quinta-feira, 12 de junho de 2014

Depoimentos Sobre a profissão de Comissários de Voo - com ênfase no papel da mulher Comissária

Depoimentos
Sobre a profissão de Comissários de Voo
- com ênfase no papel da mulher Comissária


Registro aqui alguns depoimentos de pessoas que, de uma forma ou de outra, estavam envolvidas com a aviação e tinham sua visão particular do trabalho e da vida das Comissárias de Voo: psicólogos, passageiros e passageiras, maridos de comissárias, colegas do voo e pessoal da empresa. São depoimentos sinceros (nem todos elogiosos) que retratam a percepção que cada um tinha sobre a realidade da aviação nos anos 90. Percepções que são importantes, pois permitem a nossa reflexão sobre os alicerces da profissão naqueles dias e nos dias de hoje. 

Sr. Sérgio Mauro
(Psicólogo e Assessor da Diretoria do Serviço de Bordo da VARIG):
Até alguns anos atrás, os profissionais dessa área, de modo geral, não sabiam definir sua própria profissão. Mesmo sendo bons profissionais, eles não verbalizavam definições e isso contribuiu para uma mística ou deturpação daquilo que eu consideraria mais importante na profissão. De uns tempos para cá, com algumas pressões de natureza corporativa (via associação de comissários e sindicato da categoria), é que as definições foram adquirindo destaque.
Uma delas, considerada mais importante, diz respeito à responsabilidade do tripulante de cabine (comissário de voo) com a segurança do voo em situações de emergência. Ainda que todos nós desejemos que isso nunca aconteça, é o comissário que tem essa enorme responsabilidade. Eu lamento que poucos se concentrem como deveriam nessa responsabilidade nos momentos de pousos e decolagens porque são os mais importantes e cruciais.
Hoje nós temos uma visão mais clara do que é a profissão e damos o devido valor à segurança a bordo. Tanto a segurança quanto o atendimento aos passageiros são importantes. Mas, como não existe nada mais importante que a própria vida, a segurança tem que ter o destaque que merece. 
Aqui na empresa, nós vivemos outro momento histórico que é a compreensão do aspecto da qualidade do atendimento e o que isso representa em termos do mercado, que está cada vez mais competitivo. Por mais racionais que queiramos ser, no que diz respeito à alimentação a bordo, achando que é secundária e dispensável e que o importante é o atendimento, eu continuo pensando que ela é muito importante.
Sabemos que todo passageiro é um angustiado (a ideia não é minha, mas já fiz dois trabalhos sobre isso) e que para ele a alimentação e a bebida são importantes, pois têm um efeito altamente compensatório.
O meu primeiro trabalho foi feito a partir de uma pesquisa elaborada por um ex-piloto americano, que depois se dedicou ao estudo da psicologia, sobre o ânimo dos passageiros a bordo, que era melhorado ou piorado de acordo com o desempenho dos tripulantes. Nesse trabalho enfatizo duas coisas:
1) Simbolicamente, o pai dos passageiros é o comandante que, quando diz “daqui a dez minutos vamos pousar no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro”, é como se dissesse “vamos pousar mesmo”. Daí a importância do comandante fazer o anúncio a bordo e estar sempre se comunicando com os passageiros.
2) Simbolicamente, a comissária de voo representa a figura materna e é impressionante o simbolismo forte do papel da mulher comissária de voo, como mãe dos angustiados a bordo. Nesse aspecto, ela deveria ser mais bem instruída a explorar isso em favor dos passageiros.
Em voo e em terra, existe uma espécie de encantamento do homem pela comissária de voo. Na cabeça deles, todas são bonitas, bem arrumadas, boas de cama e outras coisas.
Lembro-me de uma comissária que, antes de entrar para a aviação, tinha um namorado muito rico e, quando ela ia visitá-lo, tinha que ir às expensas dele, com uniforme e mala de comissária. É uma coisa estranha e parece uma tara, mas não é. É o simbolismo do complexo de Édipo fortemente impregnado. Daí a importância que o passageiro dá à mulher comissária, como símbolo sexual e outras coisas, cujas razões ele próprio desconhece. Esse lado é muito forte no ser humano e, quando ele está sensível nas correntes entre o consciente e o inconsciente, aflora com muita facilidade.
