Depoimentos
Sobre a profissão de Comissários de Voo
- com ênfase no papel da mulher Comissária
Registro aqui alguns depoimentos de pessoas
que, de uma forma ou de outra, estavam envolvidas com a aviação e tinham sua
visão particular do trabalho e da vida das Comissárias de Voo: psicólogos,
passageiros e passageiras, maridos de comissárias, colegas do voo e pessoal da
empresa. São depoimentos sinceros (nem todos elogiosos) que retratam a
percepção que cada um tinha sobre a realidade da aviação nos anos 90.
Percepções que são importantes, pois permitem a nossa reflexão sobre os
alicerces da profissão naqueles dias e nos dias de hoje.
Sr. Sérgio Mauro
(Psicólogo e Assessor da Diretoria do Serviço
de Bordo da VARIG):
Até alguns anos atrás, os profissionais dessa
área, de modo geral, não sabiam definir sua própria profissão. Mesmo sendo bons
profissionais, eles não verbalizavam definições e isso contribuiu para uma
mística ou deturpação daquilo que eu consideraria mais importante na profissão.
De uns tempos para cá, com algumas pressões de natureza corporativa (via
associação de comissários e sindicato da categoria), é que as definições foram
adquirindo destaque.
Uma delas, considerada mais importante, diz
respeito à responsabilidade do tripulante de cabine (comissário de voo) com a
segurança do voo em situações de emergência. Ainda que todos nós desejemos que
isso nunca aconteça, é o comissário que tem essa enorme responsabilidade. Eu
lamento que poucos se concentrem como deveriam nessa responsabilidade nos
momentos de pousos e decolagens porque são os mais importantes e cruciais.
Hoje nós temos uma visão mais clara do que é
a profissão e damos o devido valor à segurança a bordo. Tanto a segurança
quanto o atendimento aos passageiros são importantes. Mas, como não existe nada
mais importante que a própria vida, a segurança tem que ter o destaque que
merece.
Aqui na
empresa, nós vivemos outro momento histórico que é a compreensão do aspecto da
qualidade do atendimento e o que isso representa em termos do mercado, que está
cada vez mais competitivo. Por mais racionais que queiramos ser, no que diz respeito
à alimentação a bordo, achando que é secundária e dispensável e que o
importante é o atendimento, eu continuo pensando que ela é muito importante.
Sabemos que todo passageiro é um angustiado
(a ideia não é minha, mas já fiz dois trabalhos sobre isso) e que para ele a
alimentação e a bebida são importantes, pois têm um efeito altamente
compensatório.
O meu primeiro trabalho foi feito a partir de
uma pesquisa elaborada por um ex-piloto americano, que depois se dedicou ao
estudo da psicologia, sobre o ânimo dos passageiros a bordo, que era melhorado
ou piorado de acordo com o desempenho dos tripulantes. Nesse trabalho enfatizo
duas coisas:
1) Simbolicamente, o pai dos passageiros é o
comandante que, quando diz “daqui a dez minutos vamos pousar no Aeroporto
Internacional do Rio de Janeiro”, é como se dissesse “vamos pousar mesmo”. Daí
a importância do comandante fazer o anúncio a bordo e estar sempre se
comunicando com os passageiros.
2) Simbolicamente, a comissária de voo
representa a figura materna e é impressionante o simbolismo forte do papel da
mulher comissária de voo, como mãe dos angustiados a bordo. Nesse aspecto, ela
deveria ser mais bem instruída a explorar isso em favor dos passageiros.
Em voo e em terra, existe uma espécie de
encantamento do homem pela comissária de voo. Na cabeça deles, todas são
bonitas, bem arrumadas, boas de cama e outras coisas.
Lembro-me de uma comissária que, antes de
entrar para a aviação, tinha um namorado muito rico e, quando ela ia visitá-lo,
tinha que ir às expensas dele, com uniforme e mala de comissária. É uma coisa
estranha e parece uma tara, mas não é. É o simbolismo do complexo de Édipo
fortemente impregnado. Daí a importância que o passageiro dá à mulher
comissária, como símbolo sexual e outras coisas, cujas razões ele próprio
desconhece. Esse lado é muito forte no ser humano e, quando ele está sensível
nas correntes entre o consciente e o inconsciente, aflora com muita facilidade.
