Susy*
Nasci em 1942, no interior do Rio Grande do
Sul. Minha família é bem numerosa: somos 10 irmãos, seis mulheres e quatro
homens, sendo que uma irmã é adotiva. Até a minha adolescência, fui criada na
cidade de Rio Grande; depois morei em Porto Alegre. Por parte de pai, sou
descendente de ingleses. Por parte de mãe, sou descendente de portugueses. Tive
uma infância muito boa no interior. Os meus avós tinham uma chácara e lembro
bem da época de férias que passávamos com eles, onde tudo era muito saudável.
Hoje em dia, as pessoas estão voltando a valorizar a vida simples do interior.
Meu pai trabalhava no porto de Rio Grande e
sempre foi um lutador porque tinha uma grande família para sustentar. Lutou
muito para que os filhos pudessem estudar. Depois, eu, como irmã mais velha,
via Varig, é que continuei ajudando meus irmãos e consegui fazer com que a
maioria deles se formasse.
Minha mãe, apesar de não ter tido formação, era
uma mulher de muita visão. Ela se sacrificava muito para que pudéssemos
estudar. Também trabalhava e não admitia que os filhos parassem de estudar, nem
mesmo para trabalhar. Então, nós só começamos a trabalhar depois de completar o
segundo grau. No Sul, isso era um luxo naquela época. Depois do primeiro grau
os jovens já iam à luta. Mas ela achava que a gente tinha que estudar e
arranjar um bom trabalho. Também achava que o casamento era secundário.
Em linhas gerais, eu lembro que naquela época,
lá no Sul, quem estudava tinha perspectivas na vida. A minha família foi
privilegiada nesse sentido, na década de 60 e 70. Hoje em dia, o que vejo é um
clima totalmente sem perspectiva para o pessoal jovem, mesmo nos grandes
centros. As pessoas fazem faculdade e nada conseguem; precisam fazer
pós-graduação e mesmo assim são poucos os que encontram chance no mercado e
isso é preocupante.
Comecei a trabalhar com 17 anos em um Banco e
fiquei lá durante dois anos e pouco. Naquela época eram 6 horas de trabalho por
dia e eu estudava e trabalhava. Depois de terminar o curso normal, também
trabalhei como professora no Serviço Social de Menores.
Emprego na Varig, mudanças na família
Entrei para a
aviação porque uma amiga estava se candidatando e me incentivou a fazer parte
da primeira turma de aeromoças da Varig que ia para a base do Rio de Janeiro.
Eu ainda trabalhava no Banco e nem tinha ideia de como seria a profissão,
quando surgiu essa oportunidade de trabalhar na Varig. Mas a questão do salário
foi tentadora, pois eu iria ganhar bem mais do que ganhava naquela época. E havia também a questão do desafio.
Eu estava com 22 anos, cursava o segundo ano de
psicologia na PUC. Tranquei a matrícula e vim para a Varig. Quando viajamos
para o Rio de Janeiro, eu não tinha ideia nem expectativa em relação ao meu
trabalho. Para mim era uma oportunidade de vir para um grande centro e ter mais
oportunidades de crescimento. Naquela época foi uma boa opção profissional. Eu
ganhava bem e contribuía com praticamente a metade do orçamento familiar. Meu
pai pagava o estudo para os meus irmãos, mas as roupas e outras despesas eram por
minha conta.
Vim para o Rio de Janeiro em 1964. Vim e fui
trazendo muitos dos meus irmãos, que hoje estão muito bem encaminhados. Tenho
uma irmã que é professora na Universidade Santa Úrsula, outra que trabalha na
IBM e um irmão que é gerente de Banco. Se tivéssemos ficado no Sul, na época, a
perspectiva seria mais limitada e não sei se teríamos tido esse
desenvolvimento. Então, eu acho que houve uma ascensão social e profissional em
nossa família.
Também trouxe meus pais para morar no Rio de
Janeiro. Meu pai faleceu há três anos e a luta continua porque há as outras
gerações, há os sobrinhos que precisam se formar... Estou criando uma sobrinha
porque os pais dela faleceram. Então, o que eu sinto muito forte na minha vida
são esses valores familiares, essa vontade de investir na família e no futuro.
Eram as nossas premissas lá no Sul e continuam sendo ainda hoje.
Curso de Comissários
Durante o cursinho, no Rio de Janeiro, nós
ficamos num alojamento de um andar inteiro alugado pela Varig. Morei num dos
apartamentos à beira mar, com mais três colegas de voo, todas oriundas do Sul e
isso me marcou bastante. Na minha turma, além das gaúchas, tinha uma francesa e
três orientais, vindas do Japão. A Taeko, que se aposentou no ano passado, mal
falava o português. Nós gostávamos muito dela e a ajudávamos. Tínhamos uma
coordenadora chamada Cecília, que era argentina. Era a “Dona Alice”
daquela época. Ela não ficou muito tempo na Varig, mas era a Coordenadora Geral
do Curso de Comissários, em 1964. O curso, com duração de três meses, foi muito
bom. Muitos anos depois, quando a Varig optou pela terceirização do curso, vim
trabalhar no Centro de Treinamento de Comissários. As matérias básicas são
quase as mesmas, mas a duração do curso diminuiu.