Essa angústia que o passageiro desenvolve a bordo é exatamente em função disso porque, quando temos medo de alguma coisa, temos duas alternativas: ou enfrentamos o que nos ameaça ou fugimos. A angústia do voo é crescente justamente porque não temos como tomar conta da situação e não temos como fugir a 10 mil metros de altura. Então, nós da empresa temos que procurar aliviar essa angústia do passageiro. De que maneira? Com comida, bebida, jornalzinho, sorrisos, presença física tranquila.
Quando a comissária passa correndo, assusta os passageiros. Cada vez que alguma coisa cai no chão, eles entram em pânico. Não acredite quando o passageiro lhe diz que para ele é absolutamente indiferente estar a bordo ou em terra, porque é mentira. Chassi de avião é nuvem, consequentemente o passageiro não tem nenhuma segurança. Mas o piloto sabe das coisas, pelo ruído, pela turbulência, e controla a força do avião na decolagem e no pouso.
Então, esse lado da mulher comissária é algo que deveria ser mais bem pesquisado para se comprovar ou não essas ideias. Acho a profissão de comissária de voo maravilhosa!  Particularmente, num país como o nosso, onde o desprestígio da mulher nos locais de trabalho ainda é tão grande. De certa maneira ela tem um status, uma posição definida e respeitada. Ela pode projetar sua vida, fazer uma série de coisas. E tem um detalhe que é mais importante: a mulher comissária, que é mãe, é uma heroína. Confesso que não sei como ela consegue ter esse desprendimento para ser, além de mãe, uma boa comissária em momentos difíceis.
Conheço uma comissária que tem um problema muito sério de saúde. Ela tem consciência de que sua expectativa de vida não é muito longa e tendo filhos para cuidar e não tendo marido que dê apoio, está fazendo da aviação o futuro dos próprios filhos. Trabalhando, vendendo coisas, se sacrificando em tudo, na diária, no conforto pessoal, porque ela tem que deixar o futuro dos filhos assegurado. Ela assume voos de outras pessoas, além dos seus. É uma heroína, mais que as outras, em função do problema de saúde latente, que não está desenvolvido, mas ela sabe que pode se desenvolver.
Esse lado comercial, essa atividade paralela, eu vejo de duas maneiras. Na minha maneira de ser, pessoal, eu condenaria, porque a gente deve escolher uma profissão que nos recompense tanto psicológica quanto materialmente. De maneira que você não tenha necessidade de qualquer atividade periférica, por princípio. Mas, atualmente eu bem sei, a profissão está com salários defasados e essas atividades paralelas deixaram de ser apenas para obter mais conforto e passaram a ser uma questão de sobrevivência. Até relativamente pouco tempo atrás, coisa de uns 10 anos, a remuneração de vocês era muito melhor.
Antes, quando o comissário aproveitava a sua profissão para fazer algum tipo de comércio, ele fazia para melhorar a marca do carro, comprar um apartamento melhor, adquirir uma casinha de fim-de-semana ou para sustentar duas famílias, pois até isso entrava no contexto. Hoje, tenho a impressão de que passou a ser uma necessidade de sobrevivência, para pagar colégio para os filhos, contas de condomínio etc. Provavelmente porque na aviação os comissários convivem com pessoas de um nível social elevado e procuram elevar o seu padrão.
O segundo trabalho que escrevi trata desse assunto. Os comissários de voo vivem num ambiente de trabalho em desacordo com a realidade do dia-a-dia. Até que ponto essas coisas são tão fortes que levam as pessoas a viver na fantasia? Até que ponto a convivência com outras pessoas de nível elevado, tanto social como cultural e financeiro, afeta a vida dos comissários? Acredito que essa convivência faz com eles aspirem a uma posição melhor. Mas a profissão do Comissário de Voo é uma profissão modesta, nem exige curso superior.
Lembro-me de um comissário que uma vez me procurou. Ele era aquele que vivia reclamando de tudo e de todos na empresa. Um dia ele foi me procurar com o filho que queria ser comissário. Achei tão curioso e perguntei: Você que reclama tanto da empresa quer que seu filho dê continuação às suas reclamações? Ele não encontrou resposta.
  
