Não sou deslumbrada, mas cada lugar tem coisas de que gosto. O que mais me atrai são os shoppings. No início eu gostava muito de fazer compras em Nova York. Mas em todo lugar há coisas interessantes para ver e comprar. Hoje em dia, eu faço mais movimento do que compras. Na Alemanha e em Amsterdam, gosto muito de comprar coisas para casa. Dia desses, era domingo... A gente saiu de um museu e entrou num shopping. É só estar aberto que eu entro. É quase uma compulsão. Tranquilamente eu troco a visita de um museu pela visita a um shopping.
Já fiz muitos passeios. Antigamente nós tínhamos mais tempo para passear nos pernoites. Mas nunca fui muito deslumbrada, sempre tive os pés no chão. Meu marido demorou oito anos para viajar comigo. Ele tinha pavor de viajar de avião. A primeira viagem foi quase à força. Hoje ele adora e viaja comigo sempre que pode. 
Problemas com passageiros
Tive apenas um, com uma passageira de um voo nacional que tinha muito medo de viajar. Mesmo estando acompanhada do marido, eu tive que me sentar ao lado dela, de Fortaleza até Salvador, segurando sua mão, tão tensa que ficou durante a viagem.
Situações de emergência
Uma vez, tive uma situação muito séria. Nosso avião foi perdendo altura e quase chegou a estolar (cair). A minha reação até que foi tranquila. O Chefe de Equipe me chamou e também outro colega e nos comunicou o fato. Esse outro colega já tinha sofrido um sério acidente de avião. Como supervisora eu evitei falar a palavra emergência, mas pedi aos colegas que ficassem mais ou menos atentos e posicionados. Essa foi a experiência mais séria que tive, mas não houve pouso de emergência. Nunca tive medo porque meu irmão e meu cunhado se aposentaram na aviação e nunca tiveram qualquer problema de emergência. Acho o avião mais seguro que carro. Uma vez, num dia de chuva, estourou um pneu do meu carro, quando passei por uma poça d’água e fiquei sem o domínio da situação.
Baseamentos
Fui para o baseamento de Los Angeles porque meu irmão ficou viúvo e me pediu para ir lá por causa dos filhos. Foi um período muito difícil. Ele quis que morássemos todos juntos. E isso foi uma das poucas coisas que eu não consegui conciliar. Ele é uma pessoa espetacular, mas tive muito desgaste com suas filhas adolescentes. Mesmo assim, considero que o baseamento é uma experiência muito interessante e o aconselho a todos. Para quem tem filhos é ainda melhor, pois eles podem aprender muito bem outro idioma. O baseamento em Hong Kong também é muito válido, apesar de não recebermos muito dinheiro. No ano passado a minha filha mais nova adorou. E nesse ano eu vim por causa dela. Aqui em Hong Kong ela fica à vontade, pode sair a qualquer hora, sem receio de assalto. No Rio ela fica presa, tem motorista para ir a qualquer lugar, mas se sente sempre comandada.
Comunicação no estrangeiro
 Fiz um curso rápido de inglês. Arranho um pouco aqui e um pouco ali. Com o tempo começamos a entender um pouco de cada idioma. Não tenho problemas para me comunicar. Geralmente ando em grupo. Nunca tive muita motivação para estudar outros idiomas.
Pernoites
Gosto de sair nos pernoites. Não posso ficar muito tempo num quarto de hotel, mas há muitos colegas que não saem porque querem economizar a diária. Isso é terrível! Muitas vezes acabam bebendo mais do que deviam, não saem nem para comer. Tenho visto isso de uns tempos para cá, com os salários cada vez mais baixos.
Quando nós ainda ficávamos em duas no mesmo quarto do hotel, era um pouco complicado. Não para mim, porque quase sempre tinha colegas na minha tripulação com quem eu tinha afinidade. Mas, uma vez, fiz um voo para Roma e fiquei num quarto com uma colega que não gostava de sair e dormia o dia todo. À noite ela ficava lendo. E eu gostava de sair durante o dia e dormir à noite. Adormecia com ela conversando comigo. Isso não era problema para mim, mas é claro que gosto mais de ficar só, pois cada um tem seu jeito de ser e viver.