Primeiros voos, pernoites
Começamos
voando nas linhas nacionais. Trabalhei no Avro, no Electra, no DC–6 e depois no
B–707, que era o máximo naquela época! Quando começou o Voo da Amizade, nós
íamos para Lisboa de Electra. E isso era um grande acontecimento. A gente
pousava em Recife, depois na Ilha do Sol, no Atlântico, para reabaster o avião,
e depois chegávamos em Lisboa. Dava umas 12 horas de voo. Naquela época,
tínhamos muitos dias de pernoite porque não havia muitos voos. Não é como
agora, com esses voos bate-volta, que não dão oportunidade aos comissários de
conhecerem os lugares.
Hoje em dia, os tripulantes dizem que estão
fazendo viagens internacionais, mas isso é fantasioso porque, na verdade, eles
conhecem o hotel e as imediações. Não conseguem aproveitar a vida cultural do
país onde pernoitam. Na minha época o privilégio era pernoitar muitos dias em
cada lugar. Tinha um voo para a Itália com quase uma semana de pernoite.
Podíamos viajar, fazer excursões e realmente conhecer os lugares. Mesmo sem ter
estudado italiano, nos comunicávamos no idioma pelo fato de termos essa
convivência maior com as pessoas daquele país.
Hoje em dia, isso não é mais possível.
Opções, desafios
Trabalhei na Varig de 1964 até 1972 e pedi
demissão porque comecei a me sentir estagnada e sem um desafio intelectual
maior. Com as viagens, tinha conhecido o suficiente e achava que não estava
mais agregando valor à minha vida. Era muito benquista no grupo de voo e sempre
fiz meu trabalho com muito carinho, mas estudar era uma demanda pessoal, uma necessidade
de crescimento. Cursei Psicologia e, naquela época, a Universidade tinha uma
carga horária muito rígida; hoje em dia o estudo é mais facilitado. Nós
tínhamos que fazer todas as matérias teóricas de manhã, e estar lá, para os
laboratórios, à tarde.
Deixar a aviação não foi
fácil, mas fiz a minha opção. Meus colegas sabiam que eu ia ganhar bem menos e
me perguntavam: “Você vai largar as mordomias da aviação”? Eu respondia que as
coisas não tinham tanto peso assim e que a gente vai mudando e se acostumando.
Eu morava na Lagoa Rodrigo
de Freitas num apartamento de três quartos e mudei para o Leme, em um
apartamento de quarto e sala. Nessa época já morava com três irmãos. O nosso
padrão baixou mesmo, mas não me importei. Aliás, tenho até bastante saudade
daquela época de dureza, porque tínhamos muita força. Meus irmãos já
trabalhavam, mas estavam em início de carreira e ganhavam pouco. Aos poucos,
todos eles foram crescendo e fizeram belíssimas carreiras.
Eu sou uma
pessoa que me atiro de cabeça naquilo que faço. O estudo me alimentava muito e
por isso eu não me importava de não ter mais perfume francês, nem bolsa de
marca italiana. A gente vai amadurecendo e os nossos valores também. Vindo de
uma classe pobre, essas coisas eram desejadas no início, mas depois perderam o
peso. Senti muita saudade dos pernoites, dos ambientes que frequentava, porque
vivi uma boa época na aviação e naquele tempo a tripulação era muito unida.
Nisso há uma perda porque quando você sai da aviação você fica com poucas
amizades, ou seja, fica com aquelas que são verdadeiras.
Fazendo um balanço, vejo que era coisa da
juventude, que era bom socialmente, mas não era perene. As pessoas se
aproximavam até por necessidade de estarem juntas para se fortalecerem. O grupo
se unia e fazia as programações junto. Hoje em dia, isso quase não acontece
porque as pessoas têm pouco tempo de pernoite, ganham menos e procuram gastar o
mínimo possível. Então, não investem mais na relação social como se fazia
naquela época, quando havia um clima muito bom entre os tripulantes e tempos
longos de pernoite.
Retorno aos estudos
O retorno à universidade foi altamente
realizador. Achei que estava defasada porque estava sem estudar havia alguns
anos, mas, ao contrário, estava atualizadíssima e mais madura. A minha turma
era composta de gente muito jovem que não tinha essa vivência. Para eles,
estudar era obrigação e para mim era prazer e investimento. Tanto que, em
seguida, fui monitora, consegui estágio, coisas que não se conseguia com
facilidade. Os mais jovens estavam ali porque passaram no vestibular, mas não
tinham ainda tanta convicção do exercício profissional.
Retorno à Varig
Quando saí do voo, o diretor, na época o senhor
Sérgio Prates, me falou que as portas estariam sempre abertas para mim. Eu
havia explicado a ele o motivo pelo qual estava saindo e ele tinha essa visão
de futuro, sabia valorizar as pessoas que tinham potenciais e que mais tarde
podiam voltar e agregar valores para a empresa.