Sr. Alfredo       
(Psicólogo, familiarizado no atendimento de tripulantes):
A aviação é um todo para a maioria das comissárias e elas sentem prazer em participar desse todo. Elas sentem prazer no que fazem e se dedicam à profissão inteiramente. Muitas daquelas que procuram a terapia, o fazem por outras questões, não relacionadas diretamente com a profissão. São questões pessoais, ligadas ao próprio desenvolvimento emocional.
Com o tempo de vivência nesse cenário amplo e diversificado que é o mundo da aviação, muitas percebem que suas vidas ficam dispersas, que não conseguem equilíbrio nos papéis de mãe, esposa e dona de casa. Começam a se angustiar e procuram a terapia para refletir sobre essas questões que as afligem. Querem encontrar um meio de lidar melhor com as situações que enfrentam, com a frustração de não poderem estar mais presentes em determinadas datas com as pessoas que gostam.
É lógico que uma parte da frustração está relacionada com o exercício profissional. Existem as compensações profissionais, pois elas gostam muito do que fazem. Mas existe também muita frustração, pois ganham de um lado e perdem do outro.
A dificuldade maior está na organização do tempo. É a escala de voo que determina o que elas vão fazer na maior parte do tempo. O tempo que sobra é para a vida particular. E o que sobra não é suficiente para seus projetos pessoais, para construir e manter uma família, para criar suas próprias referências e o “seu próprio lugar”. Elas vivem com a sensação de que não estão em lugar nenhum, mas estão em todos os lugares ao mesmo tempo.
Acho que a vida das Comissárias de Voo tem momentos de muito “stress”, pois lidam com situações e pessoas muito diferenciadas. Convivem com muitas pessoas ao mesmo tempo, tudo numa situação que também é estressante, onde cada um entra com sua carga de “stress”, essa carga emocional que é própria de cada pessoa em qualquer interação. Além das situações vividas no interior dos aviões, durante as longas viagens onde a interação e o stress se concentram, há outros lugares, como os hotéis, a vida no estrangeiro... Os tripulantes estão quase sempre em trânsito, convivendo de modo passageiro.
Apesar de viverem cercadas de pessoas, existe também a questão da solidão. São muitas as que reclamam da solidão que sentem. É uma questão muito pessoal. Algumas acham que resolvem esse problema da solidão quando estão com outras pessoas. Mas há aquelas que preferem se encontrar com elas mesmas e assim vão se conhecendo mais, se descobrindo como pessoas. Esse caminho é o mais difícil.
A insônia é outro problema que existe e afeta muito a qualidade de vida e de trabalho de muitas comissárias. Ao longo do tempo, o problema do fuso horário aparece, pelo fato de trabalharem durante a noite, em seguida durante o dia, em alternâncias de turnos que não respeitam o relógio biológico. O organismo vai se tornando cada vez mais sensível com todas essas oscilações.
Vocês deveriam discutir esses problemas com os responsáveis pela empresa e encontrar meios de trabalhar de forma mais estabilizada. Não sei como funcionam essas escalas de voo, mas esse seria um dos caminhos possíveis para diminuir muitos dos problemas dos tripulantes. De maneira geral, qualquer empresa deve pensar no bem-estar emocional dos seus funcionários, pois quando eles estão bem, eles produzem mais e melhor.
Os comissários de voo, que lidam com tantas pessoas, precisam ser pacientes, gentis e simpáticos. Mas se estiverem estressados, se não estiverem gostando mais do que fazem ou de como fazem, a empresa também sai perdendo. O cartão de visita da empresa também são as pessoas que atendem.
No caso das comissárias, além da escala, é preciso ver outros fatores: o que fazem e vivem nos voos, nos pernoites, em suas próprias casas. Como conciliar essas variáveis e conseguir uma maneira equilibrada de vida? É uma questão de conversar, refletir, buscar o entendimento e possíveis caminhos, saídas e soluções.
Não tenho ideia sobre a idade ideal para a aposentadoria das comissárias de voo, porque depende de cada pessoa. Há pessoas com 40, 50 anos que estão bem, mostram força. Há outras, com 20 e poucos anos, que têm dificuldades muito grandes. Também acho que a parte emocional é fundamental. No atendimento, a simpatia, estar disponível e gostar do que está fazendo é algo pessoal. Independente de estar ou não na aviação.
Vejo que muitas pessoas entram cheias de ilusão, buscando muitas coisas, conhecer pessoas e lugares... Depois de algum tempo de profissão, percebem que não é bem assim e vão se deparando com as frustrações. Para muitas, fica insuportável continuar no trabalho. É um trabalho árduo, difícil! O suporte eram as ilusões, mas quando elas acabam, onde arranjar forças para continuar?
O lado positivo também existe para muitas pessoas: elas gostam do que fazem, se interessam pelo que encontram, desenvolvem seus conhecimentos, melhoram sua cultura, apesar das dificuldades. É preciso ter maturidade emocional para aproveitar todas as oportunidades que a profissão oferece e assim enriquecer a própria vida. Para aquelas que não chegam nesse estágio, que se sentem frustradas ou confusas, a terapia psicológica pode ajudar muito. Com a terapia, a pessoa começa a pensar nela mesma, a ter um tempo para se olhar, corrigir algumas coisas e buscar outras fontes de participação e de prazer.