Essa angústia que o passageiro desenvolve a
bordo é exatamente em função disso porque, quando temos medo de alguma coisa,
temos duas alternativas: ou enfrentamos o que nos ameaça ou fugimos. A angústia
do voo é crescente justamente porque não temos como tomar conta da situação e
não temos como fugir a 10 mil metros de altura. Então, nós da empresa temos que
procurar aliviar essa angústia do passageiro. De que maneira? Com comida,
bebida, jornalzinho, sorrisos, presença física tranquila.
Quando a
comissária passa correndo, assusta os passageiros. Cada vez que alguma coisa
cai no chão, eles entram em pânico. Não acredite quando o passageiro lhe diz
que para ele é absolutamente indiferente estar a bordo ou em terra, porque é mentira.
Chassi de avião é nuvem, consequentemente o passageiro não tem nenhuma
segurança. Mas o piloto sabe das coisas, pelo ruído, pela turbulência, e
controla a força do avião na decolagem e no pouso.
Então, esse lado da mulher comissária é algo
que deveria ser mais bem pesquisado para se comprovar ou não essas ideias. Acho
a profissão de comissária de voo maravilhosa!
Particularmente, num país como o nosso, onde o desprestígio da mulher
nos locais de trabalho ainda é tão grande. De certa maneira ela tem um status,
uma posição definida e respeitada. Ela pode projetar sua vida, fazer uma série
de coisas. E tem um detalhe que é mais importante: a mulher comissária, que é
mãe, é uma heroína. Confesso que não sei como ela consegue ter esse
desprendimento para ser, além de mãe, uma boa comissária em momentos difíceis.
Conheço uma comissária que tem um problema
muito sério de saúde. Ela tem consciência de que sua expectativa de vida não é
muito longa e tendo filhos para cuidar e não tendo marido que dê apoio, está
fazendo da aviação o futuro dos próprios filhos. Trabalhando, vendendo coisas,
se sacrificando em tudo, na diária, no conforto pessoal, porque ela tem que
deixar o futuro dos filhos assegurado. Ela assume voos de outras pessoas, além
dos seus. É uma heroína, mais que as outras, em função do problema de saúde
latente, que não está desenvolvido, mas ela sabe que pode se desenvolver.
Esse lado comercial, essa atividade paralela,
eu vejo de duas maneiras. Na minha maneira de ser, pessoal, eu condenaria, porque
a gente deve escolher uma profissão que nos recompense tanto psicológica quanto
materialmente. De maneira que você não tenha necessidade de qualquer atividade
periférica, por princípio. Mas, atualmente eu bem sei, a profissão está com
salários defasados e essas atividades paralelas deixaram de ser apenas para
obter mais conforto e passaram a ser uma questão de sobrevivência. Até
relativamente pouco tempo atrás, coisa de uns 10 anos, a remuneração de vocês
era muito melhor.
Antes,
quando o comissário aproveitava a sua profissão para fazer algum tipo de
comércio, ele fazia para melhorar a marca do carro, comprar um apartamento
melhor, adquirir uma casinha de fim-de-semana ou para sustentar duas famílias,
pois até isso entrava no contexto. Hoje, tenho a impressão de que passou a ser
uma necessidade de sobrevivência, para pagar colégio para os filhos, contas de
condomínio etc. Provavelmente porque na aviação os comissários convivem com
pessoas de um nível social elevado e procuram elevar o seu padrão.
O segundo trabalho que escrevi trata desse
assunto. Os comissários de voo vivem num ambiente de trabalho em desacordo com
a realidade do dia-a-dia. Até que ponto essas coisas são tão fortes que levam
as pessoas a viver na fantasia? Até que ponto a convivência com outras pessoas
de nível elevado, tanto social como cultural e financeiro, afeta a vida dos
comissários? Acredito que essa convivência faz com eles aspirem a uma posição
melhor. Mas a profissão do Comissário de Voo é uma profissão modesta, nem exige
curso superior.
Lembro-me de um comissário que uma vez me
procurou. Ele era aquele que vivia reclamando de tudo e de todos na empresa. Um
dia ele foi me procurar com o filho que queria ser comissário. Achei tão
curioso e perguntei: Você que reclama tanto da empresa quer que seu filho dê
continuação às suas reclamações? Ele não encontrou resposta.