Depois de formada, vi que
não queria clinicar porque existem todas as variáveis sociais. A gente faz um
trabalho de recuperação muito difícil, com população carente, num ambiente de
hospital e, quando as pessoas têm alta, voltam para o meio ambiente e retornam
para o hospital com os mesmos problemas. Tudo isso é muito frustrante! Então
pensei em entrar para a área de Psicologia Organizacional. Fiz um projeto e fui
mostrar para o Sérgio Prates, na Varig. Ele gostou e me recomendou para a área
de Recursos Humanos.
Foi um retorno
excepcional. Essa oportunidade de retornar à empresa não existe mais, a não ser
quando você sai, num quadro de controle de despesas, e depois a empresa honra a
readmissão. Mas, normalmente, as pessoas que pedem demissão não têm chance de
retornar. Eu tive, também, essa chance na Varig.
Em termos profissionais, para mim foi um ganho
o fato de entrar para a área de Recursos Humanos, onde trabalhei de 1981 até
1992. Entrei realizando as tarefas básicas, como psicóloga, fazendo
acompanhamento, participando da seleção. Mas depois fui para a área de
acompanhamento psicológico onde a demanda com tripulantes era maior. Os casos
de funcionários de terra eram poucos, apenas alguns relacionados com a
reabilitação profissional depois de um acidente de trabalho.
Também foi um ganho ter sido convidada, na
gestão passada, pela Diretoria do Serviço de Bordo, para assumir, como gerente,
o Centro de Treinamento de Comissários, onde fiquei por mais de dois anos. Fui
para lá com muita expectativa, mas não deu para realizar o trabalho que
planejei por causa de toda essa mudança na empresa. A minha expectativa era
mudar o treinamento técnico-operacional, acrescentando novos enfoques. Mesmo
assim foi uma experiência de muito crescimento.
Nova geração de Comissários
Ao retornar para a aviação, o que mais me
chamou a atenção foi encontrar outra geração de comissários, outro perfil de
profissional. A Varig estava em fase de expansão, admitindo com facilidade, sem
o rigor de antigamente. Na minha época, na década de 60, o grupo era bem menor,
mais reservado, mais reprimido, mais enquadrado e as pessoas procuravam se
adaptar às exigências da empresa. Havia muita cobrança em relação à apresentação,
educação e disciplina. Nas décadas seguintes, esse grupo já era muito
diferente.
A empresa estava crescendo de forma
extraordinária, os novos jatos chegando e não havia tempo para procurar no
mercado o perfil ideal para o exercício da profissão. Eram contratados,
aproximadamente, 400 novos comissários por ano e os cursinhos eram dados pela
própria empresa. Agora, havia necessidade de contratar pessoas que falassem
outros idiomas.
Quando eu entrei para a aviação, o importante
era saber o básico, para se comunicar com os passageiros. Havia poucas linhas
internacionais, mas a partir de 1975 esse quadro mudou drasticamente e o idioma
começou a ter muito peso na escolha dos candidatos. E o que aconteceu? Foram
admitidas pessoas que não atendiam todos os requisitos que a profissão exigia,
ou seja, aquilo que se espera de uma pessoa que atende ao público.
Ao mesmo
tempo, o mercado de trabalho foi se estreitando e o pessoal de nível superior
se viu sem alternativa. Hoje, a maioria dos comissários tem nível superior e no
fundo são muito frustrados porque não conseguiram se realizar naquilo que
estudaram. Aqueles que entraram com uma expectativa, e depois perceberam que
não se identificavam com o trabalho, acabaram ficando por necessidade e também
por ser uma profissão charmosa, que proporciona uma boa bagagem cultural. Mas
esses ganhos não são essenciais e as pessoas começam a atuar de forma mecânica,
sem amor ao que estão fazendo. Não têm mais aquela naturalidade para abordar o
passageiro, conversar, dar atenção. Fazem o mínimo e automaticamente.
Antes, havia uma formalidade, pois não se podia
tomar intimidade com o passageiro, mas hoje o que existe é um distanciamento. O
cliente não se sente bem recebido e tem a impressão de que está sendo atendido
de favor. Esse é o meu sentimento e eu sinto muita pena! Sei que não posso
generalizar, pois não são todos assim. Ainda existem, em número bem menor, os
verdadeiros profissionais.
Então, o
que houve foi uma falha estrutural da empresa que não soube fazer uma seleção
adequada nem um bom acompanhamento do profissional contratado. A imagem da
empresa começou a ficar desgastada com a queda na qualidade dos serviços
prestados. Houve um somatório de razões. E aqui estamos tratando dessa parte
que diz respeito à profissão do comissário de voo que tem como missão atender
bem o passageiro, cliente da empresa. Para se recuperar, a empresa precisaria
fazer um esforço gigantesco. Ganhar espaço no mercado é uma coisa, conservar e
manter esse espaço exige um esforço dobrado.
Resgate do profissionalismo
Para resgatar o profissionalismo acho que seria
necessário fazer um trabalho intenso, que até pretendi fazer no Centro de
Treinamento de Comissários. Mas isso depende de investimento financeiro maciço
e “santo de casa não faz milagre”. É necessário chamar uma consultoria
especializada, respeitada, para trabalhar com a população de comissários,
investir na área comportamental, na área da consciência do indivíduo para que
ele possa buscar a realização em termos profissionais e pessoais. Se o trabalho
for feito por profissionais da própria empresa, os comissários vão achar que
apenas uma questão patronal. Então, uma consultoria poderia fazer a intermediação,
mas estamos vivendo numa época de crise...