Passageiro da Primeira Classe:
A empresa teve um índice espetacular na qualidade de seus serviços, quando o Rubem Berta era vivo. Ele foi o grande responsável pelo crescimento da empresa. Ele tinha uma namorada, dona Charlotte, que treinava as inspetoras de bordo e as comissárias das primeiras turmas nessa profissão. Era uma mulher extremamente bem educada que passava às tripulações a sua experiência de protocolo, de boas maneiras, mas isso, aos poucos, foi morrendo, depois da morte do Rubem Berta. Depois a empresa entrou num ciclo de serviço de bordo muito pomposo. Jantares que passaram a demorar duas ou três horas (estou falando da primeira classe, que é a que eu conheço). E quem viaja em avião como eu, quer comer e dormir, às vezes nem quer comer. Quer um bom atendimento, quer que a poltrona funcione, quer que as coisas sejam limpas. Hoje em dia, a gente percebe que falta manutenção em todos os cantos do avião e que o serviço de bordo da Varig é atencioso, mas está completamente ultrapassado.
Quando se viaja pela Swissair, Air Singapura, Air Malasia ou Cathay Pacific não há termos de comparação porque o treinamento que os comissários recebem é muito superior. As moças todas são portadoras de diploma de nível superior e aqui esses requisitos ficaram para trás. Na Varig, o atendimento das moças é bom, elas são atentas, mas não são treinadas. Não sabem preparar as iguarias que servem e isso a gente vê pelo modo de servirem. Elas têm pouca intimidade com as coisas que servem, não conseguem explicar direito o que estão servindo, não sabem nem ler a explicação que vem no cardápio. Por sua vez, os passageiros são muito curiosos.
A principal função da Comissária de Voo é fazer com que o passageiro se sinta em casa, ganhe intimidade com o avião e perca o medo de voar se ele for novato, ou relaxar se é um passageiro que vive viajando. A verdade é que isso exige muito esforço de cada um e na Varig cada tripulação tem  um nível de serviço. Uns são bons, outros não são bons. Justamente por  isso parece faltar controle na qualidade do serviço da empresa. Como a Varig está com problemas de finanças, dá a impressão de que essa rotina foi deixada de lado.
Quanto ao atendimento das comissárias de voo, acho que é fundamental ter educação para falar com as pessoas, ler os jornais, entender de História Moderna Mundial, e também ter conhecimentos da rota que está fazendo. Na rota para Hong Kong, por exemplo, ela tem que saber o que está acontecendo na Ásia, em Hong Kong e em Bangkok. Ela tem que ler especialmente a revista Asia Business porque os passageiros dessa rota são geralmente ricos, formados, executivos, comerciantes. Se as moças conhecem o assunto de interesse do seu passageiro da 1ª classe, elas vão atrair para a empresa a frequência desses passageiros em suas rotas.
Não tenho nenhuma queixa das aeromoças. Jamais fui maltratado em qualquer voo da Varig. Sou uma pessoa que viaja muito e já não voo tanto pela Varig há uns sete anos, desde que o seu serviço começou a declinar. Especialmente na rota de Nova York. Agora voltei a usar essa oportunidade de voar direto para Nova York sem pousar em São Paulo, mas o serviço, comparando com o da United e da American, está em grande desvantagem. Nota-se também a falta de entusiasmo da tripulação. As pessoas estão receosas de perderem seus empregos e espero que isso não aconteça. Espero que a Varig tenha a oportunidade de se reerguer e partir para a oferta de melhores serviços aos seus passageiros.