Vida profissional X vida familiar
Consegui conciliar a vida profissional com a familiar porque minha mãe ficou morando comigo e cuidando das minhas filhas. Saía para trabalhar despreocupada porque sabia que elas estavam bem. Apenas uma vez eu deixei de fazer um voo porque a minha filha mais velha estava com bronquite e eu passei a noite toda cuidando dela. Nada tenho a reclamar desse período todo.
Nos pernoites eu passeava, fazia compras. Quando chegava, não tinha colher de chá, assumia tudo. A minha filha mais velha dizia que sentia muito a minha ausência. A do meio sentia também. Era difícil me despedir delas.
Quando a minha terceira filha nasceu, a minha mãe já tinha falecido. Mas eu tinha o marido do lado, que me dava todo o apoio e também contava com a ajuda de uma babá. Eu já era bem mais experiente.
Ganhos na profissão
Eu nunca teria tido uma chance de emprego melhor, pois não tinha sequer terminado o segundo grau quando entrei para a aviação. Consegui minha independência e pude sustentar minhas filhas. Guardava as diárias para comprar presentes para elas, como forma de compensar as minhas ausências. Como já tinha o meu apartamento para morar não ficou tão difícil sustentar a família.
A aviação me proporcionou coisas boas e à minha família também. Tive e aproveitei boas oportunidades. A minha filha mais velha estudou fora do Brasil. Se colocarmos na ponta do lápis, é um ganho muito grande. Se não trabalhasse na aviação precisaria de muito dinheiro, ou de uma estrutura diferente para sustentar tudo isso. Aqui, as minhas filhas sempre foram bem tratadas, tanto que estão pensando em voar também. A minha filha do meio queria ser comissária. Trancou a faculdade de Direito e fez todos os testes. Passou em todos. Só que na época ela já era casada e engravidou. Estava com 23 anos e hoje está com 27.
Sempre gostei de tudo o que fiz na aviação e, se tivesse que voltar ao passado, escolheria a mesma profissão. Só que está acontecendo algo que nunca pensei que fosse acontecer: a aviação mudou muito e estou querendo parar de voar. Tenho vontade de parar e me dedicar à minha família.
Relacionamento amoroso
Vivi muito em função das minhas filhas. Tive alguns namoros na aviação, mas eles não deram certo, porque os namorados só pensavam em mim e não nas minhas filhas. Tive um grande amor fora da aviação. Esse pensava nas minhas filhas, mas, um dia, ele me contou que era casado. Só falou isso depois que eu estava apaixonada por ele. Quase morri de decepção. Eu o conheci num voo e foi o único passageiro com quem me envolvi. Ele foi o grande amor da minha vida. Ficamos juntos dois anos e a relação foi difícil. Um dia eu disse chorando: “Acabou, eu não aguento mais essa situação”. Seis meses depois ele voltou, já tinha se separado da mulher. Mas para mim estava tudo acabado, o vaso já tinha se quebrado.
Eu achava que nunca mais ia me casar. Acho que a vida a dois é muito complicada. Não no início. Não imaginava voltar a viver com alguém e quando vi já estava vivendo. É sempre uma tentativa e nessa tentativa nós fazemos alguns acordos. Sendo um da aviação e o outro não, isso não era problema para mim. Nunca vivi a neurose de ficar nos pernoites ligando para casa.
Quando minha mãe faleceu, eu não queria mais voltar para o voo. Não sabia o que fazer. Achava que ninguém mais poderia ficar cuidando das minhas filhas. A Valéria estava com 7 anos e a Patrícia ia fazer 12.  Foi um choque muito grande, mas tive a ajuda de minha irmã, que morava em Friburgo e que levou minhas filhas para morar uma temporada com ela. Tive que aceitar porque não tinha uma boa empregada para ficar com elas.
Naquela época, chegava do voo, trocava de roupa e ia de carro para Friburgo. Assim fiquei até conhecer meu atual marido. Ele surgiu na minha vida e foi me conquistando. Ele me incentivou a trazer as filhas elas. Com a ajuda dele, trouxe-as de volta, arrumei uma boa empregada e ele ficou desempenhando o papel de pai. Ele ia às reuniões de pais na escola quando eu não podia ir. Fazia a parte que antes a minha mãe fazia.