Não é nada fácil trabalhar com o grupo de comissários, pois
a prioridade deles é o voo. Então, se faz necessário um intenso planejamento
para deslocá-los da escala de voo, do mais novinho até o mais antigo. São 3.300
comissários e todos deveriam passar pelo mesmo tipo de treinamento e
conscientização. Isso seria o ideal, mas estrategicamente é difícil, pois
representa um grande investimento para a empresa e exige muito tempo.
Então, temos que começar
pelas lideranças que são os Chefes de Equipe e os Supervisores de Cabine. Eles
precisam assumir o gerenciamento e não apenas o papel operacional. É um desafio
muito grande, uma questão de custo/benefício, mas acredito que a empresa esteja
mais atenta e que a nova presidência e a nova diretoria farão mais cobranças
nesse sentido. Acho que é o que a Diretoria de Operações irá fazer, agora que
está responsável pela gestão de todos os tripulantes.
Insatisfação profissional
Aplicamos a pesquisa de clima em toda a Organização
Varig e ela foi tabulada em termos do que cada grande categoria dentro da
empresa tem. O nível de insatisfação maior em relação à empresa estava entre os
tripulantes, no grupo dos Comissários de Voo. Era uma insatisfação muito
localizada no pessoal que estava entre 8 e 14 anos de casa. Isso ficou
claramente constatado na pesquisa.
O pessoal mais novo estava em fase de
motivação, porque tinha a perspectiva de entrar para a escala dos voos
internacionais. Isso é estimulante em termos de carreira. Mas, o pessoal do
meio, que representava uma grande faixa de funcionários, estava altamente
desmotivado em relação à profissão e em relação à empresa. Acho que essa
população deveria ser trabalhada com prioridade por parte da Diretoria de
Operações.
Antigamente, pelo estereótipo da profissão,
acho que a imagem dos comissários correspondia quase que totalmente. Não tanto
em nível cultural, mas no geral, em termos de aparência, de apresentação, nos
requisitos básicos. Hoje em dia, existe uma distorção do perfil. Nós temos
profissionais mais velhos, em termos de idade, que têm muita experiência, muita
bagagem profissional. E temos os mais novos, que não têm essa experiência, mas
em compensação também não têm o stress causado pelo tempo e pelo
exercício profissional.
São os mais
novos que mais combinam com o perfil profissional. O problema é que a empresa
não tem uma estratégia para remanejar as pessoas mais velhas ou fazer um
contrato de trabalho de menor duração com os mais jovens. O ideal seria que
todos se preparassem para a eventualidade de ter que concorrer novamente no
mercado de trabalho, quando já não correspondessem ao perfil que a profissão
exige, ou para não ter que esperar a aposentadoria numa profissão tão
desgastante.
Contratos de trabalho temporários
Em outros países de grande porte, em empresas
europeias e até orientais, os contratos de trabalho são temporários. Adotar
essa estratégia aqui no Brasil daria um grande trabalho, do ponto de vista
social e sindical. Mas, ao mesmo tempo, é preciso ter a ótica da empresa que
precisa revitalizar seus funcionários para continuar operando no mercado. A
empresa precisa tomar decisões sérias, apesar da questão humana e social. A
aposentadoria deveria ser o somatório de várias atividades; essa é a concepção
mais moderna no mercado do trabalho.
Na minha visão de futuro, vejo que esses
contratos de longo prazo não existirão mais. Atualmente, a empresa tem as
linhas nacionais e internacionais. Mas, por contingência, as pessoas estão
ficando muitos anos nas linhas nacionais. Assim, elas não têm o devido
desembaraço e a experiência das linhas internacionais. E quando passam para as
linhas internacionais já estão com muitos anos de voo. Aí a novidade acabou e o
que resta é o stress da profissão propriamente dito.
Pensando como psicóloga, e com a experiência
que tenho aqui na empresa, mais de 15 anos na profissão, é muita sobrecarga em
todos os sentidos. Com esse tempo, cada profissional teria a oportunidade de
resgatar outra atividade no mercado do trabalho.
Também não concordo com o padrão da empresa de
admitir jovens com 18 anos. Acho que as gerações de agora amadurecem mais
tarde. No meu tempo, aos 18 anos, a gente trabalhava e estudava. Éramos mais
maduros. Hoje em dia, como esses jovens vêm de classe média alta, que é a que
pode pagar estudos de idiomas para os filhos, eles vêm muito imaturos. É
difícil, numa seleção, conseguir um profissional que reúna todos os
pré-requisitos. A empresa admite dos 18 aos 30 anos. Eu acho que deveria ser
dos 21 aos 30 anos. Se a pessoa voar 10 anos, iniciando com 30, até os 40 anos
ela ainda tem chance de se programar. E tem também a questão da apresentação
pessoal e da saúde.