 Passageiro da Classe Executiva:
Na época em que eu não viajava de avião, ouvia falar da aeromoça como símbolo de beleza. Nós achávamos que ela era o máximo. A profissão era o sonho de todas as minhas amigas, elas queriam ser aeromoças. Depois, com o passar dos anos, comecei a viajar e tive a oportunidade de ver que elas são pessoas normais. Viajo a cada 15 dias e então os amigos dizem: “Que bom, hein!?” As primeiras viagens são ótimas, depois vira rotina.
No início eu dizia para as comissárias: “A profissão de vocês deve ser muito gostosa, cada vez vocês estão em um lugar do mundo, conhecendo coisas novas, fazendo compras...” Aí elas me diziam que o trabalho era muito cansativo, que elas aguentavam porque era a profissão que tinham escolhido, mas que não era tão gostoso assim. Eu só via e imaginava o lado bom. As pessoas que viajam pouco pensam assim e eu também pensava.
O atendimento da Varig é bom, mas conheço companhias aéreas com péssimo atendimento.  Quando viajo para Bangkok eu prefiro ir com a Varig. Na primeira classe o serviço é excelente. Mas na econômica já é diferente, o atendimento deixa a desejar. Os comissários respondem com má vontade se a gente pede alguma coisa extra. Ou dizem: “o senhor aguarde um pouco” e depois não voltam mais. Se você torna a pedir, a resposta é: “a cerveja acabou”. Isso já me aconteceu várias vezes.
Quando viajamos muito, começamos a perceber que o trabalho das comissárias não é tão bom assim. A vida que elas vivem é parecida com a minha, porque eu paro pouco na minha casa e no Brasil. É ruim porque, se ela é casada e mãe, os filhos vão crescendo e ela está distante para acompanhar esse crescimento. Quem casa quer casa, a mulher quer o marido e o marido quer a mulher. Então é ruim para o marido, para a mulher e para os filhos. É o meu caso! Gostaria de ganhar o que ganho sem ter que viajar e ficar longe da minha família.   
 No começo, ficamos empolgados e isso deve acontecer com os comissários: eles têm as diárias, que é um dinheiro extra que entra no ordenado, ficam em bons hotéis, conhecem lugares e pessoas diferentes, podem fazer compras etc. Mas, com o tempo, as pessoas diferentes vão ficando iguais à gente. No início é tudo uma grande ilusão. Depois, a gente percebe que o trabalho é como outro qualquer ou até pior por não se estar com a família e com os amigos. É aquela história, quando a gente não está dentro de um trabalho, vê tudo diferente.
Quanto ao atendimento, o importante na profissão é que a pessoa seja gentil e educada; a idade não atrapalha. A comissária não precisa ser jovem e bonita para cumprir a sua função, embora seja mais agradável ser servido por uma pessoa bonita. Se for burra ou atender de má vontade, não adianta ser bonita. Tem que ser um conjunto equilibrado. Como homem, se pudesse reunir o útil ao agradável, gostaria de ser servido por uma mulher bonita e inteligente.