Sr. Alfredo
(Psicólogo, familiarizado no atendimento de
tripulantes):
A aviação é um todo para a maioria das
comissárias e elas sentem prazer em participar desse todo. Elas sentem prazer
no que fazem e se dedicam à profissão inteiramente. Muitas daquelas que
procuram a terapia, o fazem por outras questões, não relacionadas diretamente
com a profissão. São questões pessoais, ligadas ao próprio desenvolvimento
emocional.
Com o tempo de vivência nesse cenário amplo e
diversificado que é o mundo da aviação, muitas percebem que suas vidas ficam
dispersas, que não conseguem equilíbrio nos papéis de mãe, esposa e dona de
casa. Começam a se angustiar e procuram a terapia para refletir sobre essas
questões que as afligem. Querem encontrar um meio de lidar melhor com as
situações que enfrentam, com a frustração de não poderem estar mais presentes
em determinadas datas com as pessoas que gostam.
É lógico
que uma parte da frustração está relacionada com o exercício profissional.
Existem as compensações profissionais, pois elas gostam muito do que fazem. Mas
existe também muita frustração, pois ganham de um lado e perdem do outro.
A dificuldade maior está na organização do
tempo. É a escala de voo que determina o que elas vão fazer na maior parte do
tempo. O tempo que sobra é para a vida particular. E o que sobra não é
suficiente para seus projetos pessoais, para construir e manter uma família,
para criar suas próprias referências e o “seu próprio lugar”. Elas vivem com a
sensação de que não estão em lugar nenhum, mas estão em todos os lugares ao
mesmo tempo.
Acho que a vida das Comissárias de Voo tem
momentos de muito “stress”, pois lidam com situações e pessoas muito
diferenciadas. Convivem com muitas pessoas ao mesmo tempo, tudo numa situação
que também é estressante, onde cada um entra com sua carga de “stress”, essa
carga emocional que é própria de cada pessoa em qualquer interação. Além das
situações vividas no interior dos aviões, durante as longas viagens onde a
interação e o stress se concentram, há outros lugares, como os hotéis, a vida
no estrangeiro... Os tripulantes estão quase sempre em trânsito, convivendo de
modo passageiro.
Apesar de viverem cercadas de pessoas, existe
também a questão da solidão. São muitas as que reclamam da solidão que sentem.
É uma questão muito pessoal. Algumas acham que resolvem esse problema da
solidão quando estão com outras pessoas. Mas há aquelas que preferem se
encontrar com elas mesmas e assim vão se conhecendo mais, se descobrindo como
pessoas. Esse caminho é o mais difícil.
A insônia é outro problema que existe e afeta
muito a qualidade de vida e de trabalho de muitas comissárias. Ao longo do tempo,
o problema do fuso horário aparece, pelo fato de trabalharem durante a noite,
em seguida durante o dia, em alternâncias de turnos que não respeitam o relógio
biológico. O organismo vai se tornando cada vez mais sensível com todas essas
oscilações.
Vocês deveriam discutir esses problemas com
os responsáveis pela empresa e encontrar meios de trabalhar de forma mais
estabilizada. Não sei como funcionam essas escalas de voo, mas esse seria um
dos caminhos possíveis para diminuir muitos dos problemas dos tripulantes. De
maneira geral, qualquer empresa deve pensar no bem-estar emocional dos seus
funcionários, pois quando eles estão bem, eles produzem mais e melhor.
Os
comissários de voo, que lidam com tantas pessoas, precisam ser pacientes,
gentis e simpáticos. Mas se estiverem estressados, se não estiverem gostando
mais do que fazem ou de como fazem, a empresa também sai perdendo. O cartão de
visita da empresa também são as pessoas que atendem.
No caso das comissárias, além da escala, é
preciso ver outros fatores: o que fazem e vivem nos voos, nos pernoites, em
suas próprias casas. Como conciliar essas variáveis e conseguir uma maneira
equilibrada de vida? É uma questão de conversar, refletir, buscar o
entendimento e possíveis caminhos, saídas e soluções.
Não tenho ideia sobre a idade ideal para a
aposentadoria das comissárias de voo, porque depende de cada pessoa. Há pessoas
com 40, 50 anos que estão bem, mostram força. Há outras, com 20 e poucos anos,
que têm dificuldades muito grandes. Também acho que a parte emocional é
fundamental. No atendimento, a simpatia, estar disponível e gostar do que está
fazendo é algo pessoal. Independente de estar ou não na aviação.