Hoje, nós
temos um grupo de 1500 mulheres comissárias. Ninguém imaginava todas essas
mudanças que estão ocorrendo na sociedade. Ninguém imaginava a mudança do
perfil profissional, ninguém estava preparado para isso. É por isso que, do
ponto de vista de Recursos Humanos, vai ser um problema sério se a empresa
tiver que reformular suas estratégias. Muitos funcionários, principalmente os
aeronautas, serão sacrificados. Mais ainda no caso das mulheres comissárias,
porque delas se espera uma boa aparência. Se o homem está com 10 quilos a mais
a sociedade releva, o mesmo já não acontece com a mulher.
A questão da mulher comissária
Quando comecei a trabalhar na área de recursos
humanos, percebi que os problemas em relação à população de comissárias eram
imensos. Até porque fiquei atendendo, fazendo aconselhamento e acompanhamento
de retorno de licença psiquiátrica e maternidade. Na minha época, as comissárias
quase não casavam ou não tinham filhos. Não tinha uma diretriz oficial, mas
havia uma recomendação: “Olha, você com filhos não vai se adequar à profissão”.
Então as mulheres já sabiam qual era a regra do jogo e a respeitavam.
A mulher, do ponto de vista emocional, é um ser
ambivalente. Ela dá um peso à profissão e um peso à vida em família,
principalmente na relação mãe e filho. E isso, realmente, desencadeia um grande
stress, muita tensão e um enorme sentimento de culpa. São poucas as mulheres que
têm estrutura e conseguem administrar esse stress. Na maioria dos casos, esse
conflito na relação afetiva acaba abalando a estrutura do próprio casamento.
Geralmente o casamento falha. O companheiro não aguenta essa instabilidade
emocional da mulher. E quando ele não é aeronauta, não entende a sobrecarga de
ser parceiro e ter que dar suporte, pois entende que a prioridade da mulher deve
ser a família.
Na minha época de comissária, as mulheres
também não chegavam a ocupar o cargo de supervisão ou de chefia da equipe.
Enfim, estamos num outro tempo e as mudanças que estão ocorrendo na sociedade
também ocorrem no voo. Vieram mulheres mais preparadas do ponto de vista da
formação. Mulheres que também começaram a ficar sobrecarregadas porque casaram;
continuaram exercendo a profissão e ainda assumiram a maternidade. Ou então
desfizeram casamentos e tentaram manter, sozinhas, o orçamento familiar, pois
nem sempre recebiam ajuda do companheiro.
Então, eu vi as moças da turma de 80 para cá,
muito sacrificadas mesmo. Acho que nessa profissão é muito difícil conciliar as
duas coisas. A mulher se afasta de casa e fica com um grande sentimento de
culpa por deixar o filho sozinho ou aos cuidados de terceiros. Ela vem do
interior e seus pais estão distantes. Deixa seus filhos na mão de uma babá ou
na mão de uma pessoa estranha. Então há um acúmulo de tensão nas
mães que viajam hoje. Tanto que se pode ver, na população feminina de 40 anos,
que são todas precocemente envelhecidas, com raras exceções. Apesar de
conseguirem condições financeiras melhores, elas têm um desgaste muito grande.
Na minha
época, as mulheres eram mais relaxadas, menos tensas, com menos sobrecarga. Não
eram tão cobradas. Hoje em dia eu até questiono se, nessa profissão, é
realmente válido o contrato de trabalho em longo prazo, onde as mulheres têm
que trabalhar até se aposentar aos 55 anos. Elas têm que lidar com o público,
em situações estressantes, sem condições de manter a saúde e o perfil que a
profissão requer. Na verdade tinha que ter uma política de análise da
profissão. Se fosse uma profissão de 15 anos ou um contrato que se renovasse de
cinco em cinco anos, como algumas empresas estão fazendo, a mulher sairia da
aviação com uma grande bagagem e ainda jovem para o mercado de trabalho. Ela
não se acomodaria, porque a maioria que entra para a aviação não continua
estudando. Consequentemente, fica despreparada para voltar ao mercado. Não tem
mais condições, nem aparência, nem saúde.
Se a mulher saísse da aviação com 35 anos, ela
teria condições de um novo emprego porque tem a bagagem da vivência das
viagens, que é importante. Tem mais desembaraço, mais cultura. Se o contrato de
trabalho fosse de 10 ou no máximo 15 anos, ela iria refletir: “Se vou voltar
para o mercado de trabalho, preciso me preparar”. Hoje em dia os conceitos
mudaram. Não é mais a estabilidade e sim a empregabilidade. Todos os
profissionais devem estar preparados. A formação de Comissária de Voo não
prepara a mulher para o mercado de trabalho, pois não adianta ter boa aparência
ou falar outro idioma. A empresa devia fazer esse alerta, pois sempre existe a
possibilidade de redução do quadro de funcionários.
Os afastamentos do voo
Era costume o CEMAL (centro médico da
aeronáutica) dar alta para os tripulantes que se afastavam do voo por problemas
de saúde e os encaminhar para o serviço médico da Varig. O serviço médico
achava por bem fazer uma avaliação psicológica para ver a possibilidade de
reintegração da pessoa. Nós fazíamos algumas recomendações para a Diretoria do
Serviço de Bordo, se era bom a pessoa voltar aos poucos, trabalhar nos voos
curtos (bate-volta), ou se estava apta a voltar ao trabalho nas linhas normais.