Passageiro da Classe Econômica:
Antes de começar a viajar eu pensava que a comissária de voo tinha uma vida boa porque viajava muito, ficava em bons hotéis, conhecia lugares bonitos. Depois que comecei a viajar vi que tem o outro lado. Ela fica longe de familiares e amigos, o que deve ser bem difícil. Eu sei que há certas rotas (ponte aérea) que são para as comissárias que tiveram filhos e não querem ficar muito tempo longe de casa. Elas vão e voltam no mesmo dia.
A comissária de voo ideal, que a gente gostaria que nos servisse, é difícil de encontrar nos dias de hoje. O atendimento na primeira classe e na classe executiva é bem diferente do oferecido na classe econômica,  onde encontramos comissárias irritadas, se queixando que o salário é baixo e isso eu testemunhei há pouco tempo.
Na cabine executiva há pessoas arrogantes na hora de servir. Por exemplo: eu estava tomando coca cola, pedi água para a comissária e dei o meu copo para ela. Ela falou: “Mas o senhor não estava tomando outro líquido neste copo?” Sim, eu estava. Aí ela disse: “Então eu vou trocar o copo”. Eu falei: “Não precisa”. Aí ela respondeu: “O senhor está voando pela Varig!” Na hora, eu fiquei com vontade de dar uma resposta à altura, mas fiquei quieto. Essa arrogância é comum em alguns comissários mais antigos. O atendimento da Varig é razoável, chega a ser bom, depende da cabine e dos tripulantes.
 Eu tenho conversado com muitas comissárias e sei que entre elas há as que não vivem apenas do salário. Enquanto estão trabalhando no voo, levam vida de cinderelas: ficam em hotéis cinco estrelas, onde tudo é muito bonito, conhecem pessoas importantes, vão a bons restaurantes. Mas, quando recebem o salário no final do mês, elas percebem que a realidade é outra. Então, muitas começam a sonhar mais alto e partem para o comércio, compram mercadorias no estrangeiro para vender no Brasil.
Imagino como deve ser difícil para as mulheres casadas que têm filhos e ficam longe da família. Mas é a profissão que elas escolheram. Então elas têm que cumprir o seu papel, que é dar atenção aos passageiros porque são eles que pagam a passagem e não têm nada a ver com os problemas que elas enfrentam. Se a comissária está satisfeita com o trabalho, deve permanecer na profissão e oferecer um bom atendimento. Se não está, deve fazer como as outras pessoas: procurar outra coisa que satisfaça o seu ego ou a sua necessidade financeira.
Eu sou um passageiro que viaja há muito tempo. Acho que o atendimento aqui na Varig é médio e podia ser muito melhor, principalmente na cabine econômica.

 Passageira da Classe Executiva:
Acho que as comissárias de voo (eu tenho experiência de andar de avião, mas tenho pouca cultura nessa área) são mulheres bonitas, inteligentes e de bom nível, mas têm uma função subalterna. Elas nos servem como nos servem as nossas copeiras. Então, acho que a mulher que trabalha nessa profissão é igual a qualquer outra pessoa.
Também acho que a comissária de voo é brava, é mais um tipo de mulher que está enfrentando a vida com dignidade, lutando pra danar, numa profissão muito adversa porque é impossível ser mãe e estar na 2ª feira no Rio, na 3ª em Paris, na 4ª em Lisboa e na 5ª no Rio novamente. Acho que é a pior profissão no mundo para a mulher, que é mãe. E como mulher também, porque o seu homem fica em terra, a não ser que ela seja casada com um piloto. Se for casada com um piloto então é uma tragédia porque cada um tem um roteiro diferente.
A comissária de voo é aquela pessoa que vem me dar de comer, que vem me ensinar como sobreviver em caso de emergência. Nós, como passageiros habituais, não costumamos prestar atenção às regras internacionais, às saídas de emergência, se tem uma asa aqui e outra ali. Não prestamos atenção nisso porque estamos acostumados a viajar. Mas sabemos que, na hora que o avião estiver em situação de emergência, é a comissária que a gente vai chamar para nos salvar. E mesmo que tenha um homem direcionando, eu vou é atrás da mulher, porque ela vai me ensinar o lugar certo, ela vai fazer tudo o que puder para nos salvar. A mulher é mais objetiva, levanta a cabeça e entra inteira no trabalho.

