Aeromoças brasileiras mais antigas...
Uma terna lembrança
Quando entrei para a aviação, em 1972, a Chefe das Comissárias era Lilian Lobo Carneiro, uma mulher de bom gosto e muito elegante, que durante muitos anos procurou manter o estilo e a elegância das aeromoças da Varig. Alice Klausz dirigia a Escola de Comissários de Voo. Heidi e Margot estavam entre as Comissárias mais antigas, em atividade no voo. Profissionais exemplares com as quais tive a satisfação de trabalhar nos meus primeiros anos, nas linhas internacionais. Enquanto eu dava os meus primeiros passos na vida profissional, elas participavam ativamente junto à Diretoria do Serviço de Bordo, na instrução e formação dos Comissários de Voo da Varig.
Um
dia, visitei Heidi,
em Copacabana, na altura do posto seis onde morava. Ela já estava aposentada e
marcou o nosso encontro para o dia 12 de julho de 1989, por volta das 19 horas.
Ao chegar ao seu apartamento, ela me convidou para assistir ao capítulo daquele
dia da novela “Que rei sou eu” da TV Globo dizendo que se tratava de uma
verdadeira sátira do Brasil. Depois da novela, conversamos sobre o cotidiano e
ela falou sobre sua vida. Nas minhas anotações de comissária/jornalista,
encontrei alguns trechos de seu depoimento:
Já
estou aposentada há nove anos. Aposentei-me em novembro de 1980. O tempo passa
voando! Os primeiros cinco anos eu nem vi passar. Foi um tempo de total
liberdade. A sensação que tenho é que entrei para a aviação num “upa” e assim
como entrei eu também saí. Faltaram poucos meses para completar 30 anos de voo.
Foi toda uma vida que passou voando, voando.
Quando
comecei a trabalhar na Varig, ainda não havia aeromoças na empresa. Eram todas
recepcionistas. Naquela época, a recepcionista não podia ser desquitada e eu
era desquitada. Fui eu que derrubei esse mito lá dentro. Quando disseram que
não podiam me admitir porque eu era desquitada, não me conformei e fui falar
com o presidente da Varig.
Eu já tinha 27 anos e o presidente,
Sr. Ruben Berta, me ofereceu um lugar na empresa como secretária. Aí eu apontei
para as duas secretárias que estavam na sala e perguntei: “Qual é a diferença
que o senhor está vendo entre as
moças que estão nesta sala?” Ele respondeu: “Ah, são todas moças bonitas!” Aí
eu falei: “Uma é solteira, outra é casada e eu sou desquitada. Se o senhor não
vê diferença, os passageiros também não veem”. Aí ele aceitou o meu argumento
e, no outro dia, eu estava trabalhando como recepcionista.
Uma
vez, em um pernoite na Alemanha, tive a oportunidade de sair com Heidi, que era descendente de
alemães. Estávamos na antiga cidade de Mainz e ela me convidou para assistir um
concerto de música clássica. Depois fomos jantar juntas. Até hoje guardo em
minha lembrança aqueles momentos e sua educação refinada. Senti-me muito grata
pela sua paciência em me explicar o que sabia do repertório musical clássico e
também dos costumes do povo alemão.
Entrevistei
Margot,
também em meados de 1989, em Copacabana, no Rio de Janeiro onde ela morava. Margot também era descendente de
alemães. Sempre foi uma profissional muito séria e uma pessoa muito educada.
Era, no entanto, mais reservada que as outras. Lembro-me de ter ficado um pouco
constrangida em sua presença, sem saber exatamente o que perguntar. Pedi,
então, que falasse de sua experiência de vida na aviação e como ela estava
vivendo aqueles anos de aposentadoria. Eis algumas passagens de seu depoimento:
Comecei a trabalhar na Varig aos 19 anos,
como recepcionista. Naquela época só havia comissários homens. Fui contratada
um pouco antes da chegada do Super Constellation, quando a empresa decidiu
aceitar as mulheres para trabalhar como aeromoças. As empresas estrangeiras já
empregavam mulheres para trabalhar nos aviões.
Eu
entrei para a empresa, depois entrou a Heidi que também trabalhou em terra comigo, e depois entrou a Terezinha.
A Heidi e a Terezinha passaram para o voo e eu fiquei na dúvida se passava ou
não. Isso foi em 1957. Eu já estava trabalhando na empresa há sete anos. Estava
custando muito a me decidir e, quando vi, eles me disseram: “Você está no voo”.
Acho que fui chamada por obra da Heidi e da Terezinha. Naquela época não havia
curso. Antes de nós três já havia um grupo grande de mulheres trabalhando no
voo.