Vejo que muitas pessoas entram cheias de
ilusão, buscando muitas coisas, conhecer pessoas e lugares... Depois de algum
tempo de profissão, percebem que não é bem assim e vão se deparando com as
frustrações. Para muitas, fica insuportável continuar no trabalho. É um
trabalho árduo, difícil! O suporte eram as ilusões, mas quando elas acabam,
onde arranjar forças para continuar?
O lado positivo também existe para muitas
pessoas: elas gostam do que fazem, se interessam pelo que encontram,
desenvolvem seus conhecimentos, melhoram sua cultura, apesar das dificuldades.
É preciso ter maturidade emocional para aproveitar todas as oportunidades que a
profissão oferece e assim enriquecer a própria vida. Para aquelas que não
chegam nesse estágio, que se sentem frustradas ou confusas, a terapia
psicológica pode ajudar muito. Com a terapia, a pessoa começa a pensar nela
mesma, a ter um tempo para se olhar, corrigir algumas coisas e buscar outras
fontes de participação e de prazer.
Passageiro da Primeira
Classe:
A empresa
teve um índice espetacular na qualidade de seus serviços, quando o Rubem Berta
era vivo. Ele foi o grande responsável pelo crescimento da empresa. Ele tinha
uma namorada, dona Charlotte, que treinava as inspetoras de bordo e as
comissárias das primeiras turmas nessa profissão. Era uma mulher extremamente
bem educada que passava às tripulações a sua experiência de protocolo, de boas
maneiras, mas isso, aos poucos, foi morrendo, depois da morte do Rubem Berta.
Depois a empresa entrou num ciclo de serviço de bordo muito pomposo. Jantares
que passaram a demorar duas ou três horas (estou falando da primeira classe,
que é a que eu conheço). E quem viaja em avião como eu, quer comer e dormir, às
vezes nem quer comer. Quer um bom atendimento, quer que a poltrona funcione,
quer que as coisas sejam limpas. Hoje em dia, a gente percebe que falta
manutenção em todos os cantos do avião e que o serviço de bordo da Varig é
atencioso, mas está completamente ultrapassado.
Quando se viaja pela Swissair, Air Singapura,
Air Malasia ou Cathay Pacific não há termos de comparação porque o treinamento
que os comissários recebem é muito superior. As moças todas são portadoras de
diploma de nível superior e aqui esses requisitos ficaram para trás. Na Varig,
o atendimento das moças é bom, elas são atentas, mas não são treinadas. Não
sabem preparar as iguarias que servem e isso a gente vê pelo modo de servirem.
Elas têm pouca intimidade com as coisas que servem, não conseguem explicar
direito o que estão servindo, não sabem nem ler a explicação que vem no
cardápio. Por sua vez, os passageiros são muito curiosos.
A principal função da Comissária de Voo é
fazer com que o passageiro se sinta em casa, ganhe intimidade com o avião e
perca o medo de voar se ele for novato, ou relaxar se é um passageiro que vive
viajando. A verdade é que isso exige muito esforço de cada um e na Varig cada
tripulação tem um nível de serviço. Uns
são bons, outros não são bons. Justamente por
isso parece faltar controle na qualidade do serviço da empresa. Como a
Varig está com problemas de finanças, dá a impressão de que essa rotina foi
deixada de lado.
Quanto ao atendimento das comissárias de voo,
acho que é fundamental ter educação para falar com as pessoas, ler os jornais,
entender de História Moderna Mundial, e também ter conhecimentos da rota que
está fazendo. Na rota para Hong Kong, por exemplo, ela tem que saber o que está
acontecendo na Ásia, em Hong Kong e em Bangkok. Ela tem que ler especialmente a
revista Asia Business porque os passageiros dessa rota são geralmente ricos,
formados, executivos, comerciantes. Se as moças conhecem o assunto de interesse
do seu passageiro da 1ª classe, elas vão atrair para a empresa a frequência
desses passageiros em suas rotas.
Não tenho
nenhuma queixa das aeromoças. Jamais fui maltratado em qualquer voo da Varig.
Sou uma pessoa que viaja muito e já não voo tanto pela Varig há uns sete anos,
desde que o seu serviço começou a declinar. Especialmente na rota de Nova York.