 Passageira da Classe Econômica:
A profissão tem seus atrativos, mas é um pouco pesada para as mulheres. Durante a noite inteira, nos voos internacionais, elas ficam de pé, andando pelo avião. Além disso, há o problema do fuso horário e só isso eu acho uma loucura. Mas para quem gosta de viajar, pode conhecer o mundo inteiro... É uma profissão como as outras, tem o lado positivo e o negativo.
É razoavelmente bem assalariada porque não é exigida uma formação de nível superior, mas sem grandes possibilidades de avançar financeiramente. O topo da carreira não é grande coisa. Quando a pessoa se desenvolve por conta própria, quando estuda outros idiomas ou cursa uma faculdade, é bom para a empresa, mas para a pessoa pouco significa em termos de carreira. É investimento para o futuro.
Para quem tem família acho uma profissão muito difícil. A mulher que se ausenta de casa mais de 10 dias por mês, é uma pessoa que está muito ausente. A criança não tem hora para adoecer e o marido também não. Nessa profissão a mulher teria que se aposentar com muito menos tempo que nas outras profissões. Não por causa da aparência, isso é conceito antigo e idiota, mas por ser cansativa e exigir muito da mulher em termos de saúde física e emocional.
A comissária de voo precisa ter boa apresentação, ser agradável, ter disposição e vitalidade, o que não acontece nos voos internacionais. As comissárias das grandes companhias aéreas, no geral, são mal humoradas e respondem com rispidez. Falo da American Airlines, Alitália, Air France. A sensação que eu tenho é que elas estão ali maltratando os passageiros. Eu tenho medo de tocar a campainha e pedir alguma coisa; fico com a impressão de que elas vão me tratar com má vontade.
Antigamente elas conversavam com a gente e tinham muito mais cuidado com as crianças; até as pegavam no colo e davam brinquedinhos. A qualquer hora que eram chamadas, atendiam com um sorriso. Isso não existe mais. Agora elas dizem para esperar porque há muitos passageiros e cada um tem que esperar a sua vez. Ou dizem que não entendem o que a gente está falando. Não falam a nossa língua e nem querem saber. Há voos da American Air Lines para o Brasil que não têm um comissário que fale o nosso idioma. Eu voo pela American por causa do preço e das milhagens.
Quanto ao serviço de bordo, eu não vejo diferença entre as companhias aéreas. É ruim em todas. A comida é ruim e a gente tem medo de passar mal. A Air France serve champanhe de boa qualidade, mas o serviço é ruim. Uma bebida com um saquinho de amendoim, até servirem o jantar. Um prato só. Massa, frango ou peixe. A gente pede massa, mas acabou. Pede frango e também acabou. Aí servem o último, que ninguém queria. Eu acho péssimo. E a passagem continua muito cara. Dentro do Brasil, as passagens são ainda mais caras. Eu não vejo diferença de tratamento de uma companhia para outra, porque viajo sempre na cabine econômica. Os lugares são apertados e agora não estão nem marcando os lugares. Viajei, recentemente, com uma amiga e tivemos que ficar separadas durante a viagem.

 Marido de Comissária:
Acho que é uma ótima profissão, principalmente quando eu estou viajando como passageiro. É uma profissão fascinante! Ela vive acima das nuvens, portanto acima das tempestades. Vive no céu azul e, naturalmente, vive perigosamente. Mas é fascinante e todos acham isso. A pessoa se torna cosmopolita, não é mesmo?
Com o uniforme, as Comissárias de Voo são muito elegantes e nos passam uma imagem muito agradável. Como terráqueo, com o pé no solo e casado com uma delas, tenho que me adaptar. Vivo sempre na expectativa da partida ou da chegada. De estar e não estar com a mulher. A minha mulher, eu sempre preferi sem o uniforme.
 Quanto aos pernoites, eu prefiro ter a expectativa da chegada, mas sei que o primeiro dia de pernoite é de descanso e o último é de repouso porque ela vai viajar e passar a noite trabalhando.
As pessoas estranhas à nossa vida, de todas as faixas etárias, recém-casados, casados há muitos anos, acham que nunca temos uma rotina e me perguntam: é o primeiro casamento? Eu respondo: sim e provavelmente o último. Estamos casados há 25 anos. Eu não sei o que é ter uma rotina de casamento a não ser com uma comissária de voo. Existe rotina? Rotina é o dia a dia.
O que espero encontrar num livro sobre comissárias de voo? Gostaria que o livro generalizasse a profissão, que retratasse a vida real das comissárias e acabasse com essa imagem estereotipada que se mantém até hoje. Que mostrasse a importância da aviação e da comissária de voo, pois o serviço que ela faz é fundamental: a dinâmica da relação social, o fato de lidar com várias pessoas diferentes.
Medo de voar? Não, eu adoro voar! O atendimento nos meus voos tem sido satisfatório. Com a simpatia que sempre tenho recebido eu me sinto muito bem, mais pelo reflexo do relacionamento da minha mulher com os colegas. É sintomático, o ego fica bem acariciado. Vejo que as pessoas gostam dela e isso me faz bem. Só tenho a agradecer.