Filha caçula
A terceira filha nasceu sem planejamento. Hoje ela está com 15 anos. Mesmo sem planejar eu tinha certeza de que teria mais uma filha. A minha filha do meio já estava com 12 anos. Foi bom ter mais essa filha. Bom para mim, para meu marido e para as outras filhas. No início fiquei um pouco assustada, pois foi a primeira vez que me afastei do voo. E essa filha hoje é a minha companheira. Tem até conta conjunta comigo e quando chega o início do mês ela pergunta: “Quando sai o nosso salário?” Essa eu tenho quase certeza de que vai ser comissária.  Embora eu tente tirar essa ideia de sua cabeça, nunca vou proibir. Ela está estudando e se preparando para seguir em frente. Está até pensando em fazer o Instituto Rio Branco. Já tem inglês fluente, agora quer estudar alemão. Mas o engraçado é que todo mundo acha que ela deve ser comissária. Até o pai. E ela acha a profissão maravilhosa.
Três gerações de mulheres
Eu era muito ligada à minha mãe e senti muito a sua falta. Foi difícil ter que encarar a vida sem ela, mas aos poucos fui enfrentando a realidade. No final deu tudo certo. Minhas filhas se casaram e foi meu marido que as acompanhou até o altar. Foram elas que escolheram ir com ele. Consegui realizar o sonho de fazê-las estudar, se formar e casar. Agora sou avó, tenho três netas. Duas da minha filha mais velha e uma da minha filha do meio. Fui avó aos 41 anos. A primeira avó “voando”, pelo menos oficialmente.
Até eu entrar para o voo, as comissárias não podiam se casar e ter filhos. Eu já entrei com duas filhas pequenas. Fui avó cedo porque elas se casaram cedo. Foi uma coisa maravilhosa para mim. Sou muito família. Sinto falta das netas, mas é diferente porque já não tenho a responsabilidade de criá-las. Compro muitos presentes para elas, é até um exagero! A mais velha já viajou sozinha comigo. Adorou e por ela iria sempre. As outras duas eu ainda quero levar para viajar comigo antes de me aposentar.
Questões de saúde
Tenho boa saúde, mas tive um problema que foi diagnosticado como reação psicossomática. Comecei a inchar no rosto, nos lábios, nas pálpebras, como consequência de qualquer emoção mais forte que eu tivesse. Sou feita de emoção, me emociono com tudo.  No início procurei observar se era efeito de alguma maquiagem. Mas não era.
O biólogo que me tratou citou as razões: separei-me das filhas para voar, quer queira quer não, eu sentia muito, principalmente em determinadas datas, quando não podia estar com elas. A reação tinha que acontecer de uma maneira ou de outra. Essas manifestações aconteceram na época dos voos nacionais. Eu ficava procurando desculpas, achava que era a cidade de Brasília, a água etc. Com o passar do tempo o problema começou a se acentuar, principalmente no baseamento de Los Angeles. Foi horrível!
Os problemas se manifestaram porque me separei das filhas casadas e das netas, que tinham ficado no Brasil. Fiquei muito dividida e comecei a inchar como um bicho. O médico me receitou um remédio fortíssimo, mas não cheguei a faltar nos voos. Eu não sabia o que estava acontecendo comigo. Quando começava a inchar eu começava a chorar, tinha pavor de não cumprir a minha escala de voo e corria para o médico.
Uma vez tive que interromper um voo: nós estávamos em São Paulo e íamos para Copenhagen. Não pude ir. Nós pernoitamos em São Paulo e no dia seguinte tomei café com os colegas e saí para andar um pouco porque não gosto de ficar muito tempo dentro de quarto de hotel.  Quando voltei, eu estava inchada novamente. Fui correndo para a médica da empresa e ela não me deixou voar. Tive que voltar para o Rio de Janeiro. O pior para mim é ter que entregar a dispensa médica e justificar a falta. São essas coisas que vão me deixando cansada. Não pude fazer aquele voo e já comecei a ficar preocupada. Foi depois de tudo isso que conheci o biólogo que me curou com ervas.