O que eu fazia
era uma avaliação. Conversava com a pessoa, com toda a atenção e dava um
parecer. Poucos foram os casos em que dei um parecer contrário. A maioria,
quando se licenciava, procurava um tratamento. Mesmo porque há a recomendação,
tanto do CEMAL como da Varig. Poucas não voltaram para o voo. Reincidências de
afastamentos por psiquiatria também foram poucas. Poucos foram os casos
crônicos, irrecuperáveis para a profissão. Em certos casos, a atividade
profissional acelerava o estado de fragilidade da pessoa que numa outra
profissão, mais estável, não teria o desencadeamento desse estado de fraquezas.
Novo perfil do Comissário
Acredito que o novo perfil do Comissário de Voo
vai passar, além da apresentação e da educação, pelo domínio de idiomas e pela
flexibilidade na área comportamental. São pessoas com cultura e desembaraço,
habilitadas para lidar com situações de conflito, passageiros nervosos e coisas
desse tipo. Pessoas com mais jogo de cintura, que possam atuar com desenvoltura
nas mais variadas situações e representem bem a empresa. Não pode ser uma
pessoa muito certinha, muito quadradinha ou muito tímida, incapaz de lidar com
grandes grupos de pessoas. Enfim, os candidatos vêm com um potencial e cabe à
empresa desenvolver essas habilidades e acompanhar a sua vida profissional.
Nos exames de seleção dá para captar a
potencialidade do candidato, mas depois de contratado, a responsabilidade é da
empresa, de acompanhar o ajustamento do profissional e também de lhe dar
suporte. Outra estratégia que acho que ajudaria muito é a questão das escalas
de voo com tripulação fixa, que poderiam ser elaboradas para três ou quatro
meses. Esse tempo permitiria uma maior produtividade e mais apoio entre os
integrantes da equipe. É um tempo que não chega a saturar as relações no grupo
ou provocar incompatibilidades entre os membros. Dessa maneira também ficaria
mais fácil fazer o acompanhamento e gerenciamento dos funcionários. No meu
entendimento essas escalas temporárias seriam muito mais saudáveis.
Outro aspecto, relacionado com o novo perfil do
Comissário de Voo, é o do contrato de trabalho. É provável que a empresa tenha
que fazer, no futuro, contratos temporários, de médio prazo. Esse é o meu ponto
de vista pessoal, mas é também uma tendência no mundo da aviação. Embora isso
não aconteça nas empresas aéreas norte-americanas, onde a gente encontra
senhoras de cabelinho branco, que são umas “gracinhas”, atendendo os
passageiros. Isso reflete a cultura daquele país que é diferenciada e que se
constata no atendimento ao público em geral. Na nossa cultura, priorizamos a
juventude.
A população
mais jovem não apresenta problemas no desempenho da profissão. Não temos
queixas formais do cliente em relação aos profissionais jovens. Mas isso não
acontece só em relação aos tripulantes comissários. É em qualquer linha de
frente de atendimento na empresa. Dentro da área de aeroportos, na área de
reservas e informações, e entre os agentes de lojas, a empresa está percebendo
que tem que mudar esse perfil. E nesse sentido vai ter que efetuar mudanças. Eu
sinto que esse vai ser o caminho de adequação desses profissionais no mercado.
Problemas, recessão
Os problemas que a empresa enfrenta hoje foi
ela mesma que os criou. Não existe uma solução mágica. Acho que é preciso
chamar as pessoas e abrir o jogo com clareza, mostrando a missão da empresa e a
missão de cada funcionário. Mostrar o que está acontecendo e conscientizar as
pessoas sobre a realidade que se está vivendo. Em seguida, a empresa deveria
dar um tempo para que cada um se reformulasse e até dar suporte para aqueles
que queiram se reformular. Em última instância, se nenhuma atitude for tomada,
a empresa fica isenta para tomar a atitude que for cabível.
Desde 1992, a empresa não está admitindo
aeronautas, por causa da recessão. Houve corte de pessoal em 1994, mas os que
foram demitidos já foram readmitidos, menos aqueles que tinham problemas em
seus históricos. A empresa honrou as readmissões dos mais jovens, pois eles não
têm esse problema da conscientização e têm outra postura. Os comissários do
grupo de 8 a 14 anos de casa, com raras exceções, é que são o real problema. Ficou
apontado na pesquisa que o nível de insatisfação profissional é maior e que,
consequentemente, eles reagem negativamente, ficam ansiosos, comem demais e uma
série de outras coisas.
Mudança na estrutura da empresa
Infelizmente, houve essa mudança na estrutura
da empresa, com a fusão de duas diretorias (Operações e Serviço de Bordo), e só
o futuro vai dizer se, estrategicamente, foi uma boa mudança. Integrar duas
culturas tão diferentes, como a dos pilotos com a dos comissários, não vai ser
tarefa fácil. Vai ser preciso um longo tempo para administrar todas as
diferenças existentes. Acho que foi um erro estratégico porque a empresa não
estava preparada para fazer a fusão dessas duas populações da maior importância
para a sobrevivência da empresa.