Comecei
a voar em aviões pequenos, no Rio Grande do Sul. Meu primeiro voo foi para
Erechim e tinha pernoite. Eu era magérrima. Enjoava demais e quis sair do voo.
Tive 15 dias de licença, pois não aguentava mais nem o cheiro do avião. Depois
passei para o Curtis C 46 que fazia voos para Buenos Aires. Naquela época nós ficávamos
em casa de pernoite.
Depois passei para voos mais longos. Acho que no princípio a
aviação era até mais cansativa do que a dos últimos anos, com a chegada do DC10 e do B-747.
Hoje o voo é direto e se leva oito horas e meia até Nova York. De Super Constellation,
levávamos 24 horas para chegar e tinha muitas escalas. Chegávamos lá à noite e
voltávamos no outro dia fazendo tudo de novo. Ou então íamos para Los Angeles,
que é um voo muito cansativo, com escalas em São Paulo, Lima, Bogotá, Panamá,
México. Assim eram os primeiros voos. Depois mudou e o tempo de pernoite
aumentou.
Chegamos
a fazer voos com três dias de pernoite em Nova York. Nós recebíamos o dinheiro
para passar o pernoite e escolhíamos o hotel em que queríamos ficar. Às vezes,
alugávamos um quarto só para a bagagem. Depois de um banho, alugávamos um carro
e saíamos para conhecer outros lugares, onde inclusive pernoitávamos. Só
retornávamos no dia de fazer o voo da volta para o Brasil.
Viajamos
muito e conhecemos muitos lugares. Curtimos a vida noturna quando éramos mais
jovens e tínhamos mais tempo. Íamos ao teatro, passeávamos. Mas a fase de
passeios também passou e nós entramos na fase da rotina. Também acontecia de
não termos afinidades com os colegas, ou então os colegas não se interessavam
por conhecer novos lugares. E sair sozinha ficava mais complicado. Depois, até
por necessidade, eu criei o hábito de descansar no dia da chegada e no dia da
saída. Passou a fase de sair e comecei a querer mais tranquilidade.
O
tempo dos pernoites também foi diminuindo com o aumento das frequências dos
voos. Nos últimos anos, chegávamos num dia e retornávamos no outro; aí não dava
mais para pensar em passear. A vantagem era não fazer escalas.
Quando
me aposentei, achei que ia sentir falta depois de 30 anos de voo e 37 anos de
aviação. Mas sabe que não me faz falta?! Sinto falta do convívio com os
colegas, porque estávamos sempre com outras pessoas, num pernoite ou no outro.
Na Alemanha, nós gostávamos muito de ir até Mainz, tanto que já fui lá algumas
vezes depois de me aposentar. Mas é incrível que eu não sinta falta da aviação,
nem dos voos. Acontece que a gente sai e se recondiciona com outro tipo de
vida.
Nos
primeiros tempos de aposentada eu até estranhei o fato de não ter uma escala
para cumprir. Achava que tinha alguma coisa para fazer até que, um dia, me dei
conta de que não tinha mais nem escala nem voo para confirmar. A nossa vida na
aviação é um condicionamento à escala de voo. Não vivemos em função dos dias e
dos meses, vivemos em função da escala: um voo para tal lugar, um tempo de
folga, e muitas coisas para fazer nessas folgas.
Agora eu tenho mais tempo para as pessoas que não são da aviação, tenho um relacionamento mais próximo com elas.
Também viajo muito para o Rio Grande do Sul. Talvez a gente não esteja tão “up
to date” como quando voava e conversava com os colegas, com novos passageiros,
com assuntos novos que iam surgindo todos os dias. Mas, de vez em quando, eu
gosto de reencontrar os conhecidos e saber o que estão fazendo.
Em
relação às colegas aposentadas eu não tenho tido muito contato porque também
não tenho ficado muito no Rio de Janeiro. Com os colegas de voo, que estão
voando e condicionados a uma escala de voo, também não, porque eu sei como é,
eles não têm muito tempo para a vida social.
Hoje
eu tenho este tempo, posso me dar ao luxo de até não fazer nada. Gosto de ler,
escutar música, continuo na ativa, sempre tenho alguma coisa para fazer e
achando que o dia deveria ter 48 horas. As atividades em casa também tomam
muito tempo.
São muitos os nomes de colegas que guardo com ternura em minhas
lembranças! Comissárias de Voo que passaram uma grande parte de suas vidas
entre a terra e o céu, atendendo milhares de pessoas das mais variadas
nacionalidades e crenças; servindo com atenção e carinho, dando o melhor de si;
sendo exemplo e inspiração para as mais jovens!
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