Agora voltei a usar essa oportunidade de voar direto para Nova York sem pousar
em São Paulo, mas o serviço, comparando com o da United e da American, está em
grande desvantagem. Nota-se também a falta de entusiasmo da tripulação. As
pessoas estão receosas de perderem seus empregos e espero que isso não
aconteça. Espero que a Varig tenha a oportunidade de se reerguer e partir para
a oferta de melhores serviços aos seus passageiros.
Passageiro da Classe
Executiva:
Na época em que eu não viajava de avião,
ouvia falar da aeromoça como símbolo de beleza. Nós achávamos que ela era o
máximo. A profissão era o sonho de todas as minhas amigas, elas queriam ser
aeromoças. Depois, com o passar dos anos, comecei a viajar e tive a
oportunidade de ver que elas são pessoas normais. Viajo a cada 15 dias e então
os amigos dizem: “Que bom, hein!?” As primeiras viagens são ótimas, depois vira
rotina.
No início eu dizia para as comissárias: “A
profissão de vocês deve ser muito gostosa, cada vez vocês estão em um lugar do
mundo, conhecendo coisas novas, fazendo compras...” Aí elas me diziam que o
trabalho era muito cansativo, que elas aguentavam porque era a profissão que
tinham escolhido, mas que não era tão gostoso assim. Eu só via e imaginava o
lado bom. As pessoas que viajam pouco pensam assim e eu também pensava.
O atendimento da Varig é bom, mas conheço
companhias aéreas com péssimo atendimento.
Quando viajo para Bangkok eu prefiro ir com a Varig. Na primeira classe
o serviço é excelente. Mas na econômica já é diferente, o atendimento deixa a
desejar. Os comissários respondem com má vontade se a gente pede alguma coisa
extra. Ou dizem: “o senhor aguarde um pouco” e depois não voltam mais. Se você
torna a pedir, a resposta é: “a cerveja acabou”. Isso já me aconteceu várias
vezes.
Quando
viajamos muito, começamos a perceber que o trabalho das comissárias não é tão
bom assim. A vida que elas vivem é parecida com a minha, porque eu paro pouco
na minha casa e no Brasil. É ruim porque, se ela é casada e mãe, os filhos vão
crescendo e ela está distante para acompanhar esse crescimento. Quem casa quer
casa, a mulher quer o marido e o marido quer a mulher. Então é ruim para o
marido, para a mulher e para os filhos. É o meu caso! Gostaria de ganhar o que
ganho sem ter que viajar e ficar longe da minha família.
No começo, ficamos empolgados e isso deve
acontecer com os comissários: eles têm as diárias, que é um dinheiro extra que
entra no ordenado, ficam em bons hotéis, conhecem lugares e pessoas diferentes,
podem fazer compras etc. Mas, com o tempo, as pessoas diferentes vão ficando
iguais à gente. No início é tudo uma grande ilusão. Depois, a gente percebe que
o trabalho é como outro qualquer ou até pior por não se estar com a família e
com os amigos. É aquela história, quando a gente não está dentro de um
trabalho, vê tudo diferente.
Quanto ao atendimento, o importante na
profissão é que a pessoa seja gentil e educada; a idade não atrapalha. A
comissária não precisa ser jovem e bonita para cumprir a sua função, embora
seja mais agradável ser servido por uma pessoa bonita. Se for burra ou atender
de má vontade, não adianta ser bonita. Tem que ser um conjunto equilibrado.
Como homem, se pudesse reunir o útil ao agradável, gostaria de ser servido por
uma mulher bonita e inteligente.
Passageiro da Classe
Econômica:
Antes de começar a viajar eu pensava que a
comissária de voo tinha uma vida boa porque viajava muito, ficava em bons
hotéis, conhecia lugares bonitos. Depois que comecei a viajar vi que tem o
outro lado. Ela fica longe de familiares e amigos, o que deve ser bem difícil.
Eu sei que há certas rotas (ponte aérea) que são para as comissárias que tiveram
filhos e não querem ficar muito tempo longe de casa. Elas vão e voltam no mesmo
dia.