 Comissário, marido de Comissária:
Estar casado com uma Comissária de Voo e voar junto significa estar o tempo todo junto: sair de casa, viajar, trabalhar, pernoitar, voltar para casa. A princípio, envolve duas questões: ou você se dá bem com sua mulher e isso não incomoda, ou o cotidiano começa a incomodar, porque acaba ficando tudo rotineiro, sem novidades. Para alguns, isso interfere no relacionamento e na vida íntima do casal. No meu caso, meu dou muito bem com minha esposa, não tenho nenhum problema, isso não atrapalha.
O problema em si, da profissão de comissária de voo, é o fato de que o trabalho é extremamente agressivo, principalmente no aspecto físico. Dou exemplos: ter que suportar longas noites de trabalho em ambiente pressurizado e as mudanças de fuso horário. Isso eu acompanho de perto e sinto as mesmas dificuldades, mas o prejuízo é maior para as mulheres. Se ela não tiver uma vida regrada, se não viver uma vida sistemática, vai sofrer ainda mais.
Se eu estivesse casado com uma mulher que não fosse comissária de voo, acho que seria impossível manter o relacionamento numa linha normal, sob o aspecto afetivo e social. O trabalho de quem é tripulante interfere nestes aspectos. Não dá para planejar direito nem a vida familiar, imagine a social.
A aviação nos oferece muitas vantagens, mas nos cobra muito caro por elas. Eu não tenho experiência de ser casado com mulher fora da aviação e da minha mulher não tenho nada a reclamar.
Estamos casados há 10 anos e estávamos planejando ter um filho. Aí veio a crise na Varig, ficamos numa situação de instabilidade e até acovardados. Nossas famílias não são do Rio de Janeiro. Não temos uma pessoa de confiança para deixar a criança e isso é um problema para nós. É difícil arranjar uma boa empregada. No caso, um dos dois vai ter que sair da aviação, ela preferencialmente. Diante disso, fico numa situação em que não posso optar, nem obrigá-la a sair. Mesmo que pudesse não faria isso. Por que não? Para não interferir na vida profissional dela, pois ela gosta do que faz, apesar do cansaço que sofre.
Estamos procurando alternativas, como voar na Rota (voos mais curtos, sem pernoites). A Rota deveria ser exclusiva para situações específicas, como no nosso caso, pois queremos muito ter um filho e não temos com quem deixá-lo. Ou nos casos de pessoas que já não tenham tanta capacidade física, ou que tenham problemas de saúde, mas que ainda consigam trabalhar. Esse tipo de coisa, eu não sei ainda como vamos fazer. É o tempo que vai responder.

 Comissário, marido de ex-Comissária:
Sou casado com uma ex-comissária. Considero a profissão de comissária de voo excelente e até necessária para a mulher. Mas ela deve começar cedo e ter um tempo limitado para ficar. A mulher deve sair bonita como ela entrou. Eu estou trabalhando há 25 anos e me sinto como no dia que entrei. E isso é possível para a mulher também. Há mulheres que estão com 25 anos de voo e estão muito bem, mas há outras com menos de 10 anos que estão acabadas. Tudo depende de como se cuidam. Muitas acham que estão estabilizadas e se acomodam, perdem a vaidade. Assim também é na relação com o marido e filhos.
Quando a comissária de voo casa e tem filhos, ela não deveria mais voar. A mãe não deveria voar, mesmo que tenha necessidade. E se o marido trabalha na aviação, ela ou ele tem que parar de voar. Minha mulher parou de trabalhar. Nós temos dois filhos (uma tem 13 e o outro tem 12 anos). É uma profissão que tem um grande desgaste físico e quem está nela tem que se preparar para esse desgaste. Acho que a mulher que é mãe não deveria voar.

***

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário é bem vindo!