Mudanças na empresa
A empresa era estável, hoje é instável. Isso gera instabilidade no ambiente de trabalho. Sinto que está tudo diferente. Antes as pessoas eram mais dedicadas. Comecei a me decepcionar quando percebi que tinha comissário que não sabia o nome do comandante da tripulação. Dos colegas eu até entendo, nós somos muitos. Mas do comandante?! As pessoas não se interessam mais. As coisas mudaram, nossos voos mudaram, começaram a ser pingados (muitas escalas) e nossa vida profissional se alterou completamente. Os voos ficaram mais cansativos e a nossa vida também.
Antes, nossos voos começavam no Rio de Janeiro e terminavam no Rio de Janeiro.  Hoje a gente pernoita em São Paulo para depois ir para outros lugares. O pessoal de São Paulo faz o inverso. A inauguração do aeroporto internacional de São Paulo começou a destruir a nossa vida profissional. Às vezes, levávamos seis dias para ir e voltar de um voo para Miami, sendo que dois dias passávamos em São Paulo. Também nunca fui de má vontade para um voo longo, mas tenho que reconhecer que tudo mudou para pior.
Da minha parte nunca me senti insegura, mas nos últimos tempos quem não se sente? Todo mundo! Essa desorganização toda faz a gente começar a ter vontade de ir embora. É assim que estou. É difícil chamar a atenção de um colega com o salário que se tem. Cansei de ouvir: “Eu não ganho para isso”.
As demissões que estão acontecendo nunca existiram antes. Eu custei a acreditar que isso fosse acontecer na nossa empresa. Quando comecei a ver os artigos nos jornais, os passageiros reclamando, o material perdendo a qualidade, diminuindo a quantidade, os problemas se repetindo, a gente fazendo relatórios e nenhuma resposta ou providência sendo tomada... percebi que a empresa estava em crise. Agora parece que estão querendo fazer alguma coisa. Só que já não fazemos mais relatórios a bordo, a não ser em casos de extrema necessidade... A quem se dirigir?
Imagem da Comissária
A profissão de Comissária de Voo, para mim, é um trabalho como outro qualquer. Surgiu na hora em que eu precisava e me adaptei muito bem. Dentro de um avião sempre me senti em casa. Fora da aviação, sempre nos tornamos o centro das atenções, mesmo que haja pessoas com outras profissões interessantes, como médicos, engenheiros... A curiosidade se volta para nós. O tripulante se torna o alvo, mas sempre procurei encarar tudo isso naturalmente. Sei que estou fora do padrão por causa do peso, mas não consigo emagrecer. Já fui a muitos médicos e desisti. Agora eu quero parar de voar.
Aposentadoria
Quero me aposentar ainda esse ano, se for possível, quando completar 52 anos em junho. Se vier a carta com incentivo à aposentadoria, em relação ao AERUS, eu saio com certeza. É mais uma vaga que fica. Acho que já vivi e fiz muita coisa na aviação. Não tenho mais nada a acrescentar. Tenho minha família, minhas netas, e quase não tenho tempo de curti-las. Tem uma casinha de boneca lá em casa, que era da Juliana e eu mandei reformar para elas. “Vó, é verdade que você vai mudar?” Elas ficam com medo por causa da casinha. Ainda quero, antes de me aposentar, viajar com todas elas. A Lívia tem quatro anos, a outra tem cinco e a mais velha tem 11 anos.
Aproveitei muita coisa boa na aviação e tenho um relacionamento muito bom com o pessoal. De vez em quando temos algumas decepções, mas isso faz parte da vida e existe em todos os lugares.  Acho que tudo foi válido. Sei que quando parar de voar vai chegar o dia em que vou sentir saudades. Mas também vou ter muita coisa boa para fazer fora da aviação.

Depoimento da filha caçula (15 anos):
Se tivesse que qualificar a minha vida, eu diria que ela é perfeita. Eu não sei se a profissão de comissária é ideal para uma mulher, mas sei que ser filha de comissária é uma situação ideal. Eu só vejo qualidades na profissão, só vejo coisas boas. O meu conhecimento do inglês que é fluente, devo ao baseamento da minha mãe em Los Angeles e isso aconteceu graças ao seu trabalho. As pessoas que conheço, por intermédio dela e das viagens que faço, abriram minha cabeça e meus horizontes. As culturas que pude conhecer e os lugares que visitei, tudo valeu a pena. Acho que na vida, tudo tem uma compensação. O fato de minha mãe ser comissária da Varig, sempre foi uma coisa muito boa. 