A comissária de voo ideal, que a gente
gostaria que nos servisse, é difícil de encontrar nos dias de hoje. O
atendimento na primeira classe e na classe executiva é bem diferente do
oferecido na classe econômica, onde
encontramos comissárias irritadas, se queixando que o salário é baixo e isso eu
testemunhei há pouco tempo.
Na cabine
executiva há pessoas arrogantes na hora de servir. Por exemplo: eu estava
tomando coca cola, pedi água para a comissária e dei o meu copo para ela. Ela
falou: “Mas o senhor não estava tomando outro líquido neste copo?” Sim, eu
estava. Aí ela disse: “Então eu vou trocar o copo”. Eu falei: “Não precisa”. Aí
ela respondeu: “O senhor está voando pela Varig!” Na hora, eu fiquei com
vontade de dar uma resposta à altura, mas fiquei quieto. Essa arrogância é
comum em alguns comissários mais antigos. O atendimento da Varig é razoável,
chega a ser bom, depende da cabine e dos tripulantes.
Eu tenho conversado com muitas comissárias e
sei que entre elas há as que não vivem apenas do salário. Enquanto estão
trabalhando no voo, levam vida de cinderelas: ficam em hotéis cinco estrelas,
onde tudo é muito bonito, conhecem pessoas importantes, vão a bons restaurantes.
Mas, quando recebem o salário no final do mês, elas percebem que a realidade é
outra. Então, muitas começam a sonhar mais alto e partem para o comércio,
compram mercadorias no estrangeiro para vender no Brasil.
Imagino como deve ser difícil para as
mulheres casadas que têm filhos e ficam longe da família. Mas é a profissão que
elas escolheram. Então elas têm que cumprir o seu papel, que é dar atenção aos
passageiros porque são eles que pagam a passagem e não têm nada a ver com os
problemas que elas enfrentam. Se a comissária está satisfeita com o trabalho,
deve permanecer na profissão e oferecer um bom atendimento. Se não está, deve
fazer como as outras pessoas: procurar outra coisa que satisfaça o seu ego ou a
sua necessidade financeira.
Eu sou um passageiro que viaja há muito
tempo. Acho que o atendimento aqui na Varig é médio e podia ser muito melhor,
principalmente na cabine econômica.
Passageira da Classe
Executiva:
Acho que as comissárias de voo (eu tenho
experiência de andar de avião, mas tenho pouca cultura nessa área) são mulheres
bonitas, inteligentes e de bom nível, mas têm uma função subalterna. Elas nos
servem como nos servem as nossas copeiras. Então, acho que a mulher que
trabalha nessa profissão é igual a qualquer outra pessoa.
Também acho que a comissária de voo é brava,
é mais um tipo de mulher que está enfrentando a vida com dignidade, lutando pra
danar, numa profissão muito adversa porque é impossível ser mãe e estar na 2ª
feira no Rio, na 3ª em Paris, na 4ª em Lisboa e na 5ª no Rio novamente. Acho
que é a pior profissão no mundo para a mulher, que é mãe. E como mulher também,
porque o seu homem fica em terra, a não ser que ela seja casada com um piloto.
Se for casada com um piloto então é uma tragédia porque cada um tem um roteiro
diferente.
A
comissária de voo é aquela pessoa que vem me dar de comer, que vem me ensinar
como sobreviver em caso de emergência. Nós, como passageiros habituais, não
costumamos prestar atenção às regras internacionais, às saídas de emergência,
se tem uma asa aqui e outra ali. Não prestamos atenção nisso porque estamos
acostumados a viajar. Mas sabemos que, na hora que o avião estiver em situação
de emergência, é a comissária que a gente vai chamar para nos salvar. E mesmo
que tenha um homem direcionando, eu vou é atrás da mulher, porque ela vai me
ensinar o lugar certo, ela vai fazer tudo o que puder para nos salvar. A mulher
é mais objetiva, levanta a cabeça e entra inteira no trabalho.
A profissão tem seus atrativos, mas é um
pouco pesada para as mulheres. Durante a noite inteira, nos voos
internacionais, elas ficam de pé, andando pelo avião. Além disso, há o problema
do fuso horário e só isso eu acho uma loucura. Mas para quem gosta de viajar,
pode conhecer o mundo inteiro... É uma profissão como as outras, tem o lado
positivo e o negativo.