A população de
comissários tem que ter uma atenção especial, ou uma diretoria própria. Hoje, a
prioridade está com os pilotos, pois os diretores da Diretoria de Operações
são pilotos. Mas os problemas e as atividades dos pilotos e dos comissários são
de diferentes naturezas. Lamento muito essa mudança, na medida em que o grupo
de comissários precisa ser tratado de acordo com a natureza da sua profissão. E
nesse aspecto o papel do psicólogo é muito importante, pois ele pode dar um
suporte imenso, mas a empresa não está vendo assim. Agora eles vão contratar
consultorias. Não é mais o profissional que conhece a cultura e o problema dos
grupos de funcionários da empresa.
Perspectivas no trabalho
Não sei o que o está acontecendo hoje em dia,
aqui na empresa. Quando fui para a Diretoria de Operações, como foi um grupo lá
do CTC, o novo diretor falou sobre a importância de me manter na diretoria. Ele
extinguiu os postos dos gerentes da gestão anterior e me manteve na diretoria,
mas sem um espaço formal e funcional definido. Eu já estava muito madura para
me sujeitar a essa situação de retrocesso profissional, pois gerenciava o
Centro de Treinamento de Comissários em duas bases, Rio de Janeiro e São Paulo.
Aquela situação ficou me incomodando e eu achei que tinha um potencial para
contribuir em muito mais frentes. E disse para mim mesma: vou dar um tempo para
que as coisas se ajustem, vou esperar. E nesse meio tempo veio o convite da
diretoria de Recursos Humanos para eu cuidar da Pesquisa de Clima da empresa
por inteiro. Era um convite irrecusável.
Entre o concreto e o incerto, e também pela
questão da minha idade, porque já estou com 55 anos, faltando apenas três anos
para me aposentar, escolhi o concreto porque ainda posso ser produtiva. Fui uma
profissional privilegiada e, como psicóloga, poucos profissionais tiveram a
carreira tão privilegiada quanto eu tive. Na Varig não conheço nenhum, nas três
bases: Rio de janeiro, São Paulo e Porto Alegre. E acho que isso é resultado de
trabalho, de dedicação e profissionalismo. As pessoas observam quem são os
profissionais que se dedicam. E nesse sentido também acho que entrou um pouco a
variável “sorte”. As pessoas me conheciam e achavam que eu tinha o perfil
adequado.
Agora, a empresa avaliou a questão do
custo-benefício em relação às pessoas que estariam com idade próxima da
aposentadoria, pagando a integralização do AERUS, e eu fui convidada a me
aposentar. Não vou ter perdas e achei que podia aceitar esse incentivo à
aposentadoria antecipada. Vou analisar muito bem em que frente vou trabalhar:
em uma empresa de consultoria ou se vou voltar a estudar. A Universidade Santa
Úrsula parece que vai abrir um curso de Consultores que eu tenho interesse em
fazer. Esse curso só tem em São Paulo ou nos Estados Unidos. É um curso para
meu conhecimento pessoal, não para ter mais ganhos financeiros. É para me
atualizar e atuar no mercado, e será um novo desafio.
Situação financeira
Para a média
do brasileiro, acho que minha situação financeira está estabilizada. Em termos
da mulher brasileira, estou muito acima da média. Tenho casa própria na zona
sul do Rio de Janeiro. Moro numa vila, antiguinha e adoro minha casa. Tenho um
carrinho bom, ano 1991. E não quero muito mais coisas que isso. Quando você é
nova quer muito mais coisas; quando você é mais madura, quer menos, quer pouco.
Eu sempre quis ter uma casa própria, um sonho que realizei. Sem um teto eu não
me sentiria segura. Durante muitos anos dependi de aluguel e isso me preocupava
muito. Hoje estou numa situação confortável e ainda tenho a aposentadoria
facilitada pelo AERUS, que foi um grande ganho. Senão, apenas com o INSS ia ser
difícil. Minha mãe é minha dependente e é uma pessoa doente; os custos de
manutenção de um doente no Brasil são um pouco pesados. Então, se não fosse
pelo AERUS eu não poderia manter o mesmo padrão. Mas não quero parar, quero
estudar, fazer o que gosto.
Sonhos a realizar
Estou com 55 anos, mas não
me vejo com essa idade. O tempo passou rapidíssimo e o tempo psicológico passou
mais rápido ainda. Sinto-me saudável e com perspectivas de me realizar em
outras áreas. Quero voltar a estudar francês, para o meu prazer. Gosto de
teatro, literatura e psicologia e acho que são as três áreas com as quais me
identifico. Gosto de lidar com o imaginário, com o não palpável, e estou muito
a fim de estudar. Não conheço um profissional de psicologia que não goste de
misticismo e das correntes esotéricas porque têm tudo a ver com a vida e o ser
humano.
Além dos meus projetos de atualização, quero
fazer trabalho voluntário no Instituto Benjamim Constant e dar uma hora por
semana para os cegos. Quero ler para eles. Quem me falou desse trabalho foi um
copiloto que sofreu um acidente seríssimo e fez avaliação comigo quando voltou
para o voo. Durante sua licença, recomendaram esse trabalho voluntário, que ele
continua fazendo até hoje. Fiquei muito interessada e ele me deu todas as
informações. Essa é uma das coisas que prometi a mim mesma fazer. Qualquer
pessoa que tenha tempo disponível pode ir lá, se inscrever, porque há muitos
alunos e a única maneira deles aprenderem é através da leitura de alguém.