Em casa, eu a vejo muito caseira. Ela sempre gostou de cozinhar, de costurar, de arrumar as coisas e a casa. Gosta de fazer artesanato. Vejo que quando ela vai voar, quando põe o uniforme é como se estivesse tentando se disfarçar, mas eu a vejo sempre como minha mãe, aquela imagem da simplicidade, aquela carinha de caseira.  Apesar do uniforme, daquela farda que quer impor respeito, eu a vejo do mesmo jeito. Acho que é porque viajo desde pequena. Com 11 meses eu viajei com ela, quando fomos para os EUA buscar minha irmã mais velha que tinha ido morar e estudar lá num intercâmbio para jovens.
Nunca tive problema com a ausência de minha mãe. Ela só sai para trabalhar e eu não vejo nenhum problema. Conheço outras pessoas que acham que a mãe está ausente e por isso sentem falta. Eu nunca senti isso, talvez porque meu pai fosse sempre muito presente, e a ele também devo muitas coisas. Nunca achei que ela me deixou sozinha. Minhas irmãs casaram cedo, mas eu sempre tive babá.
Minha mãe volta cansada do trabalho, mas não deita logo, como fazem as outras comissárias que eu conheço. Ela vai desarrumar as malas, vai cozinhar, vai fazer churrasco. Só vai dormir quando está a fim de dormir. Às vezes, está muito cansada e vai deitar quando chega, mas não é sempre. Ela chega e quer saber das coisas que estão acontecendo com a gente.
Gosto muito quando minha mãe chega e gosto dos presentes que traz. Sempre trouxe muitos presentes para mim e minhas irmãs. Mas ela sempre deixou claro que tudo era proporcionado pela profissão dela e que nós não somos ricos. Minhas irmãs, que já se casaram, não são ricas e eu talvez até venha a ser. Se minha mãe não nos ensinasse isso talvez eu fosse a criança mais mimada deste mundo. Em todos os sentidos. No sentido material, antes mesmo de pedir eu já ganhava o que queria. Por exemplo: eu estudava piano e tinha um teclado. Um dia a professora falou que seria bom se eu tivesse um piano. Na semana seguinte o piano estava na sala lá em casa. Tudo o que eu preciso minha mãe me dá. Muito carinho, amor, diálogo, amizade. Eu tenho tudo, por isso não posso reclamar de nada.
Quando eu era pequena queria ser comissária. Agora não quero mais. Acho a profissão bonita, tem muitas coisas boas! Mas agora que minha mãe é chefe de equipe e eu sei que ela só pode chegar a esse ponto, acho triste trabalhar, trabalhar e trabalhar e não poder progredir mais na carreira. A profissão tem essa limitação. Quando eu chegar à idade que ela tem vou querer continuar crescendo, não quero parar. Quero ser Diplomata. É uma área valorizada e tem todas as coisas de que eu gosto: viajar, estar em contato com muitas pessoas. Quero fazer uma coisa de que eu goste e também ganhar dinheiro para continuar tendo todas essas coisas que tive até hoje. A minha mãe sempre fez tudo o que pôde para que eu fosse feliz e eu não quero jogar fora todo esse trabalho dela. Quero continuar sendo feliz. E vou ter que trabalhar para ganhar esse dinheiro. Minha mãe sempre disse que eu era uma filha rica de mãe pobre. Com certeza meu pai sempre participou de tudo isso. Ela não poderia fazer tudo isso para mim sem a ajuda dele. Ele sempre deu apoio em todos os sentidos.
Minha mãe sempre pensou que a Diplomacia seria uma carreira muito bonita para as suas filhas. Minhas irmãs são formadas, mas escolheram outras áreas. Eu acho que é isso mesmo o que eu quero. Vou ter que estudar outros idiomas e me esforçar muito. Agora vou estudar alemão, depois vou para a Faculdade de Direito e depois vou fazer o concurso para o Instituto Rio Branco.


*Juju (pseudônimo) estava com 51 anos e tinha 26 de voo quando concedeu esta entrevista no baseamento de Hong Kong (China), em 1996. Sua filha, que a acompanhava, deu seu depoimento na mesma ocasião.

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