É razoavelmente bem assalariada porque não é
exigida uma formação de nível superior, mas sem grandes possibilidades de
avançar financeiramente. O topo da carreira não é grande coisa. Quando a pessoa
se desenvolve por conta própria, quando estuda outros idiomas ou cursa uma
faculdade, é bom para a empresa, mas para a pessoa pouco significa em termos de
carreira. É investimento para o futuro.
Para quem tem família acho uma profissão muito
difícil. A mulher que se ausenta de casa mais de 10 dias por mês, é uma pessoa
que está muito ausente. A criança não tem hora para adoecer e o marido também
não. Nessa profissão a mulher teria que se aposentar com muito menos tempo que
nas outras profissões. Não por causa da aparência, isso é conceito antigo e
idiota, mas por ser cansativa e exigir muito da mulher em termos de saúde
física e emocional.
A comissária de voo precisa ter boa
apresentação, ser agradável, ter disposição e vitalidade, o que não acontece
nos voos internacionais. As comissárias das grandes companhias aéreas, no
geral, são mal humoradas e respondem com rispidez. Falo da American Airlines,
Alitália, Air France. A sensação que eu tenho é que elas estão ali maltratando
os passageiros. Eu tenho medo de tocar a campainha e pedir alguma coisa; fico
com a impressão de que elas vão me tratar com má vontade.
Antigamente
elas conversavam com a gente e tinham muito mais cuidado com as crianças; até
as pegavam no colo e davam brinquedinhos. A qualquer hora que eram chamadas,
atendiam com um sorriso. Isso não existe mais. Agora elas dizem para esperar
porque há muitos passageiros e cada um tem que esperar a sua vez. Ou dizem que
não entendem o que a gente está falando. Não falam a nossa língua e nem querem
saber. Há voos da American Air Lines para o Brasil que não têm um comissário
que fale o nosso idioma. Eu voo pela American por causa do preço e das
milhagens.
Quanto ao serviço de bordo, eu não vejo
diferença entre as companhias aéreas. É ruim em todas. A comida é ruim e a
gente tem medo de passar mal. A Air France serve champanhe de boa qualidade,
mas o serviço é ruim. Uma bebida com um saquinho de amendoim, até servirem o
jantar. Um prato só. Massa, frango ou peixe. A gente pede massa, mas acabou.
Pede frango e também acabou. Aí servem o último, que ninguém queria. Eu acho
péssimo. E a passagem continua muito cara. Dentro do Brasil, as passagens são
ainda mais caras. Eu não vejo diferença de tratamento de uma companhia para
outra, porque viajo sempre na cabine econômica. Os lugares são apertados e
agora não estão nem marcando os lugares. Viajei, recentemente, com uma amiga e
tivemos que ficar separadas durante a viagem.
Marido de Comissária:
Acho que é uma ótima profissão,
principalmente quando eu estou viajando como passageiro. É uma profissão
fascinante! Ela vive acima das nuvens, portanto acima das tempestades. Vive no
céu azul e, naturalmente, vive perigosamente. Mas é fascinante e todos acham
isso. A pessoa se torna cosmopolita, não é mesmo?
Com o uniforme, as Comissárias de Voo são
muito elegantes e nos passam uma imagem muito agradável. Como terráqueo, com o
pé no solo e casado com uma delas, tenho que me adaptar. Vivo sempre na
expectativa da partida ou da chegada. De estar e não estar com a mulher. A
minha mulher, eu sempre preferi sem o uniforme.
Quanto
aos pernoites, eu prefiro ter a expectativa da chegada, mas sei que o primeiro
dia de pernoite é de descanso e o último é de repouso porque ela vai viajar e
passar a noite trabalhando.
As
pessoas estranhas à nossa vida, de todas as faixas etárias, recém-casados,
casados há muitos anos, acham que nunca temos uma rotina e me perguntam: é o
primeiro casamento? Eu respondo: sim e provavelmente o último. Estamos casados
há 25 anos. Eu não sei o que é ter uma rotina de casamento a não ser com uma
comissária de voo. Existe rotina? Rotina é o dia a dia.
O que espero encontrar num livro sobre
comissárias de voo? Gostaria que o livro generalizasse a profissão, que
retratasse a vida real das comissárias e acabasse com essa imagem estereotipada
que se mantém até hoje. Que mostrasse a importância da aviação e da comissária
de voo, pois o serviço que ela faz é fundamental: a dinâmica da relação social,
o fato de lidar com várias pessoas diferentes.