Então, como falou o psicólogo Eric Ericsson,
quando você é mais maduro você se realiza sendo útil aos outros. Estou me
aposentando da empresa, mas não da vida. Vou continuar e acho que vou ser
altamente produtiva e realizada. A velhice é saudável quando a pessoa se sente
realizada e ainda produtiva, e é doentia quando a pessoa não acredita que ainda
pode fazer muitas coisas. Acho que a gente encerra um ciclo e inicia outro.
Sempre tive uma relação apaixonada com o trabalho, assim como tenho uma relação
apaixonada com minha filha.
Maternidade
Morei três
anos no exterior, em Miami e em Nova York. Ainda estava na Faculdade e tive um
convite de trabalho. Então, eu tranquei a minha matrícula e fui viver essa
experiência de morar no estrangeiro. E foi lá que minha filha nasceu. Foi a
melhor coisa que me aconteceu. O pai da minha filha é uma pessoa
inteligentíssima; é um artista plástico de muito destaque nos EUA. Ele tem uma
visão muito à frente do seu tempo e destoa do perfil americano por ser um
artista. Nosso relacionamento foi o maior presente que tive na minha
permanência por lá. Nós não nos casamos, mas somos amigos.
A filha foi uma produção independente. Resolvi
assumir a gravidez, até por outra variável. Eu estava com limitação física e,
na época, o médico me avisou: ou você tem essa criança ou não vai mais ter
nenhuma. Então, não pensei duas vezes. Meu namorado artista foi muito
compreensivo. Podia parecer até uma chantagem emocional, mas não era nada
disso. Foi uma contingência. Se ele quisesse dar o nome para a filha seria
ótimo, como deu, mas se não quisesse eu ia assumi-la de qualquer maneira.
Fui para os EUA com 32 anos e minha filha
nasceu quando eu estava com 35. Estava amadurecida e bem consciente para
assumir o papel de mãe. Tinha espaço para ela na minha vida. Quando se é muito
jovem, ter filhos atrapalha muito a vida da pessoa. Não era o meu caso, eu
estava preparada. Voltei para o Brasil com uma filhinha, uma americanazinha.
Minha família é numerosa e minhas irmãs me ajudaram. Agora, a minha filha está
morando e estudando nos Estados Unidos. Ela tem dupla nacionalidade e está
cursando uma universidade.
Relacionamento com o sexo oposto
Meu único ponto fraco é com
relação ao sexo oposto. Nunca consegui manter uma relação por muitos anos e
tenho a maior admiração por quem consegue. É provável que a minha dedicação
seja maior ao trabalho e os homens percebem isso. Se eu voltasse atrás no tempo,
ficaria mais atenta, procuraria o equilíbrio porque todas as relações são
fundamentais para a realização da mulher.
Ninguém é perfeito, mesmo
assim, ainda espero encontrar alguém com mais afinidade e acho que as relações
mais duradouras são as de cabeça. Um amigo disse, e eu concordo com ele, que
uma relação a dois é o encontro de dois inconscientes. Quando a gente está mais
disponível para o outro a relação se mantém. As separações acontecem quando
alguém se sente lesado na relação, quando acha que não está tendo a atenção
devida, ou quando está sendo cobrado demais.
Fazendo um
balanço da minha vida, o sentimento de realização é muito maior que o de
frustração. Em termos profissionais fui bem, e em relação à minha filha acho
que também cumpri minha missão, meu papel. A única dificuldade que tive na vida
foi essa, de investir no relacionamento com o sexo oposto. Mas ainda não perdi
as esperanças. Hei de achar um coroa com a mesma afinidade que eu em um projeto
de vida a dois.
Vida afetiva das Comissárias de Voo
Na relação com o sexo oposto, as mulheres
aeronautas têm menos chances de serem felizes. Elas ainda lutam com essa
variável, porque a questão do vínculo se estabelece e se mantém no dia-a-dia.
Nessa relação, a quebra da continuidade é uma constante na vida das
comissárias. Cada viagem é um afastamento e vai interrompendo o processo da
relação. O companheiro faz cobranças, as mágoas vão se somando, e a mulher se
sente devedora ou fica fantasiando coisas a respeito do outro. Sim, a mulher
comissária tem uma grande sobrecarga, que não contribui para a sua felicidade
pessoal.
Eu acho que não teria aguentado ficar no voo
até os meus 55 anos, que é a idade limite para a aposentadoria das comissárias.
Não teria a energia requerida e teria saído antes, de qualquer maneira. As que
conseguem, no meu entendimento, são heroínas, supermulheres, principalmente as
que, além da estrutura física, mantém uma boa estrutura psicológica.
*Susy (pseudônimo)
se aposentou em 1995, aos 55 anos. Trabalhou como comissária de voo de 1964 até
1972. Depois trabalhou como Psicóloga. Esta entrevista foi concedida em 1996,
no Rio de Janeiro.
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