Medo de voar? Não, eu adoro voar! O
atendimento nos meus voos tem sido satisfatório. Com a simpatia que sempre
tenho recebido eu me sinto muito bem, mais pelo reflexo do relacionamento da
minha mulher com os colegas. É sintomático, o ego fica bem acariciado. Vejo que
as pessoas gostam dela e isso me faz bem. Só tenho a agradecer.
Comissário, marido de
Comissária:
Estar casado com uma Comissária de Voo e voar
junto significa estar o tempo todo junto: sair de casa, viajar, trabalhar,
pernoitar, voltar para casa. A princípio, envolve duas questões: ou você se dá
bem com sua mulher e isso não incomoda, ou o cotidiano começa a incomodar,
porque acaba ficando tudo rotineiro, sem novidades. Para alguns, isso interfere
no relacionamento e na vida íntima do casal. No meu caso, meu dou muito bem com
minha esposa, não tenho nenhum problema, isso não atrapalha.
O problema em si, da profissão de
comissária de voo, é o fato de que o trabalho é extremamente agressivo, principalmente
no aspecto físico. Dou exemplos: ter que suportar longas noites de trabalho em
ambiente pressurizado e as mudanças de fuso horário. Isso eu acompanho de perto
e sinto as mesmas dificuldades, mas o prejuízo é maior para as mulheres. Se ela
não tiver uma vida regrada, se não viver uma vida sistemática, vai sofrer ainda
mais.
Se eu estivesse casado com uma mulher que não
fosse comissária de voo, acho que seria impossível manter o relacionamento numa
linha normal, sob o aspecto afetivo e social. O trabalho de quem é tripulante
interfere nestes aspectos. Não dá para planejar direito nem a vida familiar,
imagine a social.
A aviação nos oferece muitas vantagens, mas
nos cobra muito caro por elas. Eu não tenho experiência de ser casado com
mulher fora da aviação e da minha mulher não tenho nada a reclamar.
Estamos
casados há 10 anos e estávamos planejando ter um filho. Aí veio a crise na
Varig, ficamos numa situação de instabilidade e até acovardados. Nossas
famílias não são do Rio de Janeiro. Não temos uma pessoa de confiança para
deixar a criança e isso é um problema para nós. É difícil arranjar uma boa
empregada. No caso, um dos dois vai ter que sair da aviação, ela
preferencialmente. Diante disso, fico numa situação em que não posso optar, nem
obrigá-la a sair. Mesmo que pudesse não faria isso. Por que não? Para não
interferir na vida profissional dela, pois ela gosta do que faz, apesar do
cansaço que sofre.
Estamos procurando alternativas, como voar na
Rota (voos mais curtos, sem pernoites). A Rota deveria ser exclusiva para
situações específicas, como no nosso caso, pois queremos muito ter um filho e
não temos com quem deixá-lo. Ou nos casos de pessoas que já não tenham tanta
capacidade física, ou que tenham problemas de saúde, mas que ainda consigam
trabalhar. Esse tipo de coisa, eu não sei ainda como vamos fazer. É o tempo que
vai responder.
Comissário, marido de
ex-Comissária:
Sou casado com uma ex-comissária. Considero a
profissão de comissária de voo excelente e até necessária para a mulher. Mas
ela deve começar cedo e ter um tempo limitado para ficar. A mulher deve sair
bonita como ela entrou. Eu estou trabalhando há 25 anos e me sinto como no dia
que entrei. E isso é possível para a mulher também. Há mulheres que estão com
25 anos de voo e estão muito bem, mas há outras com menos de 10 anos que estão
acabadas. Tudo depende de como se cuidam. Muitas acham que estão estabilizadas
e se acomodam, perdem a vaidade. Assim também é na relação com o marido e
filhos.
Quando a
comissária de voo casa e tem filhos, ela não deveria mais voar. A mãe não
deveria voar, mesmo que tenha necessidade. E se o marido trabalha na aviação,
ela ou ele tem que parar de voar. Minha mulher parou de trabalhar. Nós temos
dois filhos (uma tem 13 e o outro tem 12 anos). É uma profissão que tem um
grande desgaste físico e quem está nela tem que se preparar para esse desgaste.
Acho que a mulher que é mãe não deveria voar.
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